Fugas - restaurantes e bares

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Cinco sentidos felizes no Quarenta e 4

Por David Lopes Ramos ,

Matosinhos é das terras portuguesas com mais restaurantes por metro quadrado. Alguns são muito bons. O de Pedro Amaral Nunes e amigos é desses, mas tem um grau de sofisticação que o coloca uns furos acima da concorrência. Um restaurante onde nenhum dos cinco sentidos será assaltado pela tentação do suicídio, com o do paladar à frente.
Fez um ano, no dia 18 de Julho, este restaurante, localizado no extremo Norte da matosinhense Rua Roberto Ivens, uma iniciativa de Pedro Amaral Nunes, o senhor do famoso S. Gião, de Moreira de Cónegos, e amigos. Não escondo, de há muito, o meu entusiasmo pelo talento culinário de Pedro Nunes. O S. Gião é, talvez, o melhor exemplo português de um restaurante que oferece à clientela uma terceira via gastronómica, que faz a síntese entre a vanguarda culinária, que ousa novos caminhos a que só uma minoria adere e entende, e o receituário tradicional, muitas vezes de expressão regional, o qual, se assente numa perspectiva sectária, pode conduzir ao marasmo e à estagnação.

A cozinha de Pedro Amaral Nunes, e isso está à vista no Quarenta e 4, exalta o produto, pois vive muito do mercado diário, o que faz com que as ementas não se repitam, mas revela-se igualmente conhecedora das técnicas novas, dando espaço e liberdade à imaginação e criatividade de quem a elabora.

No Quarenta e 4 tem que se começar pelo espaço, que, antes de ser restaurante, foi um armazém grande. Agora, é uma casa de comer de 100 lugares, com um pé direito altíssimo, o que permite a existência de uma espécie de primeiro balcão, ou "mezzanine", espaço de fumadores, pois a casa acarinha a presença dos apreciadores dos melhores charutos.

A sala do rés-do-chão, decorada e iluminada, como todo o espaço, com um bom gosto superlativo e discreto, abre com uma zona de bar, com comprido balcão, onde se pode beber (há carta própria) e comer em grande estilo ou uma refeição ligeira, seguindo-se o espaço das refeições. As mesas, grandes e muito bem atoalhadas, guardam distância umas das outras, os cadeirões são confortáveis e almofadados, os talheres são de alpaca, os copos dos melhores. Matosinhos tem muita sorte, pois o Quarenta e 4 é um dos restaurantes mais bem postos de todos os que conheço no nosso país. E não me esqueço que não tem janelas rasgadas para paisagens de sonho ou panoramas deslumbrantes. Apesar da dimensão, quem projectou e decorou o Quarenta e 4 foi capaz de construir um ambiente intimista e caloroso. Quer dizer, o melhor ambiente para uma refeição memorável.

E foi isso mesmo o que se passou no almoço do dia 11 de Julho, uma sexta-feira. Éramos três e, da ementa do dia - 11 entradas, quatro mariscos, uma sopa, duas saladas, três pratos com ovos, dois risotos, duas massas, 11 pratos de peixe, 12 pratos de carne, seis sobremesas doces, frutas frescas, quatro gelados e dois queijos - escolhemos, como entradas, o ""carpaccio" de boi com emulsão de cerejas e citrinos" (9 euros); a "terrina de "foie gras" com redução de vinho do Porto" (13,50 euros); os "croquetes de carne com mostarda de Dijon" (6 euros); e os "ovos mexidos com espargos, míscaros e gambas" (8 euros). Uma nota prévia para elogiar a qualidade dos diferentes pães do "couvert" (2,25 euros), que se podem molhar em bom azeite, que eu gostaria que não viesse com vinagre balsâmico.

Depois, saudemos a qualidade de todas as entradas experimentadas, com destaque para a companhia das cerejas e dos citrinos, que acentuam, por um lado, a cor escarlate da carne fatiada finíssima e lhe acrescentam aromas e sabores frescos; e a suculência e sapidez dos ovos mexidos e companhia. Quanto ao "foie gras" em terrina, não estava menos do que perfeito. E até os burguesíssimos, e tão desprezados e maltratados, croquetes de carne, de invólucro bem frito e interior untuoso e de tempero apurado, avivaram memórias dos inesquecíveis croquetes de dona Aurora, que gostava de lhes perfumar o recheio com um golpe de vinho do Porto tawny de qualidade.

Os pratos de resistência eleitos foram o "Napoleon" de bacalhau (15 euros), que entra, pela porta grande, no infindável rol de pratos portugueses do gadídeo. A múmia seca e salgada demolhada, muito desfiada, tem ar de ser refogada com cebola, pois fica com um sabor parecido ao do à Brás. Depois, surge muito bem casada com espinafres cozidos, tomate fresco sem peles nem grainhas, molho branco, conjunto encimado por umas gambas descascadas das melhores e gratinado no ponto. O prato voltou para a cozinha limpíssimo.

