Fugas - restaurantes e bares

João Gaspar

Cais do Sodré não é

Por Luís J. Santos ,

É oficial. O Cais do Sodré tal como o afamamos está moribundo, viva o Cais do Sodré! O fado agora é outro, é um fado do novo Sodré, é a revolução séc. XXI pronta a tomar a rua e redondezas, enquanto ainda se mantém certas tradições e clássicos. Agora, preparem-se para o Bar do Cais, acabadinho de chegar para iluminar mais um trecho da zona. Espaçoso, arejado, minimal, um trabalho em construção e fruto de dedicação.
Cais do Sodré não é

O Cais do Sodré não é só bares de prostitutas, cantava Rodrigo no mais simbólico hino desta zona vermelha alfacinha. Pois não. E cada vez é menos, que o Cais do Sodré também é gente a entrar em cada vez mais vívidos e variados bares e discos que já pouco devem à história local, muito menos aos baptismos por geografia marinheira.

É o caso do novel Bar do Cais, que se quer tornar um oásis, tendo feito casa sua o antigo, revisto e aumentado, espaço da antiga disco Shangri-La. Abriu devagarinho há dois meses - "para nos irmos adaptando e percebendo o sítio e as pessoas" -, conta Carla Espiridião que, com o sócio Pedro Braga, repetem uma parceria de dois anos na gestão de outro bar, este até mais marítimo.

É que Pedro e Carla parecem gostar mesmo de estar ao pé da água, embora tenham trocado a salgada pela doce: antes, geriram um bar de praia na Ribeira d''Ilhas, Ericeira, ambiente surf e relax estival (todo o ano claro). Decididos a regressar a Lisboa, onde aliás cresceram, foram batendo as zonas nocturnas e anulando áreas. Diga-se, aliás, que do Bairro Alto desistiram logo, não é sito onde Carla gostasse de passar a noite: "Não senti segurança", "há demasiadas multidões pelas ruas", resume (em contraponto com o Cais, onde a presença de seguranças à noite dá mais garantias...). E com o mar a chamar foram descendo até perto do rio.

O momento de reinvenção e renovação do Cais do Sodré entusiasmou-os, encontraram o sítio certo (a lendária Shangri-La, que outrora chegou a ter noites culturais à séria, ainda para mais com uma loja ao lado também perfeita para abrir mais espaço), com boa vizinhança (está logo ali a poucos metros o MusicBox ou o Jamaica), que aliás já tinham frequentado noutros tempos - "ainda me lembro de, mais nova, acabar muitas noites pelo velho Jamaica", diz Carla.

Porém, é entrar no bar simplesmente dito do Cais, e logo se vê que não há registos do velho e acanhado Sodré. Até porque, se há coisa que não falta por aqui, é espaço. É um grande salão, aberto e arejado, dividido em duas áreas comuns: abre-se logo à nossa frente uma imensa pista livre de obstáculos e, à direita, o longo balcão de bar com uma região mais em jeito lounge, tudo abençoado pombalinamente por fortalecidos tectos em arco.

É tudo muito minimal, um espaço quase nu, com luzes suaves, em cinza cru e metálico, apontamentos de brancos e negros (e um toque rosa choque, particularmente na área das casas de banho das senhoras), sem pretensões decorativas e, definitivamente, sem excessos; apenas nos recantos uns confortáveis sofás e umas mesas baixas. Pelas paredes, alguns quadros, curiosamente de arte aborígene - mas é possível que as paredes venham a acolher mais obras de arte, até em exposições temporárias.

O espaço em si também deverá servir para cenário de diversos eventos, até pequenos concertos, visto estar já tecnologicamente artilhado para tal. Mas não nos ficamos por aqui: "é um bar em construção", adianta Carla. É que, em sobreloja, há mais espaço - que visitamos, mas não está aberto ao público -, a aguardar o desenvolvimento do projecto: uma bela área onde poderá nascer um lounge, conforto chill-out como não há outro por aqui, com janelões para a rua e estruturas em pedra. Por agora, a festa faz-se cá em baixo: é um sítio calmo e simpático para os primeiros copos da noite ou logo após o jantar - já que, como é tradição pelo Cais, só lá por passadas as duas da matina é que vem chegando a multidão. Uma tradição que Carla gostaria de ver contrariada, mas ainda não há volta a dar-lhe.

