Quando termina, o jardim volta a silenciar-se, mas ao longe ouve-se, abafado, o batuque de tambores que vêm da praça Jemaa El Fnaa. Há festa na praça, como todas as noites - há encantadores de serpentes, aguadeiros, charlatões a vender poções mágicas, há restaurantes envoltos em fumo dos grelhadores, vendedores de caracóis e sumos de laranja. Há a vida toda lá fora. Mas nós, presos por um qualquer encantamento, como os louros filhos dos Finzi-Contini, ficamos no jardim do La Mamounia.
Riads das Mil e Uma Noites
Antes de voltar ao quarto, passamos pelo Bar Churchill, o bar americano do hotel criado nos anos 1970. Uma cantora, grande e de voz rouca, actua. As paredes vermelhas e fotos de cantores de jazz nada tâm a ver com o resto do Mamounia. Mas a música é perfeita: "Summertime and the livin" is easy/Fish are jumpin" and the cotton is high/Oh, your daddy"s rich and your ma is good-lookin"/So hush, little baby; don"t you cry."
Este é sem dúvida o hotel histórico de Marraquexe, mas nos últimos anos a concorrência tem-se tornado cada vez mais forte com investimentos impressionantes nos palácios-hotel da cidade - chefs três estrelas Michelin, decorações orientalistas,villas privadas dentro dos hotéis entre jardins de sonho, lagos e até ilhas.
Mas quem não tiver dinheiro para este luxo pode sempre optar por um riad. Diz-se (neste caso, diz o Financial Times) que o número de riads na medina de Marraquexe é já o mesmo que o das Mil e Uma Noites. Fomos conhecer dois.
O Riad 72 fica atrás de uma porta pesada, de madeira, numa ruela estreita, a dez minutos a pé da Jemaa el-Fnaa. Somos recebidos no pátio interior com uma taça de água de flor de rosas para lavarmos as mãos e um enorme copo de sumo de laranjas acabadas de espremer por Fatouma, a sorridente berbere que aqui se ocupa da cozinha.
As paredes do riad são altas e o pátio é fresco, protegido pelas folhas das bananeiras. Ouvem-se os pássaros lá em cima, mas de resto os ruídos da rua continuam distantes. A temperatura aqui é sempre alguns graus abaixo do que a do exterior - a ideia é precisamente a de que os muros altos criem essa protecção contra o calor. E lá fora está mesmo muito calor.
Esta era, como todos os riads, uma antiga casa de uma família abastada de Marraquexe. Foi comprada há 15 anos por uma italiana, que o decorou num estilo que mistura o italiano com o marroquino. Ficamos na suite (há mais três quartos), imensa, a fazer lembrar o palácio do Alhambra, em Espanha, com uma cúpula redonda em cima da cama por onde se vê o céu (à noite é coberta para que o luar não nos perturbe o sono).
De manhã, uma luz ténue entra por três meias luas rendilhadas, iluminando ligeiramente o quarto. Descemos para o pátio e Fatouma já está a preparar o pequeno-almoço com especialidades marroquinas, crepes com manteiga e doces caseiros feitos por ela, que tenta explicar-nos as receitas berberes.
Saímos para mais um dia nas ruas de Marraquexe. Perdemos-nos pelos souks, entre montes de folhas de menta, especiarias de todas as cores, roupas, pulseiras, trabalhos em couro, em metal, um almoço de espetadas de diferentes carnes e molhos, muito calor, palácios e jardins frescos, e mais souks - e, ao cair do dia, a multidão a começar a chegar à Jemaa el-Fnaa, e nós a assistirmos enquanto bebemos um sumo de laranja no velhinho Café de France.