Fugas - hotéis

  • Nelson Garrido
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Na Quinta da Pacheca há sempre qualquer coisa a acontecer

Por Luísa Pinto ,

Este hotel é uma das mais bem conseguidas componentes de um grande projecto de enoturismo no Douro. E, por aqui, um dia destes ainda vamos dormir dentro de pipas.

São dias acelerados estes que se vivem na Quinta da Pacheca. O Douro está mais cheio do que o habitual, estamos em Maio, as chuvas têm sido inclementes. A produção de energia agradece, tanto que o consumo de electricidade em Portugal até conseguiu ser assegurado durante mais de quatro dias seguidos totalmente por fontes renováveis. Mas para a dinâmica equipa que assegura o receptivo daquela que foi uma das primeiras quintas do Douro a engarrafar com marca própria, na mais antiga região demarcada do mundo - o marco pombalino, exposto à entrada, não deixa enganar – são dias de trabalho extra. Ninguém se queixa, que não há maneira de os sorrisos saírem daqueles lábios – isto é, dos lábios de Sandra Dias, a responsável pelas actividades de Enoturismo que oferece a Quinta da Pacheca.

O telefone não pára de tocar. É preciso “acudir” aos turistas que ficaram retidos nos navios-hotel, e que já não vão rio-acima nem rio-abaixo, enquanto as barragens não baixarem a sua intensa actividade. É preciso tirá-los do rio, encher-lhes os dias com boas, e variadas, experiências. Estar no Douro significa ir a uma Quinta – ou a várias. Com o tempo bom, há sempre muita coisa para fazer. Provas e jantares vínicos, piqueniques e passeios de bicicleta. Com o tempo mau também se arranja qualquer actividade. E é ai que o telemóvel de Sandra Dias não pára de tocar.

A Quinta da Pacheca é, provavelmente, uma das quintas mais conhecidas do Douro vinhateiro, muito por culpa da sua localização privilegiada, na margem esquerda, frente à Régua, o coração capital da região vitivinícola. Quem vem a subir o rio e pousa os olhos no Vale Abraão (hoje transformado em hotel de cinco estrelas, agora com a chancela da Six Senses), já está a contemplar os vinhedos da Pacheca. É impossível ignorar. A Quinta é reconhecida, também, pelo facto de ser das que há mais tempo se ocupa em guardar em garrafas o precioso néctar que havia de levar o nome do vinho do Porto e de Portugal ao mundo – fê-lo, pela primeira vez, em 1738.

Quando do outro lado da linha há alguém a fazer um pedido, uma encomenda, uma reserva, uma marcação, Sandra Dias não diz que sim a tudo. E diz que não sempre que, de facto, não pode atender aos pedidos. “Há um equilíbrio que tentamos sempre preservar. Queremos todos os clientes satisfeitos – os que vêm visitar a Quinta e fazer provas vínicas ou os que marcam um evento, mas também os que estão alojados no hotel”, explica Sandra. O hotel é o The Wine House Hotel na Quinta da Pacheca, uma unidade de quatro estrelas que em 2015 mereceu a distinção do The Best Wine Hotels da Rede de Capitais de Grandes Vinhedos – Great Wine Capitals, na categoria de alojamento.

É para lá que nós vamos, alheios a toda a azáfama em que está mergulhada a Quinta. E não foi ao atravessar os portões e a percorrer uma frondosa avenida de plátanos que nos conduz até ao The Wine House Hotel que adivinhámos a azáfama que por ali se andava a passar. E só não continuamos alheios até ao final da visita porque gostamos de fazer perguntas. E porque a Sandra Dias nos soube dar sempre todas as respostas, e explicar porque é que há sempre tanta coisa a acontecer na Quinta da Pacheca. Mas já lá chegaremos.

