Também o Mamounia foi refúgio para quem queria esquecer o mundo durante a II Guerra. Winston Churchill, o primeiro-ministro britânico e o mais célebre dos muitos hóspedes célebres do hotel, dizia que este era "o sítio mais belo de todo o mundo". Diz-se que nos anos 1940 esses hóspedes, vindos da Europa e dos Estados Unidos para se abrigarem nos jardins que um dia o rei Sidi Mohammed Ben Abdellah ofereceu ao seu filho Mamoun, traziam as próprias mobílias para se sentirem completamente em casa.
Antes disso, apesar de ser já uma referência em Marrocos, o La Mamounia (construído em 1923 pelos arquitectos Henri Prost e Antoine Marchisio por encomenda da Companhia de Caminho de Ferro) tinha apenas 50 quartos. Em 1946 cresceu para 100 quartos, e depois sofreu remodelações nos anos 1950, em 1986 e por fim em 2006, já com Jacques Garcia que, explica Lamia, "recuperou muito do espírito original". Hoje o hotel tem 210 quartos, 71 suites e três riads cada um com três quartos, salões marroquinos e piscina privada.
E tem um fabuloso spa com 2500 m2, onde são usados cinco produtos com a assinatura Mamounia: o ghassoul (argila especial muito utilizada em Marrocos), sabão negro, água de flor de laranjeira, água de rosas e óleo de argão. É ali que Lamia nos chama a atenção para a música que paira no ar. Também ela foi feita especialmente para aqui, tal como o leve perfume que se sente por todo o hotel. "Um cheiro e uma música que só existem aqui." Para que, a cada regresso, tenhamos a sensação, sem sabermos exactamente porquê, de que voltámos a casa.
O feitiço que prende
À noite jantamos no restaurante marroquino, com música ao vivo, e a cozinha do chef Rachid Agouray, que cruza sabiamente o tradicional e o contemporâneo. Num país ainda muito agarrado à gastronomia tradicional, Agouray, que chegou ao La Mamounia há 25 anos - "Era a minha esperança, o meu sonho, e consegui", conta -, arriscou inovar. Era muito novo quando aqui entrou, mas percebeu rapidamente que se queria chegar a chef era preciso ser "paciente, atento, e antecipar um pouco as coisas".
Depois de ter passado por todas as cozinhas do hotel (que tem também um restaurante italiano e um francês, para além do buffet dos pequenos-almoços, à beira da piscina) aterrou em Paris no início dos anos 1990, aperfeiçoando aí o seu estilo. E quando o Mamounia reabriu, ficou finalmente à frente do restaurante marroquino, onde esta noite experimentamos desde as tradicionais saladas marroquinas e um clássico cuscuz com sete legumes até uma pastilla (empada de massa folhada, que habitualmente se come com pombo) com lagosta.
Agouray fala da importância do equilíbrio, sobretudo no uso das especiarias, sempre presentes na cozinha marroquina. "As especiarias não vão com toda a cozinha, uma coisa tem que saber a cominhos, outra a alho, outra a gengibre. Não se pode pôr cominhos em tudo, ou o açafrão, ou a pimenta, se não sabe tudo ao mesmo." E esta é uma cozinha de sabores fortes, mas também de subtilezas.
Terminado o jantar, passeamos pelo jardim mergulhado no silêncio que um dia o rei ofereceu ao filho e cujas festas ficaram na memória de Marraquexe. Na alameda rodeada de oliveiras - há 400 com mais de 700 anos nos jardins do Mamounia, 800 laranjeiras, 500 palmeiras e 6000 roseiras brancas - de repente, o silêncio é interrompido por um cântico que se eleva, à vez, de diferentes pontos da cidade. É o chamamento para a oração muçulmana, que parece vir de todos os lados, numa mistura de vozes que sobe ao céu.