Fugas - restaurantes e bares

  • Ana Ramalho/Arquivo
  • Ana Ramalho/Arquivo
  • Ana Ramalho/Arquivo

Bocca com boa cozinha e ambiente recomendável

Por David Lopes Ramos ,

Faz parte de uma nova constelação de restaurantes em Lisboa. E tem argumentos de sobra que o tornam um sítio a visitar. A cozinha navega nas águas da memória e da contemporaneidade e tem uma boa carta de vinhos.

A crise económica (mau começo...) que ameaça eternizar-se, e de que se ouve falar muito nos restaurantes, pois há cada vez mais proprietários a queixar-se da escassez da clientela, revela no sector sinais contraditórios. Se é verdade que há restaurantes que, mal abrem, já estão a fechar, havendo ainda um ou outro caso de casas conhecidas a encerrar a actividade, tenho a sensação, e restrinjo a minha observação ao caso de Lisboa, de que nunca abriram tantos restaurantes como nos últimos dois/três anos.

Os japoneses arriscam-se a transformar-se em praga, pois há chineses a mudar de ramo; mas os indianos e nepaleses também lhe dão um jeito. Bem como italianos. E até os franceses, que andaram desaparecidos do panorama restaurativo da cidade-capital, estão de volta. Não com a pretensão anterior da "alta cozinha", mas com a informalidade saborosa dos "bistrots" e "brasseries". E não ignoro os adeptos da chamada "cozinha de fusão", um híbrido às vezes difícil de caracterizar, que também fazem parte do panorama.

Ser prior de uma freguesia destas não é tarefa fácil. Ainda mais, como é o meu caso, se não se corre atrás da novidade pela novidade e se tem como regra aguardar pelo menos uma meia dúzia de meses para verificar se o novo restaurante tem pés para andar. E mesmo assim... Quer dizer, esta semana temos novidade, restaurante novo, o Bocca, que de si próprio diz ser "um espaço sofisticado, cosmopolita e informal". Tudo verdade, sendo que a decoração tem assinatura, a da arquitecta Sílvia Reina Costa. Cores claras, boa iluminação, mesas de boa dimensão, ao jantar bem atoalhadas de branco, ao almoço ambiente mais aligeirado pelos "chemins" acastanhados. Copos sempre à altura das circunstâncias de um restaurante que valoriza os vinhos como elemento essencial de uma refeição de alta qualidade. Só os talhares me parecem sem graça, com destaque para as facas, modelo bisturi, pouco adequadas à função, se avalio bem.

Mas o serviço de mesa e a cozinha, elementos essenciais, fazem do Bocca um restaurante recomendável. Num almoço e num jantar lá feitos na semana passada correu quase tudo bem. Muito bem, mesmo.

Ao almoço há um menu executivo a 25 euros (entrada, prato, sobremesa, bebidas não incluídas); ao jantar há uma proposta de menu de degustação para a mesa toda a 55 euros (duas entradas, prato de peixe, prato de carne, sobremesa), mais, caso se deseje, um suplemento de 25 euros para vinhos, cada um companhia para o seu prato. O couvert, três euros, inclui cesta de pães (de trigo com azeitonas pretas e com tomate seco e de broa e centeio com nozes) e azeite transmontano, mas os pães deveriam chegar à mesa tépidos.

A ementa do almoço inclui seis entradas (preços entre cinco e nove euros); três sanduíches gourmet (preços entre nove e 12 euros); um "risotto" (15 euros), uma massa a 10 euros (prato vegetariano) e outra massa (12 euros), esta com bacalhau; quatro pratos de peixe (preços entre os 14 e os 19 euros); quatro de carnes e aves (preços entre 16 e 22 euros); cinco sobremesas doces (preços entre cinco em oito euros), mais uma selecção de queijos (12 euros) e ainda uma variedade de sorvetes e de gelados.

Ao jantar, as entradas frias são cinco (preços entre oito e 16 euros); duas entradas quentes (18 e 22 euros); duas massas (15 e 16 euros) e um "risotto" (14 euros); quatro pratos de peixe (preços entre os 19 e os 29 euros); quatro pratos de carnes e aves (preços entre 20 e 33 euros). Nas sobremesas repete-se a oferta do almoço.

A carta é assinada pelo chefe de cozinha Alexandre Silva, cujos cozinhados revelaram segurança técnica, fantasia e criatividade q.b., memória gustativa portuguesa - no bacalhau lascado, no polvo salteado à moda do lagar, nas sardinhas alimadas e no lombinho de porco preto na grelha -, e alguns conhecimentos das cozinhas orientais (tailandesa e japonesa sobretudo) e italiana. Manifestou ainda à vontade no recurso às técnicas de cozedura mais na moda, como a cozedura a baixa temperatura e em vácuo.


