Fugas - restaurantes e bares

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  • Pedro Amaral Nunes é a alma da casa
    Pedro Amaral Nunes é a alma da casa Nelson Garrido
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Em louvor da arte e cultura gastronómica

Por José Augusto Moreira ,

Pedro Nunes é, no panorama nacional, um dos cozinheiros que melhor faz a ligação entre a vanguarda culinária e o receituário tradicional. E o seu São Gião é um dos mais sólidos restaurantes do país e dos mais consistentes na representação e interpretação da gastronomia nortenha.
Num ano em que o património, as artes e a cultura estiveram em grande evidência em Guimarães, parece mais do que apropriado associar o nome de Pedro Nunes a todo este ambiente de celebração. Não que alguma vez tivesse estado ligado (que se saiba) a qualquer dos eventos da vasta programação da Capital Europeia da Cultura, mas antes porque ele e o seu restaurante de Moreira de Cónegos constituem eloquente mostra do património, da arte e da cultura gastronómica. Mais ainda porque estes são valores que concitam generalizada apreciação, sendo também uma das verdadeiras e genuínas riquezas nacionais. O que não é nada pouco nos tempos que correm.

Serve esta divagação para reforçar a ideia de que Pedro Nunes é um dos mais reputados cozinheiros (e restauradores) nacionais, não constituindo também sombra de exagero dizer-se que será porventura aquele que melhor faz a ligação entre a vanguarda culinária e o receituário tradicional. Vale isto por dizer que dificilmente os seus cozinhados deixam de agradar ao mais exigente dos comensais. E tanto dá que mais valorize as novidades técnicas, os produtos de vanguarda ou a estética de empratamento; ou então os produtos e sabores do receituário tradicional. Haverá muitos assim? É claro que não.

Por tudo isto, bem poderia igualmente ser apontado como exemplo e caso de estudo para os muitos jovens que por estes tempos povoam as escolas de hotelaria, normalmente na ânsia mediática de serem os novos Adriàs deste mundo, mas que pouco ligam às receitas, produtos e sabores que são a essência do nosso rico e diversificado património culinário.

Foi precisamente a partir do Congresso Nacional dos Profissionais de Cozinha, e da forte presença daqueles aspirantes, que decorreu nesta semana em Guimarães, a escassa distância do restaurante, que se impôs esta visita ao São Gião.

Para quem se oriente no sentido Guimarães-Santo Tirso, há que seguir até à vila de Moreira de Cónegos e aí estar atento às indicações do estádio de futebol. Uma vez passada a porta principal do recinto, o restaurante está mesmo em frente. Um edifício idêntico a qualquer das outras incaracterísticas vivendas da região, ladeado por pavilhões fabris e sem qualquer indicação específica. 

Franqueada a grande porta principal (que só se deixa abrir lentamente), tudo muda. Sala ampla, acolhedora e até com um toque de certo requinte. No meio da sala está uma lareira, elegante e de estilo contemporâneo, e os amplos janelões proporcionam agradável vista sobre vinhedos. Mesas amplas, confortáveis cadeirões com assentos em palhinha, baixela elegante sobre toalhas e guardanapos de algodão a condizer.

A lista é igualmente ampla e diversificada, logo evidenciando uma oferta criativa à base de produtos do receituário tradicional, nortenho e minhoto. Outra das particularidades é que muda todos os dias, assim acompanhando a sazonalidade e a oferta de produtos frescos.

Na terça-feira, além de uma sopa de nabos (2 euros), eram 16 as entradas, 10 os pratos de peixe e 13 os de carne, para além de ovos, saladas e sobremesas. Amante do petisco, Pedro Nunes costuma dizer que só cozinha aquilo de que gosta. Mas como gosta de quase tudo, é nas entradas que se encontram algumas das coisas onde mais gosta de aplicar a sua criatividade, desde logo com os fumados que elabora num espaço que propositadamente criou no piso inferior do prédio. Por entre coisas como o peito fumado de pato, presunto com raspas de foie grascarpaccio de boi, morcela de arroz, setas ou cogumelos grelhados, decidimo-nos por uns ovos mexidos com espinafres, setas e gambas (9,50 euros), terrina de fígados de ganso (10 euros) e salmão fumados (10 euros). Produto imaculado e confecção primorosa, destacando-se o salmão, a desfazer-se na boca envolto em suave toque citrino com alcaparras e raspas de ovo cozido. Muito elegante também o foie, com compota de framboesa e uma geleia de vinho como complementos.

