Fugas - restaurantes e bares

Paulo Pimenta

Buhle - Mixology Bar

Por Andreia Marques Pereira ,

Gengibre, pimenta, vinagre balsâmico, manjericão compõem os carlito''s way, morning glory, bloody shame... Ingredientes incomuns para cocktails que são tudo menos vulgares - são "de fusão". Não estamos na cozinha, estamos no Mixology Bar do Buhle que é nome de restaurante premiado, mas também de cocktail bar, que em breve será igualmente de tapas e sushi.
No comprido balcão de vidro cheio de ripas de madeira clara, alinham-se, brilhantes, uma série de instrumentos que parecem cirúrgicos (e não conseguimos evitar que a nossa mente fuja para um qualquer episódio do Dexter, o assassino preferido de todo o mundo, que dispõe meticulosamente os seus instrumentos de tortura antes de se dedicar ao seu hobby). Não são cirúrgicos os instrumentos e a única tortura aqui infligida (com raspadores, coadores, espremedores, picadores...) é, por exemplo, à lima e à hortelã, antes de se precipitarem para um enorme copo de vidro.

Daqui a momentos, teremos um pink mojito, por enquanto temos Mário Quirino a hipnotizar-nos com os seus movimentos precisos: primeiro entra a lima, depois a hortelã e o açúcar em grão. Com um medidor, acrescenta-se o rum (Bacardi), depois vem o gelo picado e no final o sumo de arando - o "pink" deste mojito. Quando está pronto é transportado para a sala ao lado, a sala de estar do Buhle - restaurante, mixology bar e tea room (e em breve outras coisas mais).

O Buhle tem pouco mais de um ano e é já um clássico. E não é só por ser o descendente directo do Bule, restaurante incontornável do Porto nos últimos 40 anos. Anda nas bocas do mundo por causa de uma distinção internacional (antes já estava na boca do mundo pela qualidade): a revista Wallpaper considerou-o um dos cinco melhores novos restaurantes do mundo. Dois dias depois da nossa visita, Pedro Sá Pereira, o CEO do grupo Five Dons, responsável pelo restaurante, iria a Londres para a cerimónia dos Wallpaper Design Awards 2010 - agora sabemos, o Buhle não ganhou, mas ninguém lhe tira a nomeação (a única europeia) e o tal top cinco mundial. "É prestigiante para nós e para o Porto", diz Pedro Sá Pereira ainda antes de saber para que lado penderia a balança dos prémios. "O Buhle foi reinventado para este objectivo", explica, "tentar ter um espaço cosmopolita, trendy e urbano" - em todos os aspectos, desde a arquitectura ao menu, passando pelo serviço.

E esse objectivo está indubitavelmente ligado ao Mixology Bar - provavelmente o único na cidade. É um espaço para cocktails e para a "descontracção, convívio e diversão" que normalmente se declinam com eles. Mas não é "mais" um bar de cocktails, como percebemos ao ler a carta. O mixology é um conceito levado a sério aqui e os resultados são cocktails "de fusão". Vamos por partes: há cocktails clássicos e o pink mojito é um exemplo (recomendam-nos as margaritas, e temos o bloody mary, piña colada, os cocktails Hendricks...), e há os outros, aqueles que vivem um pouco da mesma teoria da cozinha de fusão para se apresentarem com "sabores mais dinâmicos, atractivos e com uma série de ingredientes que fogem ao normal". Alguns desses ingredientes? Os insuspeitos vinagre balsâmico, pimenta e gengibre, por exemplo. Misturas (líquidas) improváveis? O morning glory, com gin, compota de gengibre, Grand Marnier e sumo de limão, ou o carlito''s way e a sua mescla de tequilla, vinagre balsâmico, morango, manjericão, sumo de limão. E se tirarmos álcool às equações temos, por exemplo, o sumo de tomate com molho inglês, rábano, sal, pimenta que compõem um bloody shame.

E se os cocktails são as estrelas deste Mixology Bar, são seguidos de perto por um séquito de actores não muito secundários. Pedro Sá Pereira aponta para 300 as bebidas ali servidas, que nos levam numa pequena volta ao mundo dos prazeres mais ou menos alcoólicos. Nos whiskies percorremos inevitavelmente a Escócia e a Irlanda, passamos pelos Estados Unidos (bourbon e rye), Canadá e Japão - para verdadeiros apreciadores, há um Glen Grant Rare Vintage 56 ou um emblemático Macallan 18; com as vodkas viajamos pela Rússia (sim, também há Stolichnaya), Suécia, Dinamarca, Polónia, Nova Zelândia e Estados Unidos; e descobrimos que Cohiba também é nome de rum - jamaicano, que acompanha os de Cuba, Martinica, Trinidad, Barbados e Inglaterra. Há cognac Remy Martin Louis XIII, grappa e licores em união de países - e a lista continua com preços para todas as carteiras.

Não é, portanto, um cocktail bar "normal", nem sequer um bar normal, como se percebe logo à entrada. Antes mesmo, enquanto percorremos a escadaria exterior, um ritual de ângulos rectos entre pequenas porções relvadas com duas melaleucas como sentinelas junto ao muro que dá para a Avenida de Montevideu. O mar ouve-se do outro lado, mas enquanto subimos estamos quase num jardim japonês e no topo temos um edifício irrepreensivelmente moderno, modular, feito de vidro e madeira. Entramos para um ambiente sereno, de luzes secretas e tapetes fundos. O balcão onde Mário Quirino faz as suas "poções mágicas" está mesmo aqui - e daqui a algum tempo haverá bancos para quem se quiser deixar ficar "mais descontraído"- , e uma parede de espelhos separa-nos da tal sala de estar.