A corvina a 65º C

Do conjunto dos pratos experimentados salientou-se um dos peixes do almoço, a "tranche de corvina a 65ºC, tagliatelli de legumes salteados, molho aveludado de peixe e ervas finas" (18 euros). Cozedura sem mácula, fazendo sobressair a frescura e suculência do peixe, que ressumava gelatina/albumina/gordura fundidas, carnadura rosada (que desagradaria aos adeptos do bem cozido), do melhor que alguma vez comi em restaurante. Feliz ainda o acompanhamento (tiras de curgetes e cenouras "al dente") e o suave molho com salsa. O "bacalhau lascado com batatinhas assadas, espinafres e broa de milho crocante" (19 euros), enformado, teria atingido a perfeição com mais um poucochinho de azeite. As duas entradas, "creme de peixes e crustáceos do Atlântico, rebentos de mostarda" (cinco euros) e "cartucho de requeijão com tâmaras em massa de arroz, chutney de manga e redução de balsâmico" (seis euros), estiveram bem. Muito bem as sobremesas: o original "mil folhas de tiramisú de queijo de cabra, sorbet de caipirinha" (oito euros), um gelado que sabe ao doce original; e o crocante "tudo de chocolate com cremoso de creme inglês, gelado de chocolate branco e amêndoa amarga" (seis euros). Os sabores contrastantes e as texturas de vário tipo constituem uma mais-valia das sobremesas.

Bebeu-se um branco civilizado nos seus 12,5% de álcool, muito equilibrado e fresco, citrino, os Ensaios de Filipa Pato 2007, penso que Arinto e Bical, com uma excelente relação prazer/preço, 15 euros. O "amouse-bouche" também merece menção: um tártaro de atum e manga acompanhado por um "shot" de framboesa e coco. Com dois cafés, a adição foram 88,50 euros.

O jantar, para quatro, teve duas entradas menos conseguidas: a "salada de lagosta e manga, gelatina de melancia e hortelã, vinagrete de baunilha" (12 euros), conjunto algo desequilibrado pela acentuação do lado doce dos acompanhamentos, mas, sobretudo, pela falta de qualidade do crustáceo: carne mole, desenxabida, denunciava a sua condição de bicho de águas quentes; não era lagosta da nossa costa; e a "tempura de caranguejo casca mole, espargos bebé salteados com tomate confit e algas frescas, espuma de licor Beirão" (18 euros), neste caso pela fritura deficiente. Os caranguejos apresentaram-se oleosos, um desprazer; salvou-se o acompanhamento, destacando-se as algas com a espessura de aletria, crocantes, deliciosas. Excelentes os "filetes de sardinhas alimadas em fatias de broa, sorbet de salada de tomate e orégãos" (oito euros); fresca e original a "vichyssoise de coco com frutos do mar caramelizados" (nove euros).

Os pratos principais, "polvo salteado à moda do lagar, em cama de batatinha nova e espinafres, com aromas balsâmicos" (19 euros); "filetes de salmonete braseado em cama de raviolis de caldeirada de lingueirão, moluscos salteados à Bulhão Pato" (29 euros); "fatias de lombo charolês com molho de ervas finas e alho, cebolinhas confitadas e batatinhas salteada" (33 euros); e "lombo e costela de borrego "Donald Russel" assados, canellonis de caviar de beringela" (24 euros), brilharam pela correcção, tempero e apuro da confecção, bem como pela qualidade dos ingredientes, sendo, a este propósito, de destacar as carnes.

Das sobremesas, menção para uma que me parece deslocada, pois é um caldo frio salgado: o "gaspacho de morangos e pêssego, morangos marinados em Porto e manjericão" (sete euros); bem bons o "leite creme de rosmaninho com sorbet de citronela" (cinco euros), e os sorvetes de caipirinha e maçã Granny Smith (duas bolas 4,50 euros). Acompanhou, e bem, toda a refeição, o único Sangiovese português, o Anima L5 (45 euros), decantado, servido à temperatura adequada. É um tinto da Herdade de Portocarro, do Torrão, elegante, com boa vocação gastronómica. A carta de vinhos, com dezenas servidos a copo, inclui as novas vedetas do sector e, sobretudo as garrafas, têm preços sensatos. 

O serviço é de bom nível e, no jantar de sexta-feira, com a sala cheia, revelou-se capaz de aguentar a pressão, sem prejudicar a correcção, simpatia e eficiência. Parece que temos restaurante.

Nome
Bocca
Local
Lisboa, Lisboa, Rua Rodrigo da Fonseca, 87D
Telefone
213808383
Horarios
Terça a Sexta das 12:30 às 14:30 e das 19:30 às 23:00
Sábado das 13:00 às 15:00 e das 19:30 às 23:00
Website
http://www.bocca.pt
Preço
45€
Cozinha
Autor
Observações
Encerrado.
Espaço para fumadores
Sim
--%>