Fugas - restaurantes e bares

Deliciosa proposta de ''alta cozinha a baixo preço''

Por David Lopes Ramos ,

O chefe bósnio Ljubomir Stanisic fechou, o seu restaurante 100 Maneiras em Cascais, mas já está de novo ao "piano" num outro 100 Maneiras, em Lisboa. Fomos experimentar, e encontrámos um restaurante diferente, mas igual num ponto crucial: o da qualidade e criatividade dos cozinhados.

O restaurante 100 Maneiras, que esteve quatro anos aberto em Cascais, está agora no Bairro Alto, na Rua do Teixeira, onde foi o Olivier e, antes, o Porta Branca. Mudou-se o 100 Maneiras para Lisboa e, em relação ao original, só não mudaram três coisas: a boa cozinha, o chefe que a elabora, o bósnio Ljubomir Stanisic, e o nome. No resto, começando pelo conceito culinário, mudou radicalmente, mas, repito, continua muito bom. Não foi por, como ele diz, ter falido em Cascais por ser um "mau gestor", que Ljubomir Stanisic, que nasceu em Sarajevo (na ex-Jugoslávia, actual Bósnia-Herzegovina) há 31 anos, desaprendeu de cozinhar.

Ele é um dos mais talentosos e imaginativos chefes de cozinha da nova geração a trabalhar em Portugal e um jantar recente no novo 100 Maneiras confirmou-o em toda a linha. O restaurante, uma sala onde caberão umas 30 pessoas bem sentadas, pintado de branco, é bem iluminado, pormenor apreciável, uma vez que foge à moda, que nunca me atraiu, de espaços onde, apesar de não nos equivocarmos no caminho, que é sempre o da mão à boca, termos dificuldade em distinguir a cor e a composição do que nos servem.

 

As alfaias são muito adequadas à função, com destaque para os copos, que ajudam ao brilho dos vinhos, uma selecção assinalável de 150 espumantes e champanhes, brancos, roses e tintos, escolha pessoal do chefe de cozinha, que é um apreciador informado e actualizado. Os preços são sensatos. Esta questão dos preços, muito aguda agora que a crise passou das palavras aos actos, é outra das novidades maiores do novo 100 Maneiras.

Todos os dias há um menu novo, que Ljubomir Stanisic vai construindo enquanto deambula pelos corredores do velhinho Mercado da Ribeira, vendo o que há nas bancas de legumes, peixes e mariscos, carnes e frutas. Uma preocupação maior do chefe de cozinha bósnio é que nenhum menu de degustação, com sete/oito propostas diferentes, ultrapasse os 35 euros. Até agora, tem-no conseguido.

O mais caro foi um que ficou por 31 euros, por nesse dia, ao sair de casa, o tempo chuvoso lhe ter trazido o cheiro a terra. Comprou uns cogumelos silvestres, "foie gras" fresco e a conta final subiu um poucochinho, já que habitualmente a degustação fica-se pelos 25/28 euros. No meu caso foram-me cobrados 28 euros e espero que se espantem tanto como eu quando vos informar sobre o que me foi servido.

 

Nos anos que levo desta actividade de apreciador de restaurantes, tenho-me apercebido que há quem, embora sem conseguir verbalizar as razões, se sinta intimidado perante as novidades e ousadias culinárias dos novos chefes. E, em vez de dar uma oportunidade aos novos sabores e novas propostas ou aos sabores de sempre mas confeccionados de acordo com técnicas inovadoras e apresentações mais ousadas, preferem ficar-se pela mesmice habitual. Esquecem-se do rifão que, não sendo ciência que aprecie, neste caso acerta ao proclamar, quanto à comida, que "nem sempre galinha, nem sempre sardinha". Quero com isto pedir-vos que não tratem os restaurantes como alguns leitores tratam os clássicos: todos falam deles como se os conhecessem, mas são raros os que os compram e lêem. Não se sentem sempre às mesmas mesas.

 

Experimentem os restaurantes onde fazem carreira profissionais que não se limitam a reproduzir, fiel e rigorosamente, as receitas de sempre, o que também se saúda e deseja, mas que querem deixar a marca da sua individualidade e do seu talento na cozinha.

