Fugas - restaurantes e bares

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Bem-querer e com vontade de voltar

Por José Augusto Moreira ,

Na capital do Minho, a cozinha tradicional continua a ditar as suas leis e a ser feita “à moda de Braga”. Receitas centenárias confeccionadas com critério, rigor e também muito orgulho, como é o caso das típicas papas de sarrabulho com rojões e o bacalhau à Narcisa.

A par da monumentalidade histórica, Braga é hoje uma cidade viva e palpitante e onde a dinâmica que anima o seu centro histórico merece ser realçada. É comum dizer-se que tem a mais alargada zona pedonal do país e que o conjunto das suas ruas e ruelas, pejadas de comércio e actividade, constitui também um atractivo centro comercial. Ao ar livre e com uma invulgar e cativante dinâmica, onde história e tradição se cruzam com modernidade e cosmopolitismo em contexto deveras convidativo.

Estamos na cidade da porta aberta, como é também conhecida por a dita nunca ter sido instalada naquela que ficaria como a mais famosa entrada da urbe na sequência da revolução urbanística levada a cabo há cinco séculos pelo bispo D. Diogo de Sousa. A Porta Nova, que rasgava os muros do burgo romano e medieval para poente, viria no século seguinte a ser coroada com o monumental arco de granito que é hoje o emblema e símbolo da cidade.

É mesmo em frente que fica o Campo das Hortas, com um não menos monumental e artístico chafariz de pedra, mas também com outros símbolos da tradição de acolhimento de portas abertas que é característica da capital minhota: a restauração farta e forte e com base nos produtos e receitas regionais.

É na fachada sul que encontramos uma série dessas casas de comidas tradicionais e que, umas a seguir às outras, ocupam quase todo o velho casario da praça. Dirigimo-nos, desta vez, ao Restaurante Bem-Me-Quer, casa bem-posta e com evidente preocupação na conjugação dos valores da tradição com as mais modernas exigências de apresentação e serviço.

A função vem já desde meados do século passado, quando “no ano de 1953 nasce a Pensão Casa de Pasto Bem-Me-Quer pela mão de Joaquina Maria Soares Gomes”, como informa o texto de apresentação do estabelecimento.

O restaurante ocupa actualmente o piso de entrada e o primeiro andar do pequeno edifício, com dois espaços complementares e acolhedores. Mais intimista e ao estilo de salão de família o do piso superior, com decoração e mobiliário de época; mais dinâmico e movimentado o espaço de entrada, onde fica também a cozinha e o balcão de serviço. Mesas espaçadas, toalhas e guardanapos de algodão, baixela cuidada e com o evidente propósito de introduzir alguma discreta modernidade em contexto de tradição.

Tradicional e de temporada

A carta é um repositório de pratos tradicionais e de temporada, com destaque para as papas de sarrabulho e o bacalhau “à moda de Braga”, com não poderia deixar de ser. Com o pão, em fatias de duas qualidades, veio à mesa também um prato com rodelas de chouriça, paio, salame e fatias grossas de presunto seco e falho de gordura, ao estilo regional. Tudo resfriado e pouco apelativo, a denunciar a prévia estadia em ambiente frigorífico. Logo se aqueceram os ânimos com os solicitados bolinhos de bacalhau (6€), que vieram na companhia de pequeninos rissóis de camarão, croquetes de vitela e chamuças. Fritos na hora e tudo muito bem executado, com destaque para o rigor na receita dos bolinhos, incluindo o gostinho a pimenta que nem sempre aparece.

Oferecia-se lampreia, em arroz ou à bordalesa, arroz de polvo com filetes do mesmo, pescada à moda da casa, meia desfeita e sável do rio Minho (doses entre 14 e 15€), mas optou-se pelo polvo grelhado (15€) e o tal bacalhau à Bem-Me-Quer (17€). Saboroso e afinado nos sabores o polvo, acompanhado com rodelas de batata, cenoura e metades de ovo cozido e grelos salteados. Conjunto ainda afinado com alho picado e azeite, cujo apuro e acerto deixa a ideia de ter passado pelo forno antes de vir à mesa.

