Fugas - restaurantes e bares

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Era um Obama, s.f.f.

Por Luís J. Santos ,

Por cima, moram os donos. Por baixo, acomodam-se os clientes e as visitas. É um bar recém-nascido no r/c de um prédio setecentista alfacinha, pombalino até à medula. Entre as estrelas desta sala de estar, apostada em ser epicentro de tertúlias e de noites relaxantes, está... Obama. Mas apenas em forma de cocktail.

Numa zona de matriz pombalina ficava mesmo bem um bar de matizes pombalinas. Parece lógico, pensaram Vanda Vinhinha e Manuel Penha da Graça, casal morador numa casa senhorial da Rua das Trinas, artéria em território histórico onde confluem as estirpes Lapa, Santos e Madragoa. E assim nasceu, baptizado com nome também ele lógico, a Matiz Pombalina.

Foi em pleno Verão, precisamente a 1 de Agosto, com a cidade tomada pelos turistas, "para ir experimentando devagarinho", explicam. É que o projecto deste bar, que se quer elegante e com tanto de clássico quanto de moderno, não nasceu de um súbito terramoto de intenções, mas de amadurecimento: Manuel e Vanda, que nunca antes se viram metidos nestas coisas dos bares (as suas carreiras estão ligadas às áreas de recursos humanos e seguros), tinham o rés-do-chão do prédio de traça pombalina para onde se mudaram há uma década a pedir uma utilização digna e valorosa.

Desenvolveram o projecto, perceberam que a zona (com afamadas casas de fado e restaurantes) estava mesmo a precisar de um bar charmoso que se prestasse a tertúlias duradouras ("reparei que, dentro deste género de bares, de que gosto muito, só havia os antigos e clássicos e não nasciam novos", sublinha Manuel), convidaram um arquitecto amigo e mãos ao trabalho. Levou três anos de dedicação mas agora têm o seu espaço, um recinto de bem-estar, quase um prolongamento da sua própria sala de estar (literalmente, já que continuam a viver por cima do bar).

Antes ainda de chegar à porta, basta espreitar pelas janelas e recebe-se logo esse ambiente de sala convidativa e de iluminação suave. A entrada é feita directamente para a sala principal, marcada, de um lado, por um brioso balcão de bar de sóbria madeira e, do outro, por uma parede descarnada, onde as marcas originais da estrutura edificada acarretam os traços da História.

Os olhares hão-de acabar por encaminhar-se para um objecto-estrela, um saxofone exposto a um canto - uma alusão aos sons que também se fazem sentir na amena banda sonora mas, acima de tudo, ao grande desejo que Manuel Penha Graça tinha de saber tocá-lo com precisão; enquanto tal não acontece, o instrumento, porém, não é apenas decorativo: "Logo ao segundo ou terceiro dia, um cliente francês perguntou se podia tocá-lo e deu aqui um miniconcerto", conta Vanda.

Ao todo, podemos passear por três salinhas interiores, três divisões distintas que criam, cada uma, o seu próprio ambiente intimista, marcadas pelas suas nuances cromáticas, dos rosas aos vermelhos, do azul ao creme, tudo pontificado pela solidez e desenho clássicos do mobiliário, detalhes artísticos ou espelhos que ampliam as áreas. A maior atracção, porém, e particularmente em noites cálidas, é em branco: é a salinha exterior, um pequeno e claro pátio (onde até os cadeirões e mesas são branquinhos) em que reina um grande painel de azulejos com motivos pombalinos da chancela Viúva Lamego.

Todo o mobiliário, aliás, foi feito por encomenda, entre adaptações de estruturas já existentes e originalidades e combinações várias, tanto de materiais nobres como de cores. É que o bar bebe do espírito de lendários espaços de tertúlia mas recusa ares de "decadence" pseudo-elegante, logo cadeirões, mesas e etc. são e deverão permanecer imaculados - a "patine" há-de cá chegar, mas natural e cuidadosa.

O mesmo cuidado é aplicado na carta, que integra uma vasta selecção de bebidas e petiscos, além de umas duas dezenas de cocktails, incluindo três originais e entre eles o chamativo cocktail-homenagem a Obama. E eis como nos transpomos dos sinais do ilustre marquês e dos seus alicerces setecentistas para a contemporaneidade; um adeus ao poderoso Sebastião de Mello do século XVIII e um olá à homenagem líquida ao mais poderoso dos dirigentes mundiais do século XXI. E a que sabe Obama? A bourbon e Southern Confort imersos em Coca-Cola (estava-se mesmo a ver...). Tal como os restantes, a qualidade dos cocktails estará garantida pelo barman Marco Vieira, com muita experiência de bares, particularmente na hotelaria de topo, que assina a carta de bebidas e promete esmero na arte da confecção e serviço.

Da paixão e vivacidade com que Manuel e Vanda falam depreende-se que buscam erigir um bar que se afirme com uma certa elegância de outros velhos tempos mas sem nostalgias bacocas e sem recusa de traços da modernidade. Ou como os próprios apresentam o bar, na "busca pela perfeita fusão" entre o "clássico e tradicional" e a "difusa matiz de sinais do nosso tempo". Bom exemplo dessa busca de fusão será a existência de alguns ecrãs LCD bem disfarçados em molduras clássicas, quase se confundindo com quadros: "Há sempre um cliente ou outro que, em noites mais calmas ou porque está sozinho, quer ver algo específico, mas por regra estão desligados".

As paredes do bar, aliás, servem sobretudo para expor obras de arte - actualmente há uma exposição duradoura de pintura assinada por Raquel Martins e onde Lisboa é o mote; a pintura, aliás, estará sempre presente, até porque Manuel também pinta (embora de forma amadora e que nem se vê a expor). E é da comunhão de artes de Manuel e Vanda que se fará a personalidade desta Matiz que, dentro do seu estilo, é um clássico em potência. Agora, é tudo uma questão de tempo e matizes.

 

Referência

Sua Excelência, o Obama de Pombal
Os cocktails Obama têm-se espalhado pelo mundo desde o processo eleitoral que conduziu o homenageado à Presidência dos EUA. Agora, por Lisboa, pode provar-se esta versão lusa à Matiz - a receita astuta tem por base bourbon, Southern Confort, Sweet & Sour e Coca-Cola. As outras duas estrelas originais da secção cocktails são o Matiz (café com brandy num copo revestido a chocolate líquido) e o Pombalino (uma caipirosca, de vodka e lima, mas estruturada em frutos silvestres para dar sabor e matiz rosáceos). Além deste trio, há cerca de duas dezenas de clássicos por onde escolher.

Nome
Matiz Pombalina
Local
Lisboa, Lisboa, R. das Trinas, 25
Telefone
214043703
Horarios
Terça a Sábado das 18:00 às 02:00
Website
http://www.matiz-pombalina.pt
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