Fugas - Vinhos

  • Enric Vives-Rubio
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Três erros tintos e um erro branco

Por Manuel Carvalho

Polémico, irascível, avesso a normas e sem medo das palavras, o produtor alentejano Miguel Louro encara o vinho como um desafio permanente. Agora, pegou em quatro erros cometidos na sua adega para fazer quatro vinhos fora da norma. Uma missão com a marca de um iconoclasta.

Os erros, diz a sabedoria popular, pagam-se caros. Ou talvez não. Pelo menos é o que acontece quando acontecem na casa de Miguel Louro. Na sua adega do belo palacete dos Zagalos, bem perto do centro de Estremoz, há avarias, lapsos, esquecimentos ou contas mal feitas que nem acabam nos lotes dos vinhos mais baratos da casa, nem são despejados no esgoto, nem condenados a fazer aguardente. Pelo contrário, os vinhos nascidos da propensão humana para errar acabam no mercado a preços bem compensadores.

Neste Verão, Miguel Louro apresentará não um, mas quatro vinhos que nasceram de erros e o mínimo que se pode dizer é que há erros que vêm por bem. São vinhos diferentes, cheios de carácter e com uma história para contar. Ou não fossem obra de um homem do vinho que detesta as normas, abomina o politicamente correcto, mantém com inegável prazer a polémica e recusa ver o vinho como um simples produto pensado para agradar ao mercado. 

“Temos de tirar partido dos erros. Nas adegas há muitas argoladas. São coisas que acontecem nas adegas todas. Mas as pessoas não arriscam. Pegam nos erros e metem-nos nas cubas para fazer volume e perderem as suas características”, diz Miguel Louro. Com ele, a história é diferente. “Os nossos erros são públicos, são poucos e são caros”, nota.

Porque, para Miguel Louro, as falhas na adega ou na vinha são apenas acontecimentos normais que se corrigem com a recusa verdades absolutas. Um erro, seja uma contaminação com Brettanomyces, levedura que dá ao vinho um aroma confundível com o do suor de cavalo, seja um problema causado por uma avaria numa máquina, pode ser uma oportunidade. “Aprendemos a ciência na universidade. Mas se não fizermos as coisas com cabeça própria, não vamos a lado nenhum. Tenta-se e aprende-se. Se a coisa não me agrada deito-a fora e pronto”, explica.

Bom, não foi seguramente o caso. Os três Erro tintos e o Erro Branco acabaram por corrigir os seus problemas e tornaram-se vinhos condenados a ter sucesso. Porque são diferentes. Porque foram pensados para ser diferentes. Porque Miguel Louro sabe que, num mundo tantas vezes dominado pela padronização, ser diferente é proveitoso. “Há aqui um interesse económico. Mas eu segui também um interesse didáctico. Temos de estar despertos para pensar de forma diferente. Para não reagir sempre da mesma maneira”, diz. Os erros foram por isso um pretexto para que o produtor pudesse uma vez mais exibir o seu culto pela irreverência e pela provocação. E, já agora, o seu talento, que leva alguns críticos e jornalistas a considerar que ele é o autor dos melhores vinhos do Alentejo.

Miguel Louro sempre foi assim, um iconoclasta. Chegou ao mundo do vinho mais ou menos por acaso. Médico dentista de profissão – ainda hoje pratica -, comprou a casa dos Zagalos em 1978 e antes de se dedicar ao vinho foi criador de vacas e ovelhas. “Tive algum sucesso”, diz, mas menos de dez anos depois, muda de vida. O vinho aconteceu por causa de “pessoas amigas ligadas ao mundo dos vinhos”. Entre eles actores de primeiro plano do vinho nacional, como Júlio Bastos ou João Portugal Ramos. Foi “outra experiência”. Que ficaria até hoje, apesar de um começo difícil. “O início correu pessimamente. Eu não percebia nada daquilo”, diz. A primeira plantação, em 1989, teve 70% de falhas porque “os que me fizeram o trabalho eram incompetentes e vigaristas”. O desastre ameaçava as suas ambições. “Podia ter desistido logo. Mas sou teimoso”, diz.

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