No Beco do Espírito Santo impera, desde a década de 50, a Parreirinha de Alfama. É a casa de Argentina Santos, a primeira grande referência no bairro. E é Argentina que nos recebe, passado um patiozinho, telefone à mão, de guitarras na parede e uma espécie de altar à Nossa Senhora atrás de si, sentada à entrada a uma mesinha que dispõe os CD dos seus fadistas.
Aos 87 anos, e apesar de mazelas da saúde, parece controlar tudo. É terça-feira e a noite está fraca nesta sala pequena de tectos baixos, decorada a memorabilia fadista, homenagens ao fado e aos seus, busto de Amália em adoração, uvas, parras e jarros de vinho. Neste momento, há apenas um casal de turistas, mas a fadista Micá não se atrapalha. A saudade andou comigo/E através do som da minha voz/No seu fado mais /fez mil versos a falar de nós ...", canta. O elenco é permanente e inclui também Ana Maurício, Luís Tomar, Tina Santos e Pedro Lisboa.
Já a dona Argentina, lenda viva, dona de um canto histórico, só canta quando lhe apetece e a saúde deixa. Pela sua casa, espaço museológico, passaram e ouviram-se todos os grandes do fado. Começou como cozinheira aos 24 anos e sua mão para a cozinha era famosa, mas agora quem lá trabalha é a senhora Augusta, que avisa Argentina, "está cá há muitos anos, aprendeu tudo comigo, ela dá-lhe um toque igualzinho". "Às vezes provo qualquer coisa e até parece que fui eu que fiz" - e sublinhe-se aqui que o arroz de tamboril tem mitos fãs.
Satisfeita por ter tantos portugueses quanto turistas, a fadista defende que "as pessoas estão a pagar é para serem servidas como deve ser" e reconhece que ir aos fados fica hoje em dia muito mais caro que antigamente. "A gente nunca pode vender barato porque as despesas são muito grandes", "as coisas evoluíram muito, há muitas despesas, artistas que é preciso pagar", acrescenta, lançando, com olho ladino: "Até porque aqui não há cá fado vadio, isso é para tabernas de rua".
Mesmo a sua Parreirinha passou em mais de meio século de taberna ("mas atenção, já separávamos o trigo do joio") a restaurante cuidado e com preços à medida. E Argentina passou de cuidar do seu restaurante a fadista. Foi "por acaso", "chateavam-me para cantar" e "lá fui indo".
Nascida na Mouraria, chegada "descalça" a Alfama aos 10, 11 anos, parece encerrar em si todo um fado só seu. E, quis o destino que, só há poucos anos é que tenha chegado à ribalta, com Carlos do Carmo "a puxá-la" (para um espectáculo no CCB em 1998). Seguiram-se as homenagens devidas, de formas várias, incluindo a dedicação de uma noite no Coliseu do Lisboa ou a participação no filme "Fados" de Carlos Saura.
Hoje, embora não se possa ir à Parreirinha esperando ouvir Argentina, a sua presença continua a ser uma atracção. E é de sobrancelha arqueada que a fadista garante que "está sempre ali", nesta casa museológica, de muita vida vivida, que é, em si, parte da história do fado e das suas casas.
Até porque, confessa dona Argentina com uma segurança inabalável, não tem "vontade nenhuma de morrer". "Só peço a Deus que me dê mais uns aninhos", diz, tal como canta: num tom de oração. É como que estivesse a cantar o final de "Vida Vivida", um dos seus fados (que também dá título a um recente documentário, de Gonçalo Mégre, sobre a sua vida): "Afinal a gente fica, o tempo é que vai passsando".
Comer e beber
Um jantar custa acima dos 40/50€. Entre as especialidades da casa: cataplanas (de tamboril ou garoupa), cabrito assado, arroz de peixe, bacalhau assado no forno.
- Nome
- Parreirinha de Alfama
- Local
- Lisboa, Lisboa, Beco Espírito Santo, 1
- Telefone
- 218868209
- Horarios
- Todos os dias das 20:00 às 01:00
- Website
- http://parreirinhaalfama.pai.pt
- Preço
- 45€
- Cozinha
- Portuguesa
- Espaço para fumadores
- Não