Fugas - restaurantes e bares

  • Nuno Oliveira
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O prazer sem clichés

Por David Lopes Ramos ,

(O restaurante Manifesto encerrou em Setembro de 2012)

Há quem tenha metido Luís Baena no cacifo da cozinha vanguardista e o mantenha lá. Mesmo que nunca tenha provado a sua comida, que é saborosa, às vezes também divertida e surpreendente.O nosso crítico, que almoçou e jantou recentemente no Manifesto, junta-lhe outra qualidade: entretida. 

 

Deixem-se de ideias feitas. O chefe de cozinha Luís Baena não é desses. Cozinha molecular? Como é que ele poderia ser o seguidor de algo que não existe? Além disso, ele não tem jeito para áulico. O seu é um caminho de criatividade e de invenção, sem dúvida. De tentativa e erro. A cozinha de Luís Baena é, antes de mais, saborosa e inteligível, quer dizer, que se entende bem. Não vão à procura de mistérios, que não encontram. Surpresa, isso encontrarão. Cruzamento de memórias também. Coisas da terra e do mar, igualmente. Abertura ao mundo, a outros mundos de aromas e sabores que só por nos serem estranhos chamamos exóticos? Claro! A cultura de Luís Baena, não só a culinária, é cosmopolita. Por isso, ele afirma, com toda a naturalidade e sem ponta de provocação, no seu texto de apresentação do restaurante, intitulado Manifesto -Dezembro de 2009: "Se gosta de comida caseira, coma em casa!".

 

Entremos, então, no Manifesto, que ocupa um espaço de um outro projecto com o qual o actual nada tem a ver, e reparemos nas marcas com que Luís Baena o individualizou: apontamentos de pop art, com destaque para os retratos e as cores "warholianas", toalhas de plástico preto e marcadores de vinil sobre as mesas. Sinais geracionais assumidos por Baena, os quais se estendem à selecção musical, difundida de forma recatada. As mesas são de bom tamanho, as alfaias Cutipol, os pratos e outros suportes da comida são adequados à variedade da oferta, os copos são dos que valorizam os vinhos. As ementas - há uma para os almoços e outra para os jantares - dão pouca importância ao serviço à lista. Neste particular, o Manifesto segue a tendência da restauração contemporânea mais vanguardista.

Ao almoço petisca-se e a oferta surge impressa num pacotinho daqueles que, nas mercearias finas, são usados para embalar produtos vendidos avulso. A parte de leão é a lista dos ""BêLISQUéTCHI". Dito em português de cá, petiscos, a saber: "Bacalhau dourado"; "chips" com molho "wasabi"; "conservas (compradas e nossas)"; "croquetes de pezinhos de porco de coentrada"; "gamba frita com caril"; "ovo verde"; "pastel de massa tenra de galinha"; "panado de porco preto"; "peixe de escabeche"; "sushi de presunto de Barrancos"; "salada russa"; e "tartelettes de mousse de tremoços", preços entre os 2 e os 8 euros. Nota alta para todos os petiscos listados, destacando-se, pelo sabor e correcção da confecção, o bacalhau, os croquetes, a gamba, o ovo, verde, verde de salsa, o pastel de massa tenra. O chefe de cozinha Luís Baena gosta de fritar e tal facto merece aplauso. Boa ideia a da valorização das nossas conservas, no caso as enguias da Murtosa da Comur. No sushi, o queijo, em que é cintado o presunto, abafa o sabor deste; o "caviar" de vinho tinto, uma esferificação, dá cor, que sabor nem por isso. Belíssimo, também pela apresentação, o peixe de escabeche, filetinhos de sardinha, na companhia de suave molho, fios de cebola e cenoura.

Risotto e "burras"

Da secção "Na grelha" nada se pediu; da "Na caçarola", provaram-se o "risotto de espargos" (4,50 euros), untuoso, equilibrado de manteiga, num belo ponto de cozedura; no Manifesto sabe distinguir-se o al dente do arroz aparentemente bem cozido, no qual o núcleo fica cru, uma praga da generalidade dos arrozes à italiana servidos nos restaurantes portugueses. E uma recém-chegada "feijoada à brasileira" (3,50 euros), com todos os seus pertences. Finalmente, de "No prato" provaram-se quatro "meias porções" de "migas de bacalhau de coentrada" (6,50 euros), enformadas, aromatizadas com óleo de trufa branca que me parece dispensável e enriquecidas com gema de ovo; "burras de porco alentejano confitadas" (6 euros), gelatinosas, apaladadas, uma delícia; a "empada de borrego" (7,50 euros), fina a estaladiça a massa, carne com sinais de borregum; e "rabo de boi" (6,50 euros), magnífica textura e sabor. Houve ainda a possibilidade de provar um belíssimo creme queimado de foie gras e, em fim de festa, "flan" de baunilha, cheese cake de maracujá e pastel de nata.

