Fugas - Vinhos

  • Margarida Basto
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"Tenho um defeito horrível: tenho de ter terra"

É o projecto que menos o satisfez?

É o mais difícil. Tenho imensa pena que as pessoas não se tenham entendido porque achava que tanto Lisboa como o Tejo teriam ficado a ganhar se tivessem ficado juntas. Mas outras vaidades aparecem. A força da região teria sido outra. O Tejo é uma região difícil porque, com óptimos vinhos, com o potencial que todo o resto do país tem, tem uma imagem menos boa, do meu ponto de vista injusta hoje em dia, porque há vinhos muito bons.

O Alentejo domina o mercado nacional, mas na exportação a região mais valorizada é o Douro. Quanto lançou o projecto Duorum adivinhava esta tendência?

Antes de lançar o Duorum já antevia este cenário. Aliás, fui para o Douro exactamente por causa disso. A nenhum de nós passou despercebido o trabalho que alguns produtores fizeram para dignificar e valorizar a região. A imagem que o consumidor tem do Douro é que a mecanização é impossível, tem e ser tudo à mão, tem pouca produção… tudo isso, aliado aos grandes divulgadores do Douro, os grandes produtores privados com visão, tudo isso fez com que o mundo olhasse para o Douro. O vinho de Portugal é Douro. Temos todos de agradecer muito ao Douro e às pessoas que estiveram na vanguarda que pôs o Mundo a olhar para o Douro. Isso ajuda Portugal.  

No seu portefólio, o Douro que cresce mais em valor que o Alentejo?

Talvez. O nosso negócio forte é ainda o Alentejo. Se não fosse o Alentejo não teríamos conseguido fazer o Douro. Poderia ter ido para o Douro de outra forma, como vi muita gente ir. Eu tenho esta costela de engenheiro agrónomo. Tenho um defeito horrível: tenho de ter terra. Isso prejudica enormemente os números, os balanços, mas é aquilo de que gosto e aquilo que perdura. Não consigo olhar para isto de outra maneira.

Disse há dois anos: “Faltava-nos esta região [Monção] para fechar o leque das regiões portuguesas com mais notoriedade”. Há 25 anos imaginava-se produzir vinho Verde?

Nem no Douro… Tudo tem uma razão de ser. O Alentejo, o Douro e os Verdes são os líderes do mercado em Portugal. Tinha alguns contactos de exportação, nomeadamente nos Estados Unidos que me pediam: ‘faz lá o projecto dos Verdes…’ Depois pensei: investi tanto no Douro, tanto, para aí uns sete ou oito milhões, por que não fazer um projecto de Verdes? Estou no Vinho Verde como estou no Douro em termos do Vinho do Porto: só fazemos categorias especiais. Mais estou contente. Tenho mais tempo para pagar as contas. No Douro tinha de correr mais depressa, e correu. Tinha de correr bem no princípio, embora, sabe como é que é, uma pessoa quando vem de fora é sempre muito criticado…

Foi criticado no Douro? Porquê?

Caramba… Então se não tivesse o José Maria Soares Franco [enólogo e accionista do projecto] é que tinha sido bonito. Criticavam-me por todas as razões e mais alguma. É normal. Era um outsider. As pessoas sabem que eu faço as coisas a sério quando faço, e sou mais concorrente. É humano.

Continua a falar de si e a assumir-se como um enólogo do Alentejo, certo?

Completamente. Embora coordenando a enologia, deixei a enologia das outras regiões sob a responsabilidade de enólogos. Por exemplo, no Douro é o José Maria que faz o vinho, ponto final. Às vezes ele pede-me a opinião, mas tem de pedir três vezes.
O estilo dele é muito identificável, os seus vinhos são muito sóbrios, muito austeros.

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