 

Cozinha de mercado

 

Voltemos ao novo 100 Maneiras, onde Ljubomir Stanisic desenvolve um conceito de "cozinha de mercado" que é também uma tentativa de, sem perder a alma não abdicando da qualidade, enfrentar a crise, que está a afastar as pessoas dos restaurantes. A sua cozinha actual enfileira na corrente dos "micro restaurantes", em que os chefes cozinham e, em muitos casos, também servem a clientela; das "pequenas porções"; dos "gastro bares" espanhóis, misto de restaurantes e tabernas, que servem "tapas" e "raciones" num ambiente sofisticado; o mundo do "''low cost'' culinário com qualidade", o "bistronomic". Quer dizer, "alta cozinha a baixo preço". Repito, não se deixem intimidar por esta conceptualização, muitas vezes um tanto pernóstico, e vão experimentar o novo 100 Maneiras.

 

Deparar-se-ão com uma cozinha muito saborosa, criativa, facilmente identificável, elaborada com produtos frescos e familiares, com alguns achados e harmonias brilhantes, que nos apaziguam o apetite e "abrem a alma", para empregar a expressão de um outro chefe de cozinha talentoso embora de outra escola, Pedro Amaral Nunes, do São Gião e do Quarenta e 4. Então, o menu degustação do jantar de 18 de Fevereiro começou com "kadun boutich", um "agrado do chefe", um petisco da terra de Ljubomir Stanisic dilacerada pela guerra, uma espécie de patanisca de carnes de porco, de vaca, de aves muito cozinhadas e espinafres, mas que, embora frita, não leva farinha e é servida com molhos de pimento e de queijo e coentros frescos; seguiu-se um verdinho e cremoso "creme de ervilhas com queijo de Azeitão e espetada de pão com chouriço", de confecção esmerada e bom tempero; depois "atum em crosta de sésamo com emulsão de coentros e molho de soja", peixe de carne firme e excelente qualidade, mal passado, apaladado; surgiu neste ponto uma encantadora e delicada de sabores "terrina de aves com ''foie gras'', gelatina de Sauternes, salada nova e avelãs torradas"; veio então um competente, pelo ponto de cozedura, suculência e equilíbrio de ingredientes "risotto de cogumelos silvestres com azeite de ervas e camarão salteado"; depois a divertida e de sabores muito nossos "''Grande Lata'' e dourada", com um fresquíssimo filete de dourada de fritura impecável, que lhe deixou a pele estaladiça e o interior chorumoso, posto em sossego sobre umas saborosíssimas migas com berbigão; e, a encerrar, o único prato de carne, e que prato!, foi "bochecha de porco preto com puré de aipo, ar de mostarda e pinhões", cozedura lentíssima e demorada em vinho tinto e rosé com especiarias e ervas aromáticas da carne, que lhe acentuou o lado gelatinoso, puré de aipo aromático e cremoso, a sugestão de mostarda a avivar o aroma, os pinhões a dar o lado mais sólido ao conjunto, um prato brilhante.

 

O final, despreocupado e doce, foi uma "piña colada", refrescante, e uma "falsa tarte de limão merengada" com gelado. Custou 28 euros. Os menus degustação do 100 Maneiras de Cascais, que era um restaurante com outras ambições, começavam nos 68 euros. Mas não senti menos prazer na casa do Bairro Alto. O pão, de centeio e de milho, é fresco e bem cozido. Bebeu-se o Loureiro de Dirk Niepoort, o Giro Sol 2007 (19 euros), harmonioso e fresco, discreto de aromas, perfil a lembrar alguns brancos alemães, que só com o prato de carne, o que se entende, se encolheu. O serviço, a cargo de gente jovem, é descontraído, simpático e muito competente.

 

Ljubomir Stanisic mostrou estar em grande forma e muito entusiasmado. O novo 100 Maneiras vai obrigá-lo a trabalhar muito e bem, o que não o intimida. Tem na cozinha a colaboração de Carla, a qual, com o marido, Nélson Santos, este no balcão, são os seus sócios neste empreendimento. Foram eles, aliás, quem convidaram o chefe de cozinha bósnio a meter-se neste barco. Que navegue bem e que a clientela não lhes falte. Lisboa, que ficou sem o Vírgula, e temporariamente, espera-se, sem o Terreiro do Paço, de Vítor Sobral, precisa de restaurantes com o perfil deste 100 Maneiras. 

Nome
Restaurante 100 Maneiras
Local
Lisboa, Lisboa, Rua do Teixeira, 35 - Bairro Alto
Telefone
910307575
Horarios
Segunda a Sábado das 20:00 às 02:00
Website
http://www.restaurante100maneiras.com
Preço
35€
Cozinha
Autor
Espaço para fumadores
Não
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