Fugas - Vinhos

  • Enric Vives-Rubio
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Três erros tintos e um erro branco

A maior parte desse lote contaminado com brett era proveniente de uma casta híbrida que um amigo espanhol, um professor universitário, lhe trouxe de Espanha. Uma casta que dá vinhos com o Ph e a acidez muito elevada, “como a do Vinho Verde”. Miguel Louro pegou nesse lote e acrescentou-lhe 50% de Trincadeira, uma casta da qual ele não gosta particularmente – “é uma casta boa para lotar com vinhos mal feitos”. O resultado deste vinho de 2013, da qual nasceram cerca de quatro mil garrafas, é prodigioso. O seu aroma é complexo e vibrante. Os seus taninos e a sua acidez são notáveis. Na boca é um prodígio de intensidade e de frescura.

E o suor de cavalo? Ao contrário da história da sopa de pedra, desapareceu. Foi anulado pela enologia e por uma experiência de tentativa e erro até apresentar a sua actual forma. Uma forma que não deixará indiferentes os que, cansados da padronização, procuram experiências sensoriais diferentes e alternativas. O Erro 3 é um vinho que interpela e desafia.  

Mais convencionais e com muito menos arestas, os Erro 1 e 2 nasceram de uma conta mal feita. Quando estavam a engarrafar os lotes do Quinta do Mouro e do Rótulo Dourado (o topo de gama da casa) de 2010, Miguel Louro e Susete Buinho deram conta que havia barricas que tinham ficado esquecidas. O que fazer? Aproveitar o erro. Com essas barricas, Miguel Louro fez dois lotes – o Erro 1, com 1200 garrafas, e o Erro 2 com cerca de 2000. O primeiro é um vinho mais suave, mais bem-comportado. A sua fruta é aberta e generosa. Na boca é muito harmonioso, sedoso e com um final apimentado. Um vinho de outra estirpe. Já o Erro 2 é mais tenso e profundo – é o que mais se ajusta ao perfil dos Quinta do Mouro.

Mas, para que a cartografia dos erros da adega da Quinta do Mouro ficasse completa, tinha de haver um caso com um vinho branco. E que vinho branco. No nariz, parece um vinho já com um punhado de anos de evolução em garrafa. Os seus aromas são delicados, marcados por uma nota química, que sugere um Riesling, e por sintomas de oxidação. A sua acidez é brutal e só a sua estrutura e carácter aromático a conseguem encaixar. Depois vem a surpresa. Não, o vinho não tem anos de garrafa – é da colheita do ano passado. Não os seus aromas mais químicos não resultam de um estágio em barrica nem do recurso à battonage – a fermentação com as borras finas.

O que aconteceu? “O vinho esteve em curtimenta [contacto do mosto com as películas na fermentação] na cuba durante 48 horas. Quando pegaram nas suas massas [compostas essencialmente pelas películas das uvas] e as levaram para a prensa, descobriram que a prensa estava avariada”, conta Miguel Louro. O que fazer? “As massas regressaram à cuba e fizeram a curtimenta completa”, ou seja, até ao final da fermentação. Com este processo, Miguel Louro arriscava-se a criar um vinho com excesso de extracção, desequilibrado, pesado e sem alma. O enólogo, porém, não desistiu. ”Andei para trás e para a frente”, diz. Experimentou. Arriscou. Acrescentou-lhe um lote de Arinto, uma casta que se distingue pela sua acidez e frescura. Resultou. O Erro Branco é um vinho de classe.

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