Fugas - restaurantes e bares

  • Paulo Barata
  • Paulo Barata
  • Paulo Barata
  • Paulo Barata
  • Paulo Barata
  • Paulo Barata
  • Paulo Barata

Avillez reabre Belcanto com menos lugares e mais cozinha

Por Alexandra Prado Coelho ,

Tornou-se o primeiro chef português a ganhar duas estrelas Michelin com o seu Belcanto. Agora, depois de dois meses pendurado em escadotes a trabalhar na nova sala, Avillez reabriu este clássico lisboeta: volta diferente e, diz o chef, com uma cozinha “com condições" para dar "tudo o que temos para dar”.

O que leva um chef com duas estrelas Michelin a reduzir o número de lugares sentados no seu restaurante para ganhar espaço na cozinha? Não é uma decisão baseada numa lógica financeira, admite José Avillez, no recém-renovado Belcanto, em Lisboa. É mais o resultado de “uma personalidade irrequieta” que quando tem uma ideia quer imediatamente pô-la em prática. E, sobretudo, é uma forma de passar a ter uma cozinha com muito mais espaço e condições de trabalho.

É precisamente para a cozinha que Avillez nos convida a entrar. E, para quem conhecia a pequeníssima área anterior – onde a equipa fazia todos os dias um autêntico bailado para conseguir mover-se sem choques ou pratos a cair no chão – a mudança é total. A sala que existia na parte de trás do Belcanto desapareceu e a cozinha alargou-se para toda essa área – onde agora existe uma mesa de madeira na qual alguns clientes poderão jantar ou passar algum tempo a observar a preparação das refeições.

É aí que nos sentamos. No primeiro plano temos a zona de pastelaria, por isso o que vemos são sobretudo cremes a serem batidos e pequenos doces a serem construídos. Mais ao fundo, a restante equipa prepara os outros pratos sem barulho nem confusão. “Darmos 40 almoços e jantares todos os dias naquela cozinha pequena era muito pesado, uma pessoa fica mais embirrenta, eu próprio estava mais mal disposto”, confessa o chef. “Cada um tinha dois metros quadrados para gerir e era complicado”.

Em Setembro do ano passado Avillez começou a planear transformar o espaço. “Pensei inicialmente que seria uma coisa para fazer em Janeiro de 2017, mas quando a ideia se instala e penso que ainda falta um ano e tal... era impossível, decidi que tínhamos que fazer agora.” E nem mesmo alguns obstáculos práticos o detiveram. “Não consegui arranjar decorador nem arquitecto para os prazos que tinha, por isso resolvi fazer tudo sozinho.”

A cozinha mudou muito, mas a sala (agora única, com capacidade para 28 pessoas) também está diferente. A decoração tem um lado muito mais pessoal, reconhece o chef. Numa das paredes, junto à janela, foi colocada (pelo próprio, com algumas ajudas) uma instalação de pratos de cerâmica desenhados por Avillez e feitos pela ceramista Cátia Pessoa. Há um quadro de Pedro Batista, outros de Marco Pires, peças de cerâmica de Teresa Pavão, fotografias de Lisboa de Luís Mileu e uma composição de fotografias tiradas nos anos 70 pelo pai de José Avillez.

“O Belcanto é quase a minha casa, por isso quis dar-lhe um lado pessoal, com fotografias de fotógrafos meus amigos, quadros de artistas que conheço bem, as fotografias do meu pai”, explica. Assim, almoços e jantares passam a ser servidos numa sala mais clara e mais luminosa que, na opinião do chef, está mais próxima da filosofia dos pratos que aqui são apresentados.

E, destes pratos, tivemos uma selecção servida na nossa mesa da cozinha – e com direito a apresentação pelo próprio Avillez. Não houve, para já, uma mudança de carta, mas o chef tem uma ideia muito própria sobre a pressão que existe para que um restaurante apresente novidades: “Acredito que temos que deixar alguns pratos crescer, evoluir. Nem sempre é preciso estar a criar coisas novas, até porque vamos sempre trabalhando nos pratos e quem os comeu há dois anos nota diferenças. Há alguns que envelhecem mal e saem da carta mas há outros que ganham maturidade, profundidade.”

Neste momento, estão “numa fase de muitas ideias, muitas experiências”, mas não era possível acompanhar a reabertura do Belcanto com uma nova carta. “Não consigo mudar uma carta sem ter uma cozinha”. No entanto, entre pratos já conhecidos, revela algumas ideias novas que está a desenvolver. O início da refeição é florido: numa caixa, por entre flores, “pedras” de bacalhau feitas com creme de fígado de bacalhau e manteiga de cacau e ovas de truta; noutra, uma pele de frango frita com mousse de fígado de frango, acompanhada por um shot de leite de tigre com um dashi de milho; e num bouquet de flores (ideia inspirada no casamento de Avillez), um cone com tártaro de atum dos Açores.

Uma das novidades é o prato seguinte, uma sopa de marisco fria, sabores muito frescos, os diferentes mariscos apresentados separadamente, com maçã verde e algas num caldo branco feito com xantana (um espessante). Mas Avillez faz questão de sublinhar que não se trata de usar xantana só por usar. “Quando se bebe um líquido com sabor mas que não tem textura, ele passa rapidamente pela boca; com textura fica mais um pouco e é na boca que estão as papilas gustativas”.

É um prato que o crítico espanhol Carlos Maribona, do ABC, elogiou no seu blogue Salsa e Chiles, considerando-o “um exemplo da evolução que Avillez teve nos últimos anos, da depuração da sua cozinha” e notando “a limpeza, a elegância, o sabor e os contrastes”.

A questão das texturas é, aliás, das que mais interessa a Avillez e há uma série de pratos “de conforto” em que as tem trabalhado, como é o caso do xarém com sames de bacalhau e amêijoas esferificadas à Bulhão Pato, que nos apresenta depois de um salmonete curado com pickles de algas e de um carabineiro com cinzas de alecrim. E, depois de um robalo com espargos e avelã, chegam os pratos de carne, o cozido, e o rabo de boi estufado com um molho tipo cabidela e tendões.

Prato forte, a partir do qual entramos numa fase da refeição que corresponde a outra ideia que Avillez está a estudar: criar um momento de transição entre a carne e a sobremesa. Propõe, para isso, um macaron de morcela doce e grelos, misturando a carne e o doce, seguido, na mesma lógica, por um pudim Abade de Priscos com torresmos e gelado de framboesa.

E assim se prova que se a sala do Belcanto mudou, o espaço da cozinha aumentou e há neste momento mais funcionários do que clientes, na parte da criação também há ideias novas – a descobrir na sala ou, com sorte, na mesa com vista para a cozinha. E tudo isto a pensar na terceira estrela? “Tudo isto para aumentarmos a qualidade”, responde Avillez. “Se esse aumento de qualidade se reflectir numa terceira estrela, óptimo. Mas essencialmente é para sentir que há condições para darmos tudo o que temos.”

Nome
Belcanto
Local
Lisboa, Mártires, Rua Serpa Pinto, 10 A
Telefone
213420607
Horarios
Terça a Sábado das 12:30 às 15:00 e das 19:30 às 23:00
Website
https://www.belcanto.pt
Cozinha
Autor
Espaço para fumadores
Sim
--%>