Aceitaram-se as bem fundamentadas sugestões de Diana, a jovem e simpática responsável pelo serviço de vinhos, e beberam-se, com agrado, dois Sauvignon Blanc portugueses: o Lavradores de Feitoria (28 euros), tropical e intenso; e o Quinta de Santana (30 euros), mais austero e mineral. Almoço entretido, que nos permite afirmar que o Manifesto de Luís Baena é também um restaurante de petiscos.

No jantar, saltou-se o serviço à lista (três entradas, três pratos de peixe, outros tantos de carne, dois "nem carne nem peixe" e sete sobremesas) e pedimos o "Invenio" (44 euros), um dos quatro "menus de degustação". Ou outros são: "Novos do Restelo" (32 euros, 5 itens); "À séria", mas "a sério" é que é bom português, digo eu, 64 euros, oito itens; e o "Stairway to heaven", 75 euros.

As surpresas do "Invenio"

O "Invenio", que não inclui o couvert (4 euros, com pâes de trigo e de milho, bisnaguinha de gema de ovo trufada, manteiga normal e com algas e azeite), começou com uns amouse bouche divertidos: "chupa chupa de queijo Parmesão" crocante; fritos chineses, penso que são de clara de ovo, com vários sabores e estaladiços; bola de morcela com gema de ovo, talvez de codorniz, cozinhada a baixa temperatura e guacamole de ervilhas, assunto sério; e migas de bacalhau com trufas de Verão e tagliatelle com caviar Oscietra, certamente não do caspiano antes girondino, ainda sssim um agrado do chefe que talvez mereça subir a prato, aliás como a morcela.

Siga o "Invenio". "Bola com creme", que tem manual de instruções, pois troca-nos as voltas à memória, por ser salgada: "D.I.Y (do it yourself), com bisnaga de creme de santola, mexilhão e camarão desidratados e areia de crustácos para panar". Surpresa boa. "Cabeça de xara - com agridoce de pleurotos, batata confitada com foie gras e favinhas com molho de coentrada". O sabor do queijo da cabeça de porco dilui-se e a batata ganha asas. Belíssimo. "Shot de navalheiras - partindo da receita clássica da francesíssima ''bisque''", chega-se a um excelente caldo de sabor intenso a caranguejo da pedra. "Risotto de cação de coentrada ligado com queijo curado do Vimieiro. Vimieiro? Perto de Arraiolos. Não é certificado mas é divino" Assino por baixo. "Pizza massa fina com queijo S. Jorge DOP, portugaise (ou seja, molho de tomate), peixe-mola e gamba", tira de massa muito estaladiça, com o mola, também chamado peixe-porco, de carnadura rijinha, a emparelhar bem com o marisco finaço. E Wcom molhos demi glace e de fricassé de pimento assado acidulado" e batata, quer dizer rabo e lombo de boi, prato surpreendente, feliz e muito saboroso até no nome.

Antes da sobremesa, "Tendência de chocolate - cremoso de chocolate, bolo mole de chocolate e mousse de chocolate branco", um copinho de "chá dos Açores com espuma morna de cerveja preta". Bom final para esta tentativa lograda, cumprida sem erro. Como o tempo está bom para brancos, beberam-se o elegante Alvarinho Contacto 2009 (28 euros) de Anselmo Mendes e o fresco Covela 2008 (21 euros), este que tem em Diana uma adepta já saudosa, pois a empresa que o produziu fechou portas. A carta de vinhos do Manifesto está equilibrada, não nos corta a respiração, mas permite-nos boas escolhas. Há vinhos a copo. O serviço é simpático, fluído, discreto e de bom nível. Luís Baena é um chefe de cozinha com capacidade de sedução. Os seus cozinhados desafiam-nos a memória, a inteligência e o paladar. Assim, é mais do que justo o pedido que consta do seu já citado Manifesto: "Não classifiquem, por favor, se é isto, aquilo ou aqueloutro. Tentem aproveitar o prazer sem o espartilho de clichés".

(Julho 2010)

Nome
Restaurante Manifesto de Luís Baena
Local
Lisboa, Santos-o-Velho, Largo de Santos, 9C
Telefone
0
Horarios
Segunda a Sábado das 12:30 às 15:00 e das 19:30 às 23:30
Website
http://www.restaurantemanifesto.com
Preço
30€
Cozinha
Autor
Espaço para fumadores
Não
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