Sublinhe-se, porém, que há uma aposta coerente na programação, com relevo para as variantes de house ou techno minimal, com um cartaz de alguns DJs já reconhecidos dos clubs alfacinhas (já lá passou Jiggy e continua a passar Magillian - que volta no próximo sábado -, ou DJs da agência Rooster como Photonz ou Rockets). Para breve, e haja permissão, procurarão até deixar a pista desenvolver-se mais, apostando no prolongamento do horário (agora até 4h00, depois até 6h00) e mesmo em algumas sessões de after-hours.

Para Carla, o bar só tem razão de ser se mantiver a sua "coerência", portanto há selecção à porta, assim como em simultâneo se quer manter o ambiente "amigável" e "de proximidade". Inclusive servindo comidinhas, coisa não tão comum em bares similares (para breve, é de esperar sopas, boas tostas e outros petiscos). O menu de bebidas também inclui as suas originalidades: destaquese a presença de champanhe e espumantes (com minigarrafa à disposição), uma bem apetrechada lista de vinhos ou os cocktails apurados (mas por agora só ao fim-de-semana).

Aqui chegados, é de apontar já na agenda esta alternativa no Cais do Sodré, ficando-se desde já de olho no futuro do bar, porque o mais prometedor deste novo ponto de encontro é o que ele pode vir a ser. Agora, é um espaço interessante, que marca a diferença em relação à zona, mas corre o risco de poder vir a ser um caso sério de reinvenção da noite cais-sodrense.

Cais do Sodré na margem de um novo século

As estrelas alinham-se na Rua Nova do Carvalho, cada uma puxando as suas medalhas e, segundo Carla, todas "receberam muito bem" o novo bar. Respeite-se a idade: o Jamaica, à beira dos 40 anos (!) sofre o impacto mas continua de culto e com noites quentes.

Ao lado, o simpático Tokyo em jeito club dos 80s, o Europa, em cenário cabaré e especialização em after-hours, e o MusicBox, estrela com alma rock mas pernas para todos os ritmos, uma caixinha que cortou a hegemonia do geobaptismo tradicional da região e trouxe sangue novo e uma profusão de festas e concertos - coisas da cultura, digamos.

Antes ainda, há o gótico Transmission e depois (já na R. de São Paulo, 8) o ainda tradicional Copenhagen, que porém começou a abrir as suas portas e ambiente espelhado a noites temáticas, after-hours e festas trash ou rockabilly. No passeio "vermelho", restam ainda casas à antiga (e pelo meio a Casa Conveniente, gerida por Mónica Calle, com teatro sempre conveniente,). E há democracia: as gentes misturam-se, que a realidade pode ser maior que os filmes.

Mais para as beiras, destaquem-se outras atracções próximas e noutros registos: Stephen''s Cru Bar na fronteira espírito Chiado (pertence ao restaurante Alecrim às Flores e fica no Largo dos Stephens), os sólidos irlandeses Hennessy''s (Rua Cais do Sodré, 32- 38) e O`Gillins (R. Remolares, 8) ou o Bar Americano (R. Bernardino Costa, 35) quase em frente do clássico e obrigatório British Bar. É um Cais do Sodré algures entre o fado homónimo de Rodrigo (onde bebemos inspiração, como se nota) e o som de uma banda menos conhecida que homenageia a zona e cujo nome já diz mais sobre os novos tempos: Cais do Sodré Funk Connection.

(Abril 2010)

Nome
Bar do Cais
Local
Lisboa, Lisboa, R. Nova do Carvalho, 47
Telefone
914997073
Horarios
Terça a Sábado das 22:00 às 04:00
Website
http://bardocais.com
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