Fugas - Vinhos

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"Tenho um defeito horrível: tenho de ter terra"

Por Manuel Carvalho

João Portugal Ramos celebra este ano os 25 anos da primeira vindima em nome individual e uma década do projecto Duorum. Numa viagem pelo tempo fala do moderno Alentejo que ajudou a criar, da enologia, das castas e das suas proezas. “Nunca deixei azedar um vinho”, garante.

Enólogo consagrado, empresário que erigiu um grupo que factura 20 milhões de euros no Alentejo, Douro e nos Vinhos Verdes, João Portugal Ramos é um dos principais ícones do vinho português contemporâneo. Num ano de datas redondas da sua vida profissional, deu-nos conta das suas visões e das que permanecem incólumes. “O Alentejo é a região mais consistente do país”, garante.

Há 25 anos fez a sua primeira vindima em Estremoz. Se provasse hoje esse vinho, depois de tudo o que mudou no país e no Alentejo revia-se nele?

É um vinho marcado pela talha, um vinho de primeiro ano, um vinho engraçado. Hoje acho que tenho melhor. Tudo evolui, tudo melhora. Mas esse vinho ainda está muito bebível.

Visto este tempo em perspectiva, deu os passos como enólogo que devia ter dado?

Eu acho que dei os passos que as condições requeriam. Dei os passos possíveis com as condições existentes. Os passos ao princípio eram óbvios. Estava tudo por fazer. Era tudo claro como água. Hoje em dia estamos noutro nível, com mais conhecimento, com mais opções. Quando cheguei ao Alentejo, em 1981, fui a primeira pessoa a comprar um sistema de frio. Não havia frio no Alentejo. Eram os tais passos óbvios: a diminuição de sulfuroso, corrigir os solos para evitar tanto ácido tartárico…

Questões que dominava pela sua formação técnica, mas que na região eram desconhecidos.

Pois, ou menos bem aplicados. O frio sem dúvida, era desconhecido, daí as doses de sulfuroso altíssimas. Tive a sorte de trabalhar muitos anos com a pessoa mais importante na vitivinicultura moderna do Alentejo, o engenheiro Paulo Lourenço. Ainda tenho as sebentas dele e é muito engraçado ver o que dizem. Por exemplo, como ele não tinha tempo, andava de mota de adega em adega, fazia tudo aquilo por tabelas. Primeira semana de vindima: dose de sulfuroso, tanto; dose de ácido tartárico, tanto… Se havia vindimas mais chuvosas, a única forma de se defender era com sulfuroso ao máximo. É muito giro ver a visão e os apetrechos técnicos que havia nessa altura e ver o que aconteceu dos anos 60 até agora.

Nesse tempo a qualidade não era um factor crítico?

Sabe o que era a qualidade no Alentejo? A qualidade estava no extraordinário potencial da região espelhado por uma série de vinhas velhas que nasceram, não com o espírito de negócio, entre aspas, mas para produzir vinho para casa. As castas, o terreno, a idade das vinhas, as produções, era tudo baixo. O Alentejo viveu até à década de 80 com produções de 25 a 30 hl por hectare. É ao nível dos grandes chatêaux da Borgonha. Portanto, o vinho era sempre bom, desde que a fermentação fosse até ao fim. Depois, o Alentejo passa por um boom em que há uma grande pressão e urgência de plantar, e aí a malta recorria a qualquer material vegetativo. Depois quando essa produção chega ao mercado, aí por meados dos anos 90, a qualidade cai um bocadinho. Mas hoje em dia isso está completamente ultrapassado.

Isso retirou carácter ao estilo dos vinhos que começou a provar nos anos 80?

Repare: há sempre um balanço que tem um lado negativo e um lado positivo. Esse é o lado menos positivo. Mas o lado positivo é mais conhecimento, adegas melhor apetrechadas, clones melhor escolhidos, castas melhoradoras. Tudo isso veio dar uma modernidade ao Alentejo. Pode-se dizer que afectou ligeiramente a tipicidade dos vinhos dos anos 70? Claramente que sim. Mas estou convencido que foi para bem. Hoje em dia vê-se que o Alentejo tem um naipe de produtores com vinhos muito bons e na altura o que é que havia? Não havia nada. Quando eu chego ao Alentejo, só havia seis cooperativas. Não havia nenhum produtor. Nenhum engarrafava. O Mouchão engarrafava para amigos, a Quinta do Carmo engarrafava para amigos, o José de Sousa tinha para lá umas garrafas esquecidas do professor Manuel Vieira… o Tapada do Chaves era um vinho para oferecer aos clientes da família Fino. O primeiro produtor-engarrafador foi lançado por mim, o José Maria Almodôvar, com o Paço dos Infantes.

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