Antes é preciso contar mais um pouco da história desta quinta. O marco pombalino à entrada do hotel, a apontar para 1761 e para “os vinhos de feitoria” que fizeram nascer a mais antiga região demarcada e regulamentada do mundo é também um fiel testemunho dessa história que a própria Quinta da Pacheca ajuda a contar. A história dos dias de glória e dos dias de aflição e os relatos de vidas de trabalho intenso (com paisagens de assombro desenhadas a sangue, suor e empenho) que acabaram a proporcionar momentos de fruição e puro deleite.

Todos esses episódios cabem na história da propriedade de D. Mariana Pacheco Pereira, que no início do século XX veio parar nas mãos dos Serpa Pimentel. Agora, a propriedade da Quinta está nas mãos de uma dupla de empreendedores que a resgatou das dificuldades financeiras, comprando-a por sete milhões de euros. Paulo Pereira e Maria do Céu Gonçalves, portugueses radicados em França, são os novos donos da Quinta da Pacheca. Mas Teresa Serpa Pimentel continua a ser a sua mais ilustre moradora, a matriarca que se empenha em ver as flores no sítio certo e o jardim regado, e os filhos continuam a ter lugares chave na vida da empresa. Maria Serpa Pimental é a enóloga de serviço. O irmão, José Serpa Pimentel continua à frente da direcção comercial. É sempre assim com um pé no futuro, e outro na tradição, que se vai fazendo a história da Quinta, e os hóspedes mais curiosos poderão conhecer todas estas páginas.

Plátanos, Parras e Pipas

Chegámos à Quinta da Pacheca num fim de tarde invernoso, com o corpo quase a pedir lareira em pleno mês de Maio, mais pelo desconforto da chuva do que pelo rigor dos termómetros. O cálice de vinho do Porto que nos esperava ajudaria a aquecer a alma mais enregelada - e, já no quarto, o tawny 10 anos que tinha lugar de destaque na mesa de apoio, iria permitir que a noite continuasse à boa temperatura. A verdade é que se nem só de Porto, e de vinho, se faz uma visita a uma quinta do Douro, mas é indesmentível que ele andará sempre por perto, a marcar-nos o compasso.

O The Wine House Hotel fica instalado numa casa típica do século XVIII, depois de uma intervenção cuidada que lhe rasgou janelas e lhe deu modernidade sem, no entanto, desrespeitar a sua arquitectura original. O pátio onde o marco pombalino nos lembra que estamos em território demarcado serve tanto para entrada nos lagares onde se fazem as pisas como para a recepção do hotel onde continua a dominar o espírito familiar e o ambiente nobre em que sempre se desenvolveu a quinta.

A aventura hoteleira no projecto de enoturismo que a Quinta da Pacheca abraçou data de 2009, e nos dias que correm os 15 quartos que disponibiliza são quase sempre poucos para a muita procura. Está, também por isso, em curso um projecto de ampliação que deixará marcas indeléveis na história da quinta, e do Douro. Não exageramos: a ideia não é desvirtuar o carácter familiar da Quinta, nem multiplicar por muito a oferta de camas. Mas não esconde um laivo de provocação. Paulo Pereira, um dos novos donos da Quinta, já anunciou ao mundo a intenção de fazer aparecer quartos modernos e confortáveis no interior de tonéis (os recipientes gigantes que albergam 30 pipas, isto é 16500 litros de vinho, e que fazem uma das imagens de marca do Douro) estrategicamente espalhados pela vinha.

Perguntamos por eles, mas deles ainda não há sinais. A prioridade, por agora, é melhorar a cozinha que dá apoio aos eventos, recolocar a fachada da capela da quinta no sítio onde poderá “abençoar” o espaço onde são feitas provas e piqueniques no Verão. A piscina, que tem reconhecidamente feito muita falta aos hóspedes e às crianças que os acompanham, será construída em 2017. Os quartos em tonéis deverão surgir antes disso, assim que estejam resolvidas as complexas questões de licenciamento e, também, os desafios técnicos que são água, aquecimento e energia para o meio da vinha. Os primeiros deverão estar prontos talvez por altura da próxima vindima, antecipa Sandra Dias.

