Fugas - restaurantes e bares

A noite volta a ser Hot

Por Luís J. Santos (texto), Ricardo Rezende (vídeo), Nuno Ferreira Santos (fotos) ,

Um incêndio levou a cave do Hot e fechou o velho clube lisboeta por dois anos. Em 2012, reabriu em nova casa, a dois passos da anterior. Mudaram-se as paredes, mas não mudou o espírito: entre música e copos, as noites seguem quentes na catedral do jazz da Praça da Alegria.

Sexta à noite. O novo Hot vai-se compondo. Entre dois copos, a banda sonora faz-se de uma jam session das vozes de jovens e velhos clientes, alguns a conhecer o espaço pela primeira vez. As luzes reduzem-se, em palco entram os músicos, faz-se um silêncio expectante e respeitoso. É noite de conhecer a voz de Elisa Rodrigues, os seus músicos e o seu disco de estreia, Heart Mouth Dialogues. Os intérpretes vão conquistando a audiência, que, sapiente, aplaude quando reconhece momentos de maior perícia no piano, na bateria ou no contrabaixo, entre monólogos e diálogos musicais. A sessão faz-se de clássicos como Cry me a river mas também de variações sobre Roxanne dos The Police ou Sonhos de Caetano Veloso cantado a cappella e que merecerá à jovem cantora uma ovação certeira. É mais uma das noites quentes do renascido Hot Clube.

"Esta é uma sala sagrada. Só se toca e ouve jazz. Tudo o que se faz aqui é jazz", diz-nos Inês Cunha, presidente do conselho directivo do Hot Clube de Portugal, enquanto nos guia pelos seus recantos. Pouco mais de dois anos após um incêndio destruir o edifício em que o Hot viveu durante décadas, o jazz voltou a encher a Praça da Alegria, agora em espaço novinho em folha. Em Dezembro, o clube marcou o regresso com três dias de espectáculos e, no final de Janeiro, voltou-se à vida normal, com programação regular. "A reabertura tem sido um sucesso diário. As pessoas tinham saudades", conclui Inês. Afinal, foram dois anos sem sentir as noites quentes do Hot e reviver o seu espírito, célebre a nível mundial tanto pelo facto de ser um dos mais antigos clubes de jazz da Europa - em actividade desde 1948, sendo "o que se mantém a funcionar ininterruptamente há mais anos" -, como pela marca do seu fundador, Luiz Villas-Boas, e a lista de celebridades que acolheu ao longo das décadas: de Count Basie a Vinicius, de Sarah Vaughan a Dexter Gordon, dos músicos de Quincy Jones a Pat Metheny. Renascido das cinzas, esta fénix do jazz mostra-se agora preparada para um futuro repleto de acontecimentos. "Estamos a fervilhar de ideias", garante Inês Cunha.

A casa ainda cheira a nova e não tem, claro, a patine da velha cave "Mas a alma do outro espaço conseguiu transferir-se para aqui." Passado um pequeno corredor, entra-se directamente para a sala onde (quase) tudo acontece, um espaço aberto em que o ponto central é, claro, o palco. Aqui, brilha um piano "novinho em folha" ("o outro estragou-se definitivamente"), o contrabaixo e a bateria (que levaram um "arranjo grande") - e cintila também um novo sistema de som. Outros instrumentos se lhe vão juntando. A orquestra fica completa com o público, que tem o centro da sala artilhado com mesinhas, cadeiras e banquinhos (revestidos a cortiça, assinale-se). E ao seu dispor, um bar de apoio. Inês apressa-se a sublinhar que "este é um sítio onde se faz e ouve música e que tem um bar". "Não o contrário. Aqui, a música é o que importa." Quem aqui vem, pode aliar uma noite de copos com a música mas, já se sabe, essencial é mesmo a criação artística. A agenda fulcral é simples: concertos marcantes de quinta a sábado (em geral em dois momentos, 23h e 00h30) e jazz contínuo em diferentes variações nos outros dias.