O bacalhau deriva da celebrizada receita do restaurante Narcisa, agora replicada por todo o país, normalmente com a designação “à Braga”. Mas é claro que não há nada como o original e em pouco locais será servido com o mesmo cuidado e esmero com que o fazem na cidade dos arcebispos. No caso do Bem-Me-Quer, trata-se mesmo de uma receita que foi premiada já por diversas vezes.

A posta, de lombos altos, começa por ser rapidamente alourada em azeite na frigideira, praticamente só para ganhar cor. E o mesmo se passa com as rodelas de batata. No mesmo azeite, é salteada a cebola, com alho picado, e todo o molho é depois derramado sobre o bacalhau e batatas na assadeira, que vai ao forno para acabar de cozinhar. Fofo e carnudo, o bacalhau desmonta-se em lascas uniformes e impregnadas de gelatina e sabor que inundam o palato.

Notável a uniformidade nos sabores e consistência, tanto nas partes altas como nas mais finas da posta, que se envolvem com o amido que persiste na batata e a leve doçura da cebola caramelizada. Uma espécie de prazerosa sinfonia, no nosso caso pontualmente interrompida por sobressaltos ácidos dos pickles com que o bacalhau é polvilhado antes de vir à messa. Percebe-se o propósito de fornecer ao prato alguma frescura, mas que se nos afigura contraproducente. A persistir na prática, o melhor seria mesmo perguntar se é do gosto do cliente, ou então servir em separado.

Receita centenária é a das papas de sarrabulho à moda de Braga (20€), que por aqui são engrossadas com pão para comer com garfo e como prato de resistência. Servem-se com os rojões, bucho e tripas enfarinhadas como manda o mais rigoroso receituário tradicional. Aromatizadas com cominhos, textura e sabores afinados e a denotar a mão certeira e a competência culinária.

Grande apuro também com o cabrito assado no forno (17€), tanto na cozinha como na escolha do produto. Animal do leite, com as costelinhas gordurosas a desfazem-se na boca e a pedir para serem debulhadas e saboreadas à mão. Arroz do forno, batatinha assada e grelos tenros e gordurosos, a mostrar que a cozinha tradicional e o seu centenário receituário continuam a ditar as leis na restauração minhota.

Assim é também com a doçaria. No Bem-Me-Quer faz-se gala de confeccionar um pudim com a receita do abade de Priscos que tem sido reconhecido como vencedor em várias edições do respectivo concurso. A não perder também a sopa dourada (4,50€) com que no deliciámos no final da refeição. Pão-de-ló, doce de ovos e amêndoa em perfeito casamento com gelado de baunilha.

Oferta criteriosa e receituário centenário, com comidas fartas e fortes que pedem vinhos a condizer. Carta alargada a todas as regiões, com opções sensatas e sem cair no vício dos vinhos de preço exibicionista. A permitir mesmo algumas escolhas bem interessantes e fora do mainstream, como foi o caso dos excelentes Quinta de Arcossó Branco 2012 (14€) e o tinto Cem Reis Reserva Syrah (24€), também de 1012, que acompanharam (e valorizaram) um repasto cheio de exigência. Louve-se a proposta alargada de vinhos da região, incluindo seis espumantes da região dos Vinhos Verdes. Reparo para a ausência de qualquer espumante da Bairrada, ainda por cima com o lapso de a lista propor três de outra região com a indicação de serem bairradinos.

Com serviço dedicado e atencioso e uma oferta que prima por respeitar e valorizar a mais rica e valiosa tradição culinária regional, bem se pode dizer que este Bem-Me-Quer encarna a melhor tradição de bem receber da cidade. É justo que lhe fiquem a querer bem e com vontade de voltar.

Nome
Bem-Me-Quer
Local
Braga, Maximinos, Campo das Hortas, 5/6
Telefone
253262095
Horarios
Segunda-feira, Terça-feira, Quarta-feira, Sexta-feira e Sábado das 12:00 às 00:00
e Domingo das 12:00 às 15:00
Website
http://www.restbemmequer.com/
Preço
25€
Cozinha
Minhota
Espaço para fumadores
Sim
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