A maior — mas pequena — preocupação de Luís Veríssimo sobre este lugar será talvez a sua maior qualidade: o nada. É nas Aldeias do Xisto? Não, é ao lado. Tem praia fluvial? Também não. E a barragem? É mais à frente. Sobral do Campo, de nome e de raiz, já nem freguesia é. Desde 2013, passou a fazer parte de Ninho do Açor, mas só administrativamente, porque já se sabe que, por terras beirãs, quem é do Ninho é do Ninho e quem é de Sobral é de Sobral. Ponto.
“Eu fui nascida e criada em Sobral e estou neste negócio há 31 anos”, conta Tijuca, que alimenta os dias no café-mercearia, cheia de vontade e de histórias. Pergunta de um fôlego se estamos a “dormir no Luís Filipe”, de onde vimos e para onde vamos, ainda antes de nos servir. Conta da ponte romana que aqui havia, de como as contradanças aconteciam ao domingo e de como se descamisava o milho em festa. Era assim o Sobral, tal como o pintou Rosário Bella na parede do café, no tempo em que “o correio funcionava na loja dos senhores Veríssimos” e a chegada do carteiro era “um acontecimento”, escreveu Maria Gabriela Hormigo em Memórias da Minha Aldeia – Sobral do Campo.
Este é o livro que nos fez madrugar no antigo curral da Casa Sarafana, hoje quarto do Leiturismo, o conceito que Luís Veríssimo (filho de João, feitor e herdeiro da casa por vontade de Luís Sarafana) desenvolveu para dar balanço a uma fantasia em torno dos livros num mundo que “lê de maneira diferente”. “Cheguei a sonhar que tinha uma livraria em São Bento [Lisboa]”, conta Luís, e a mãe, Fernanda (ou dona Bibi), credibiliza com a ilustração: “E calças com suspensórios!” Mas o publicitário surge de calções, sem suspensórios à vista, nesta residência-biblioteca mais longe da urbe que o diabo da cruz. Quer tirar-nos o sono com 4000 livros à solta. Dias antes, perguntou-nos que leituras queríamos à cabeceira, “para preencher lacunas” ou por hedonismo. “Autores da Beira Baixa”, pedimos; “menu regional” teremos. Assim vamos, de poesia e prosa à la carte, sobre lençóis brancos, sob traves brancas, entre os cedros e a piscina, ao luar e ao sol queimante.
A Net e a mosca que passa
“A casa estava em muito mau estado, já nem tinha telhado”, conta dona Bibi. Era preciso recompô-la. “Os meus pais gostam disto e queriam ficar aqui. E eu queria arranjar um enquadramento e manter a integridade do património”, concretiza Luís. Do turismo em volta dos livros, fica o melhor exemplo: o da filha que acreditava que os pais precisavam de ler. “Enviei-lhes, em nome da filha, dois livros, e os separadores eram vouchers para o Leiturismo. Eles vieram. Foi delicioso”, regozija-se Luís.
No desenho do espaço trabalharam as mãos do arquitecto Rui Horta Santos, para manter a essência do lugar e garantir a privacidade dos hóspedes (a entrada para cada um dos quatro quartos foi pensada de forma a evitar cruzamentos). No conceito, imperou o entusiasmo de Luís Veríssimo, especialista em marketing e comunicação e, muito antes disso, um rapaz que não cresceu “à lambada mas à lombada” (o pai, João, de 79 anos, é um bibliófilo). Hoje, admite que nem sempre é fácil encontrar “paz de espírito para ler” e crê na globalidade do sintoma, como na análise de Nicholas Carr sobre o que a Internet está fazer aos nossos cérebros, à forma como lemos e memorizamos. “Não vou maçar com isto, mas é tudo muito diferente.”
- Nome
- Leiturismo
- Local
- Castelo Branco, Sobral do Campo, Rua da Ladeira, 5
- Telefone
- 937010450