Não se espere é o ambiente de fumo jazz, essa imagética dos clubes que o cinema ou a fotografia imortalizaram - há algum tempo que não se fumava no velho Hot e no novo fuma-se ao ar livre. Até porque a sala tem um pátio-jardim que promete ser um complemento ideal para épocas mais quentes e onde, aliás, se espera que haja muita acção nos próximos tempos. Outras grandes inovações do novo Hot estão mais escondidas do público: o espaço de camarim - uma "benesse" para os músicos, que antes não existia - e uma sala, num piso superior, apta para conferências e outros eventos.

O espaço, ligeiramente maior do que o antigo e integralmente em tons neutros ou escuros, nasceu num edifício devoluto, pertença da autarquia. "Quando foi o incêndio ficámos um pouco perdidos, sem saber o que ia acontecer", lembra Inês. "O apoio da câmara foi impecável", realça. A direcção do clube, que é uma associação sem fins lucrativos, sugeriu esta localização, até porque não lhes passava pela cabeça sair da Praça da Alegria.

Com um projecto assinado pelo atelier Aires Mateus (dos arquitectos Manuel e Francisco Aires Mateus), renasceu o clube, pela primeira vez num espaço desenhado de raiz para o acolher. Ainda assim, o projecto cria pontes para a imagem da antiga casa, caso, por exemplo, do muro que acompanha a sala: também havia um murete no outro espaço, que delimitava igualmente a zona de sentados com a área de passagem (e que serve igualmente para encostar e ficar em pé a assistir à música). 

Pelas paredes, mantêm-se as memórias - algumas sobreviventes do incêndio: sorri Miles Davis, Armstrong recebe-nos ao lado de Villas-Boas, admiram-se os cartazes dos grandes e históricos festivais de jazz, mostram-se as fotografias (as mesmas da casa antiga) captadas no clube ao longo de décadas. É um longo passado que nos contempla. Mas também um promissor futuro. O Hot vive uma época de abertura a novos amantes do jazz e quer mais e mais sócios - para tal, oferece uma nova vantagem: quem se associar, pode assistir gratuitamente a todos os concertos. Graças às condições do novo espaço, há também outra novidade: a presença mensal da Big Band, a orquestra de jazz do Hot (na última quarta de cada mês). Em plano ainda, masterclasses, ciclos de tertúlias e conferências, nomeadamente sobre o trabalho que está a ser feito no núcleo museológico do clube, com pessoas que estiveram no início e que poderão participar em mesas-redondas e trocar histórias. Mesmo os mais pequenos poderão redescobrir a música com concertos especiais - até porque a escola do Hot tem agora ateliers de iniciação ao jazz para crianças.

E, venham os calores, poder-se-á redescobrir a cereja no bolo do Hot século XXI, a versão ar livre: o pátio-jardim irá tornar-se cenário de concertos (incluindo, lá mais para o Verão, nos finais de tarde) ou de ciclos de cinema de jazz.


Próximos concertos
18/02: noite de peso com o Mário Laginha Trio (Mário Laginha ao piano, Bernardo Moreira no contrabaixo, Alexandre Frazão na bateria).
Na próxima quinta, sexta e sábado, é dia de Nuno Costa e do lançamento do disco "All Must Go" (com João Moreira, Nuno Costa, Óscar Graça, Demian Cabaud, André S. Machado).
Em Março, de 1 a 3, "L.A. New Mainstream" com Lars Arens, Desidério Lázaro, André Santos, Daniel Bernardes, António Quintino, Joel Silva.
No dia 8 de Março, Ben Van Gelder Project (com Ben V. Gelder, Sam Harris, Rick Rosato, Craig Weinrib).  


Sócio não paga
Para celebrar o regresso e aumentar a família, o HCP tem em vigor uma campanha de angariação de sócios: quem se associar (pagando inicialmente uma jóia de 25€ e três mensalidades de 7,5€ cada), tem direito a entrada grátis no clube, todos os dias (excepto casos pontuais). Os sócios podem também reservar salas na Escola Luiz Villas-Boas, a escola de jazz do Hot, para estudo ou ensaios, assistir gratuitamente a masterclasses e, entre outras potenciais benesses, têm direito a 5% desconto na compra de discos na loja Trem Azul.

Nome
Hot Clube de Portugal
Local
Lisboa, São José, Praça da Alegria, 48
Telefone
213619740
Horarios
Terça a Sábado das 22:00 às 02:00
Website
http://www.hcp.pt
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