Fugas - hotéis

  • Fernando Veludo/Nfactos
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Esta casa dava um conto

Por Andreia Marques Pereira ,

Fachada de azulejos e granito, interior de betão, recheio ecléctico - uma casa burguesa, com certeza, oitocentista de alma, puro século XXI de rosto, hotel de charme por voluntarismo. É o mais recente capítulo da Casa do Conto, numa história longe de acabada, como percebemos.

À primeira mirada não o deciframos, por falta de hábito. Mas rapidamente desenvolvemos um exercício de leitura de cabeça no ar e o tecto torna-se estranhamente familiar.

"Escada acima, escada abaixo, criadas, serões alegres e dias tristes que a vida também os tem. Casa adentro outra voz o tecto de gesso pintado de falsa madeira. Presenças que habitam os lugares e que só se revelam por traços fugazes, luzes e sombras ou súbitas matérias que remetem para o lugar vazio de outras que sempre lá estiveram. O arquitecto é um fingidor."

Não foi um arquitecto que o escreveu, foi o geógrafo Álvaro Domingues, mas parece encerrar todo um programa, o que conduziu a concepção da Casa do Conto. Quase como cinzelado no betão do tecto do nosso quarto - o AD, pelo autor do texto - não é um conto, mas faz parte do conto desta casa. Uma casa burguesa do século XIX transformada numa unidade hoteleira de charme na cidade do Porto. Com uma história em progresso - como a própria casa é, em parte pelo menos, como o veremos, um work in progress.

A fachada de azulejos e debruada a granito à face da rua, circunspecta como um segredo bem guardado (e para guardar, dizem os hóspedes), esconde surpresas; a mão de ferro na porta como batente não é um anacronismo, é memória. Entra-se e desfazem-se quaisquer ideias preconcebidas - o discreto charme da burguesia ganha novo rosto nesta atmosfera depurada, irredutivelmente contemporânea. Sim, a "arquitectura doméstica, solene e vertical" do século XIX portuense continua a viver aqui, mas surge quase como arqueologia, uma camada - estruturante, é certo - da história.

O branco invade todos os espaços em aliança com o betão, como se estivéssemos perante o esqueleto de uma casa (e não é apenas pelo elevador, com tecto de vidro, que nos dá a sensação de mergulhar nas entranhas de um edifício em construção) que não se cansa de dialogar connosco e recordar-nos permanentemente o seu passado (vejam-se as fotos que documentam a reabilitação da casa, como "fósseis a demarcar a memória", resume Alexandra Grande, uma das metades do casal proprietário). Podia ser "seco e duro" este entorno, reconhece Alexandra Grande, não fosse o mobiliário "a chave para que a casa se tornasse confortável". E ecléctico, este: na maioria tão clean quanto o design nórdico (e ar de família retro) permite, pontuado de atrevimentos quase barrocos.

Recepção que é como uma pequena sala, sala que é como um pequeno salão (quase como uma revisão actual de um oitocentista), sala de pequenos-almoços (mesas com tampo de azulejo da encarnação anterior da casa), seis suites e um jardim compõem esta Casa do Conto, por onde circulamos à noite entre um silêncio quase reverencial - na sala, a televisão fala para ninguém. É um hotel, mas antes é uma casa e não quis perder nem essa arquitectura nem essa aura.

Porém, para chegar aqui, a Casa do Conto teve de passar pelo fogo purificador. Literalmente. "Não haveria este projecto se não tivesse havido a casa antiga e o incêndio", afirma Alexandra Grande. Os actuais proprietários da Casa do Conto cruzaram-se com o edifício residencial oitocentista enquanto arquitectos: um projecto de reabilitação, como residência, para um cliente. Este acabou por desistir, mas aí já Alexandra e Nuno Grande estavam "envolvidos" com a casa. Decidiram investir nela e, juntamente com outros sócios, transformá-la num hotel. A ideia foi fazer uma intervenção "simples, cirúrgica, contemporânea", mantendo todos os elementos que faziam dela um "clássico": os lambris, os tectos em estuque temáticos e outros ornamentos que dão razão ao tal "arquitecto fingidor", como a talha de madeira na sala, as escadas de mármore (pinturas).

Nome
Casa do Conto
Local
Porto, Porto, Rua da Boavista, 703
Telefone
222060340
Website
http://www.casadoconto.com
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