Fugas - Vinhos

  • Fabrice Demoulin
  • Ricardo Jorge Carvalho

O Bastardinho e outras histórias da JMF

Por Manuel Carvalho

Chegou a hora de uma das raridades da JMF se extinguir. Os últimos 1200 litros do Bastardinho vão chegar ao mercado e nas caves da empresa vão ficar apenas 20 litros de um vinho para o qual não há mais vinha.

Quando uma empresa apresenta os seus novos vinhos acrescentando-lhe um velho generoso feito a partir de lotes que variam entre os 40 e 80 anos é caso de pensar que em causa está um privilégio. A verdade é que em Portugal (e no mundo) não há muitas empresas como a José Maria da Fonseca a poderem dar-se ao luxo de dispor nos seus espólios de vinhos como o Bastardinho. Não apenas por ser velho. Também porque é um vinho extraordinário. E ainda mais porque é o último capítulo de uma história de século. Depois desta edição de 1200 litros deste licoroso que chega ao mercado lá para Janeiro, sobrarão nas caves da José Maria da Fonseca uns 20 litros de um Bastardinho velhíssimo, com mais de 80 anos. E vai ser preciso muito tempo até que uma história congéneres possa voltar a ser escrita.

Durante gerações, a casta a que os viticultores da margem sul chamavam Bastardo de Azeitão (que na verdade, e de acordo com o enólogo Domingos Soares Franco é a francesa Trousseau) foi cultivada na faixa de terreno que vai da Costa da Caparica até ao Lavradio. O crescimento urbano das últimas décadas foi, no entanto, extinguindo o seu habitat. As vinhas foram dando lufar a bairros novos e, lenta mas inexoravelmente, o Bastardo foi desaparecendo do mapa. Domingos Soares Franco lembra-se da última entrega de uvas desta casta nas adegas da empresa familiar, aí por volta de 1983. “Era cerca de uma tonelada que vinha de uma vinha com 90 anos e entretanto foi arrancada. Tinha 18 graus de álcool provável”, diz Domingos Soares Franco. Desde então, as entregas acabaram a vinha de Bastardo de Azeitão que existe, de meio hectare, foi plantada pela família Soares Franco em 2005.

O lançamento no mercado do que resta deste vinho representa por isso o “canto do cisne” dos bastardinhos. É um vinho que Domingos Soares Franco define como um “super-hiper dos licorosos portugueses”. Um licoroso capaz de se bater com qualquer congénere nacional ou internacional. E o pequeníssimo lote que resta será “o topo do topo”. Ainda mais velho, mais concentrado, mais intenso e mais complexo. Indo para lá da qualidade da presente edição, que já de si é extraordinária, pode ser que seja capaz de relançar o interesse por esta casa outrora famosa e relativamente abundante. Ou talvez a história desta variedade e deste vinho acabe de vez. O que não deixa de ser uma perda para a diversidade do vinho de Setúbal. E de Portugal.

A feição DSF

Não é que no legado da José Maria da Fonseca, uma casa com 200 anos de memórias, não haja outras raridades. Há. Moscatéis como o de 1911 ou outras edições deste generoso fazem parte da sua tradição. E do seu sucesso, ainda que os licorosos não representem hoje mais de 15% do volume de negócios desta empresa que factura mais de 20 milhões de euros por ano e coloca no mercado mais de 12 milhões de litros de vinho engarrafado. A maior parte, cerca de 80%, vai para os mercados externos, onde a empresa tem ligações longas e consistentes em mercados tão diversos como o Canadá ou a Noruega – o Periquita é vendido neste mercado escandinavo há mais de 40 anos. E em Portugal o negócio corre de feição: no ano passado e este ano o crescimento das vendas está na ordem dos 20%, façanha que é justificada com a criação de uma distribuidora própria. E neste resultado não entra a cedência à pressão dos preços baixos. “Nós vendemos vinhos, não damos vinhos”, ironiza António Soares Franco, o administrador da empresa.

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