Há, pois, uma pequena revolução em curso no seio da Pacheca. Mas quem, como nós, lá se deslocou para aproveitar a estadia, ter uma boa experiência eno-gastronómica e usufruir da paisagem, pode até nem se aperceber disso. Há sempre qualquer coisa a acontecer – é certo – mas podemos optar por não querer saber de nada. E não há nada que nos incomode.

Do not disturb

Também soubemos ligar esse registo logo depois de Sandra Dias ter respondido a todas as nossas perguntas, e nos ter deixado na companhia de Domingos Cabral, o sub-chefe de sala que nos havia de servir um menu de degustação no restaurante do Hotel. Ainda não tinham chegado as entradas à mesa (uma deliciosa sardinha marinada de citrinos e gengibre, sobre uma torradinha de pão de milho tradicional e puré de pimentos assados, e lembrar que os santos populares estão mesmo aí à porta) e já estávamos maravilhados com o louceiro em jatobá da Bahia que veio directamente de uma das salas do Vale Abraão para ocupar o lugar de destaque na sala – tão de destaque que toda a arquitectura da sala foi concebida em função dele. Quando a noite se cobriu de breu, e já não era possível contemplar os vinhedos a partir da sala, as colunas torneadas deste louceiro continuavam a encher os nossos olhos de parras e de uvas.

A entrada foi servida com um Pacheca Colheita Branco de 2015. E a degustação vínica continuou com o Pacheca Vinhas Velhas 2013, a acompanhar na perfeição um naco de novinho sauté, acompanhado com um cogumelo Portobello e um surpreendente risotto de salpicão. A sobremesa – que trouxe o regresso do Pacheca Tawny 10 anos – trouxe um creme de leite torrado com frutos vermelhos e aromatizados com limão e hortelã. As criações do chef Carlos Pires são sempre assim: reinventam receitas tradicionais do Douro, acrescentando-lhes um pequeno toque ou uma assumida provocação.

Está a jogar em casa, o chef Carlos Pires, porque todo o conceito da Quinta da Pacheca assenta nesta assumida dualidade. Nós também nos sentimos em casa, mal nos recolhemos ao quarto. Mesmo que em casa não fosse possível ter a cama com três séculos de vida que serviu de leito essa noite (também veio do Vale Abraão). 

Ao pequeno-almoço, o louceiro já não foi o rei da sala, que as amplas janelas traziam-nos um Douro iluminado por uns bem-vindos raios de sol. Não há estadia na Pacheca que não traga com ela uma visita à quinta e uma prova vínica acoplada, e tinha chegado a nossa vez. Era altura de conhecer os imponentes lagares onde a enóloga Maria Serpa Pimentel e o agrónomo Hugo Fonseca fazem a vinificação dos tintos, ainda antes de descer ao armazém onde há toneis, pipas e balseiros a preencher as frescas paredes de pedra. A história daqueles 53 hectares de vinha (e as histórias dos muitos e bons vinhos que ali se fazem) pode ser contada ali pelas palavras entusiasmadas de Ricardo Santos. O tempo disponível e o interesse específico de cada visitante é que dita os espaços que vão ser visitados. Certo é que o passeio termina na wine shop, onde selamos a visita com o melhor dos néctares: um Pacheca Tawny Port de 40 anos.

É, de facto, possível proporcionar uma estadia de tranquilidade e fruição aos hóspedes do Hotel ao mesmo tempo que se encaixam horários de visita de turistas recomendados por outros operadores ou até os clientes de passagem que não precisaram de ninguém lhes mostrar o caminho para a Quinta da Pacheca. São realidades compatíveis. E a tendência, prometem Ricardo e Sandra, é para melhorar.

Nome
The Wine House Hotel - Quinta da Pacheca
Local
Lamego, Cambres, Rua do Relógio do Sol, 261
Telefone
254331229
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