Fugas - Vinhos

  • Nelson Garrido
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Nuno Magalhães: A revolução nas vinhas depois do PREC

Por Nuno Magalhães

Em todas as edições especiais, a FUGAS lança o convite a um “senhor do vinho” para nos dar conta das suas memórias e das suas experiências. Pela primeira vez, a escolha caiu num homem da vinha: Nuno Magalhães, um dos mentores da transformação do vinho nacional nas últimas décadas

[Não é de meu gosto nem uso autobiografar-me, em particular publicamente. Todavia, a convite do Público através de Manuel Carvalho, que me contactou e explicou o contexto, considerei que seria deselegante declinar o convite que muito amavelmente me foi transmitido. Então aqui vai.]

Desde bastante novo me inclinei para tirar um curso de agronomia. Porquê, talvez por ter vivido durante muito tempo numa pequena quinta da família, em Vila Nova de Gaia. Embora de reduzida dimensão viviam-se as diversas actividades agrícolas, incluído a produção de vinho para consumo familiar, a partir de vinhas em ramadas para o tinto e de uma parcela conduzida em forma baixa para o branco. Chegada a idade de concorrer à Universidade, a minha convicção de seguir agronomia mantinha-se. E lá marchei para a capital, no comboio-correio da noite (de toda uma noite inteira), para me inscrever no Instituto Superior de Agronomia e arranjar quarto.

Esperava-me uma nova vida de cinco anos, da qual guardo boas recordações. Concluído este período fui fazer estágio na Junta de Colonização Interna no Porto, sob o tema da gestão de uma cooperativa de pequenos agricultores rendeiros do Vale do Sousa. Ainda não era a viticultura, mas pelas vinhas (dos Verdes) andei, calcorreando caminhos enlameados, o acesso às propriedades agrícolas onde se cultivava de tudo um pouco, incluindo o vinho americano produzido pelos “enforcados” e “arjoados”, típicos da região. Seguiu-se o serviço militar obrigatório.

Terminada a comissão, regressando à então chamada Metrópole, iniciei o meu trabalho profissional na Divisão de Viticultura da Estação Agrária do Porto. Confesso que não era propriamente esta área em que tinha pensado, mas foi um bom encontro, pois apesar do trabalho ser então um tanto rotineiro, o contacto com a realidade do campo aliciava-me e muito me ensinou em vários aspectos.

Entretanto surge o 25 de Abril, acontecimento que muito alterou o dia-a-dia das nossas vidas. As componentes meramente técnicas deram lugar a intervenções de carácter mais político, para rearranjo de estruturas, neste caso agrícolas, e a minha vida de agrónomo alterou-se igualmente. Apesar da despolitização praticamente generalizada em que a maioria dos Portugueses se encontrava, alguém deve ter pensado que eu seria um bom elemento para o processo revolucionário em curso (PREC), e então vai daí que surge o meu nome em Diário da Republica para a Comissão Liquidatária dos Grémios da Lavoura do Distrito do Porto.

Era uma comissão de três elementos. Liquidámos uma porção de Grémios dando lugar a Cooperativas, o que no fundo se traduziu num “vira o disco e toca o mesmo”… Ainda ofegante de tão mortífera tarefa surge a oportunidade de fazer um estágio na École Superieure Agronomique de Montpellier. Foram três meses muito proveitosos para a minha formação, sob a orientação de dois grandes mestres, os Professores Jean Branas e François Champagnol, estágio que haveria de repetir mais tarde, sob a orientação do Professor Denis Boubals. Entusiasmado com novas ideias a ensaiar na região dos Vinhos Verdes, esperava-me contudo mais um “biscato”. Agora era a versão nortenha da Reforma Agrária traduzida na Lei do Arrendamento Rural. Punham-se as questões de actualização ou contestação de rendas, ou de acções de despejo por incúria do arrendatário.

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