O mesmo sucedeu a um aparentemente mais banal "peixe galo grelhado com arroz de gambas" (19 euros). O alfaquique era dos grandes, daí a altura da posta, servida sem espinhas, chorumosa devido ao tempo justo do auto-de-fé, com um arroz, servido à parte em tachinho de cobre, apenas húmido e cujos grãos poderiam ter sido comidos um a um. Finalmente, o "lombelo grelhado com arroz de sarrabulho" (16,50 euros). Carne de porco rosada, bem temperada mas com sabor próprio e um opíparo arroz de sarrabulho, servido também em tachinho de cobre, com todos os seus pertences: carnes desfiadas de aves e reco, sangue do bicho e especiarias, excelente realização culinária.

Foi-se acompanhando a refeição com um branco encantador e cheio de carácter, As Sortes de 2006 (35 euros), um Godello de Valdeorras, Galiza, da autoria de Rafael Palácios, o mais novo de uma família de criadores de vitivinicultores da Rioja, cujo elemento mais destacado é Álvaro Palácios, um dos mais famosos autores de vinhos no Priorato, Catalunha. E um tinto, talvez a melhor relação qualidade/preço do Douro contemporâneo, o Prazo de Roriz (18,20 euros), não anotei se de 2004 ou 2005. Era muito bom, isso posso assegurar. A carta de vinhos está muito bem, quer quanto à quantidade, quer quanto à qualidade da selecção. Há também uma carta de águas, valha-nos Deus e os santos, muitas delas caras como tudo, não por elas, mas pelas embalagens.

As sobremesas doces, para que são sugeridos vinhos colheitas tardias, Moscatel do Douro, Porto Tawny, Madeira a champanhe rosé, foram as imperdíveis canilhas recheadas com leite creme (5 euros), o extraordinário, gordo e doce Pudim de Abade de Priscos (5 euros) e a refrescante delícia de baunilha com molho de champanhe e framboesas (6,50 euros).

O serviço, orientado pelo conhecido escanção Jorge Bita, está a cargo de uma equipa jovem, que revelou segurança, simpatia e saber, quando se tratou de descrever a composição dos pratos e servir os vinhos. Bita, que tem alguma tendência para as frases feitas e o discurso estereotipado, pareceu-me em boa forma. Mas deve vigiar a sua queda para o ditirambo. Cabe aos clientes a tarefa de classificar como "maravilhoso", "delicioso", "perfeito", se for caso disso, o restaurante, a comida e o serviço.

Testemunhei algumas manifestações de reserva sobre o Quarenta e 4. Não as confirmo. Também não faço comparações com o S. Gião. Mas penso que esta casa de comida matosinhense de Pedro Amaral Nunes já é, ao fim de um ano, um grande restaurante português.

Menus de almoço
A entrada da dietética nos domínios da gastronomia e a ditadura das dietas em nome de um conceito estereotipado de elegância têm posto à prova a imaginação dos chefes de cozinha e dos proprietários dos restaurantes. O panorama agrava-se, e muito, sempre que chega o Verão, sobretudo para os que gostam de expor o corpo às inclemências do Sol. O Quarenta e 4 também responde a tal realidade.

Assim, ao almoço, de segunda a sexta-feira, há a possibilidade de, por 23 euros, fazer uma refeição com o seguinte alinhamento: "Uns acepipes, um prato de peixe ou de carne, uma sobremesa, um copo de vinho branco ou de tinto e um café", de um conjunto de propostas devidamente assinaladas na carta do dia.

Especialmente para os meses de Verão foi criado um "menu light" para o almoço, a 16 euros, com uma entrada (queijo gratinado com salada verde, ou pequenas lâminas de salmão, ou lascas de peito de frango com molho "violet" e salada ou ostra com esferas de "foie gras" com molho de soja e uvas frescas); um prato principal (salada fresca com pata negra e queijo do dia, ou massa com molho "alioli" e manjericão, ou filetes de peixe fresco com beringelas e salada gourmet, ou filete de pintada com molho, uvas passas e basmático, ou timbalo de cenoura com roast beef); uma sobremesa (quadrado de chocolate com morangos frescos ou ananás fresco); um copo de vinho branco ou tinto; e café.

Nome
Quarenta e 4
Local
Matosinhos, Matosinhos, Rua Roberto Ivens, 44
Telefone
229363706
Horarios
Segunda a Sábado das 20:00 às 01:00
Website
http://www.quarentae4.com
Preço
35€
Cozinha
Mediterrânica
Espaço para fumadores
Sim
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