A companhia, por estas alturas, cumpria-se com o verde branco São Gião (9,50 euros), ao que parece da vinha associada ao restaurante, mas doce e gaseificado em demasia.

Nos pescados, peixe galo (frito com açorda de mílharas), polvo, rodovalho, pescada, bife de atum (com salada de algas) ou lombo de robalo (com molho de camarão). Ainda dois bacalhaus, tendo-se optado pelo à São Gião (20 euros) - o outro era gratinado com gambas. Lombos do dito, limpos de pele e espinhas, que pareceu confitado e panado em azeite. Igual trato para as batatinhas previamente cozidas, que acompanharam com brócolos e cenoura cozidas, num conjunto saboroso, harmonioso e elegantemente empratado.

Carolino, do nosso

Grande demonstração culinária com a vitela na púcara (18 euros), numa lista que oferecia ainda coisas como pá de cabrito assada no forno, açorda real, empadas de carnes e caça, peito de pato com bagas e medronhos, confit de ganso, bochechinha de vitela confitadas ou tripas à moda do Porto.

A púcara, de barro negro de Vila Real (Bizalhães), vai ao forno onde a carne coze lentamente durante várias horas. Nacos do nispo de maronesa, que libertam saborosa gordura que se foi impregnando nas batatas, cenouras e cogumelos que a acompanham e se desfazem na boca como manteiga. Além dos produtos, uma demonstração de mestria e conhecimento, tal como os dois tipos de arroz que provámos (por pura gulodice) como acompanhamento. Carolino, do nosso, apenas húmido e com grãos soltos e abertos que podiam até ser comidos um a um como pinhões. Branco e simples, que era a companhia própria da vitela, mas também com carnes, cenoura, tomate e repolho, destinado a acompanhar o cabrito no forno.

De grande nível também o Quinta de Pinhanços 2007, um tinto do Dão que casou de forma impecável com o cozinhado da púcara. Harmonioso e sedutor nos aromas de evolução, mas ao mesmo tempo ainda fresco e pujante e a mostrar todas as virtudes dos grandes vinhos da região. 

O pudim abade de priscos (4,50 euros) constitui outra demonstração do apego e rigor que liga o cozinheiro ao receituário tradicional, tendo-se concluindo o repasto com um geladinho de tangerina (4,50 euros), que bem simboliza essa ponte com o mundo mais moderno e tecnológico da culinária.

Nado e criado à imagem - e gosto - de Pedro Nunes, o São Gião é um dos mais sólidos restaurantes do país e dos mais consistentes na representação e interpretação da gastronomia de matriz nortenha. Neste contexto, justificava-se uma oferta mais equilibrada de vinhos verdes, de par com a crescente oferta de qualidade da região. E a "obrigatoriedade" de vender o vinho da quinta da casa não pode justificar tão magra oferta dos vinhos da própria região. O reparo é tanto maior quanto no resto a carta é bem fornecida e abrangente, até com toda a bateria dos grandes vinhos do Douro e Alentejo, se bem que raramente com indicação de colheita. 

Uma última palavra para o serviço exemplar, que é outra das marcas distintivas da casa.
Nome
São Gião
Local
Guimarães, Moreira de Cónegos, Avenida Comendador Joaquim de Almeida Freitas
Telefone
253561853
Horarios
Terça a Domingo das 12:30 às 15:00 e das 19:30 às 23:00
Website
http://www.sgiao.com
Preço
35€
Cozinha
Trad. Portuguesa
Espaço para fumadores
Não
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