É sempre um encanto encontrar um restaurante de aspecto cuidado e arrumado, mesmo que modesto e despretensioso no seu conceito. É essa primeira impressão de agrado que logo cativa quando chegamos à Casa Ideal, um espaço simples e essencialmente vocacionado para os peixes frescos que está como que escondido há várias décadas numa das pequenas ruas da Trafaria.
Em terra de pescadores e onde a principal avenida dá pelo nome de Bulhão Pato, é claro que a restauração marinheira sempre por aqui teve um peso considerável, mas salta à vista que os tempos também já não são o que eram. Ficaram célebres as copiosas caldeiradas e as amêijoas, que são da apanha dos pescadores locais e cozinhadas segundo a receita atribuída ao poeta-gastrónomo que assim entrou na toponímica local mas que José Quitério desconfia nem ter sido sequer o responsável pela receita.
Talvez o nome resulte da homenagem de algum cozinheiro ao poeta que ficou mais conhecido pelos prazeres da boca que pelas letras, já que não existe qualquer escrito ou evidência que demonstre que a famosa receita foi criada por Bulhão Pato, como aprofundadamente expõe aquele reconhecido crítico no livro Escritores à Mesa (e outros artistas).
Também na Casa Ideal se praticam as amêijoas à Bulhão Pato (12€), que o funcionário vivamente recomendou mas que foram preteridas em favor dos camarões fritos (11,50€) como opção entradeira. Agradaram pela frescura, textura e um ajustado molho de picante vivo e fresco, que explicaram ser de confecção caseira. Confirmava-se a boa impressão inicial.
A lista é basicamente constituída pelos “assados no carvão”, com o rol de peixes frescos onde se incluíam variedades como as sardinhas (7,50€), peixe espada (9,50€), dourada (9,50€), linguado (12,50€), choquinhos — com e sem tinta — (10,50€), garoupa (kg/39,50€), robalo (kg/30€) ou sargo (kg/30€). Ainda do calor das brasas, havia também bacalhau assado (11,50€) e polvo à lagareiro (11,50€), a que se juntavam a açorda de gambas (11,50€), a garoupa em arroz ou no tacho (27,50/30€ em dose dupla), filetes de tamboril e de polvo (12,50/11,50€), raia, enguias ou choco frito (9/11,50/9€).
É claro que há também os obrigatórios bifes, febras e costelas de porco na brasa, ou ainda carne de porco à alentejana ou rojões à transmontana (de 8 a 13,50€) para os que não dispensam os sabores cárnicos.
Pediram-se os chocos, com e sem tinta, que mostraram cuidado e competência na exposição ao calor e se envolviam no dente com suculência e aromas de frescura. Batata cozida, cebola e coentros grosseiramente picados e um fresco e aromático azeite de Trás-os-Montes a compor o manto de sabores. Já as fatias do queijinho de Nisa, que de início tinham sido colocadas na mesa, tinham chamado a atenção pela qualidade, mas o azeite veio comprovar que, para lá dos encantos visuais, nesta casa também não se brinca no que toca à escolha dos produtos.
Seguiram-se os filetes de tamboril, envoltos em polme dourado e sem resquícios de gordura, crocantes e numa fritura exemplar que deixa as carnes firmes e suculentas. É claro que isto só é possível com peixe fresco e imaculado, mas é também uma evidência o cuidado e carinho com que tudo é manuseado na cozinha. Também complementados com especiosa açorda, os filetes de polvo mostraram-se igualmente de fritura e textura exemplares.
Para fechar com chave de ouro, um sargo de boa envergadura (900g) e tratado ao calor como mandam os melhores cânones. Com toda a suculência, presença de aromas e sabores e textura delicada com as partes mais interiores ainda coladas à espinha e ensanguentadas. Uma delícia a condizer com o vinho escolhido. O branco Muros de Melgaço 2013 da casta Alvarinho, que Anselmo Mendes cuida com a mesma mestria e carinho para nos ajudar a que os peixes das nossas costas nos saibam ainda melhor.
Já falámos do ambiente cuidado e arrumado desta Casa Ideal, que, sendo um restaurante modesto, se mostra exemplar naquilo que serve e na forma como cuida dos seus clientes. Há uma sala principal, de tectos altos e portas abertas à rua, que acolhe umas trinta pessoas, e mais uma salinha interior que pode albergar ainda mais duas dezenas. Acresce, em tempo de Verão, a pequena esplanada montada num arruamento lateral.
Ao estilo das clássicas cozinhas dos velhos casarões, as paredes são revestidas com azulejos brancos na parte inferior enquanto por cima foram colocados objectos e imagens de outros tempos, compondo um ambiente genuinamente vintage, como as modas tentam agora imitar.
Original e genuína é também a simpatia e eficiência do serviço, a que se junta a cortesia e encanto dos proprietários. José Veiga, que adquiriu a casa à antiga patroa há já quase 40 anos, não se esquece dos tempos em que viajou menino de Trás-os-Montes para Lisboa e pelo trabalho se fez homem. Foi na Severa, a famosa casa de fados cuja selecta clientela tinha então por hábito rumar até à Trafaria para se banquetear com peixe fresco.
Era o tempo dos restaurantes cheios, quando a clientela cruzava o Tejo para devorar amêijoas e caldeiradas, mas as enchentes são agora bem escassas e teme-se até que com a estratégia de contenção na Transtejo passe também a ser cada vez mais difícil a travessia com o propósito de uma refeição.
Ao jantar, pelo menos, essa é já uma impossibilidade, por força das recentes alterações de horário que fazem com que o último barco de regresso a Belém saia por volta das 21h. Em prejuízo da restauração da Trafaria, mas que é sobretudo uma perda para os potenciais clientes, que não podem saborear peixes frescos cozinhados com cuidado e carinho e de forma tão competente como o fazem na Casa Ideal. Nem sabe o que perde quem deixa de ir à Trafaria. Ainda por cima a preços contidos.
- Nome
- Casa Ideal
- Local
- Almada, Trafaria, Rua Tenente Maia, 22
- Telefone
- 212950898
- Horarios
- Domingo, Segunda-feira, Terça-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 12:00 às 15:30 e das 19:00 às 22:30
- Website
- https://pt-pt.facebook.com/pages/Restaurante-Casa-Ideal/294485243975147
- Preço
- 20€
- Cozinha
- Peixe