As luzes aqui baixam consideravelmente, é tudo penumbra, reflexos e murmúrios, enquanto a música corre suave no fundo, entre as poucas mesas de madeira clara. E sofisticado, discreto (com a assinatura de Paulo Lobo), começando pelas cores, cruas e escuras. Os reposteiros estão abertos e, com a iluminação indirecta vinda de quatro grandes candeeiros de pé em cada esquina e alguns focos no chão, o vidro que é a parede é um misto de espelho. Replica-se a sala, pequena, e distingue-se o exterior: o lago comprido e estreito marginado por bambus, o terraço que parece um deck abrigado pelo edifício (agora com as lareiras desligadas e o mobiliário cilíndrico abrigado das intempéries), e o resto do edifício (um rectângulo sem um dos lados).

Aqui conjugam-se "diferentes elementos", explica Pedro Sá Pereira, "madeira, água, fogo" e recorre-se a "materiais no seu estado puro". Uma atmosfera um pouco asiática, minimalista - zen, resume. Onde tudo se orienta para proporcionar um conforto inexcedível mas não excessivo. Prolonga-se para além do bar, até à sala principal do restaurante e encontra o seu apogeu nos "privados", o "coração do Buhle", considera Pedro Sá Pereira e a sua "grande originalidade".

Com os jogos de vidros, a noite no Buhle desconstrói-se em mil matizes de luz que brincam com todos os elementos. E é também à noite que, no Mixology Bar, à sexta e sábado, DJ residentes asseguram que nunca falta música - do jazz ao house, depende do que a sala "dita". "Nenhuma noite é igual à outra", afirma Pedro Sá Pereira. E a mesma noite pode vestir rostos diferentes, porque "os públicos misturam-se". Mas não podemos esquecer que o Buhle é "essencialmente um restaurante". "A música é importante, para criar ambiente e conforto para um momento de excelência, mas nunca será uma âncora", confessa Sá Pereira. E o Mixology Bar nunca será completamente independente. Na verdade, a partir das 20h00 está como que reservado para os clientes do restaurante, que cada vez mais aproveitam para ali tomar um aperitivo. Até às 20h00 tem acesso "livre" e é ao final da tarde que ganha vida, sobretudo no Verão, com a esplanada, e os mojitos, margueritas e caipirinhas a saírem.

Está prestes a ganhar, aliás, um novo fôlego. Porque além das bebidas haverá, já a partir de Fevereiro, tapas - e sushi, que já por lá vai circulando. "A ideia é ter uma refeição mais dinâmica, mais diversidade de sabores", e experimentar o conceito de happy hour. O espaço do Mixology Bar vai ser readaptado à nova realidade. Afinal, explica Sá Pereira, "o conceito do Buhle não é estático". "Evolui de acordo com o que entendemos serem os desejos dos clientes", acrescenta. Os clientes pediram e agora o Buhle vai acrescentar mais valências ao seu currículo: Buhle restaurante, tapas/sushi, mixology bar e tea room.

Do Porto para o mundo

Fusão asiática, mediterrânica e atlântica. É destes sabores que se faz a cozinha do Buhle, até há pouco tempo a cargo de Rodrigo Garrett. Há um desejo explícito de "homenagear os antepassados" e proporcionar a descoberta de novos sabores. Isto sem esquecer a tradição: honrá-la na evolução parece ser o objectivo. Assim, o arroz de pato e o pato assado, herdados do antigo Bule, fazem parte da ementa (onde de vez em quando até se intrometem as tripas à moda do Porto), ainda que "apresentados de forma diferente", convivendo com mongolian beef, bacalhau negro com puré de daikon ou camarão em tempura, por exemplo. A acompanhar, uma garrafeira com mais de 400 vinhos ("e uma carta de vinhos do Porto das mais completas da cidade") e serviço de escanção ("novidade na cidade") - que valeram o segundo lugar do prémio da Melhor Carta de Vinhos 2009 da Revista de Vinhos. Ainda há serviço de valet parking a compor um serviço que "está no Porto mas podia estar em qualquer parte do mundo". (média de preços: almoços a €20 e jantares a €40).

Casa de chá

Antes do restaurante, do mixology bar, do sushi e das tapas, houve outra coisa no Buhle. O nome não é à toa: antes de tudo isso houve chá. Na verdade, o Bule começou como casa de chá promovida pelo padre da freguesia (Nevolgilde). E essa vertente não se perdeu. O Buhle versão tea room apresenta mais de 40 variedades de chá, entre brancos, verdes, preto, oolong, rooibos, pu erh, vindos da China, Ceilão, Japão, Vietname, África do Sul, Formosa e Açores. Há ainda flores de chá, chá biológico, tisanas, misturas... O "chá das cinco Buhle" inclui chá, scones, pastelaria diversa e salgados (€15).

Nome
Buhle - Mixology Bar
Local
Porto, Porto, Avenida de Montevideu, 810
Telefone
220109929
Horarios
Segunda a Quinta das 12:00 às 01:00
Sexta das 12:00 às 02:00
Sábado das 13:00 às 02:00
Domingo das 13:00 às 01:00
Website
http://www.buhle.pt
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