Ainda não são seis da tarde, mas a noite já cobre a avenida. As lojas estão abertas mas em lento movimento. À excepção de uma casinha, cuja porta não pára de abrir com gente num corrupio de entra e sai. É certo que, entre a escuridão da rua e o frio que se sente, a luz e calor que o espaço irradia são magnéticos, assim como a mini-esplanada ao ar livre (detalhe: equipada com aquecedores). Mas, acima de tudo, a atracção maior é o aroma. Perfume de pão acabadinho de fazer, um dos pilares d'' A Padaria Portuguesa, uma, digamos, "Starbucks do pão" que, em pouco mais de um mês, já abriu duas lojas (em Lisboa, abriu a 5 de Novembro no número 9 da Avenida João XXI; em Vila Franca de Xira, estreou-se a 13 de Dezembro na Rua Alves Redol, n.º 109) e mantém uma fábrica, em Samora Correia, que garante o fornecimento global.
Como estamos na padaria alfacinha, fermenta-se-nos logo uma questão: se o pão viaja até aqui uns 50 quilómetros, de onde vem este cheirinho tão imaculado de pão acabado de cozer que tanto inebria como abre o apetite? Nuno Carvalho, sócio e mentor do projecto d'' A Padaria, desvenda o segredo: entre as dezenas de variedades de pão que A Padaria vende, há duas que vêem da fábrica ainda por cozer. Um pequeno truque que garante que a casa seja invadida pelo tal cheirinho, do início ao fim do dia, e que haja sempre pão quente a servir. É que, realmente, o nariz também come...
Já com o sentido do olfacto plenamente satisfeito, segue-se o festim visual, a começar por uma montra vestida de cestas de vime, cheias de pães e pãezinhos de todas as formas, variedades e feitios, complementada pelo ingrediente principal que dá vida ao produto final, molhos e mais molhos dourados de espigas de trigo. Do lado de lá, um espaço emoldurado por laterais negroardósia que contrastam com outras laranja-ensolarado e composto por uma dezena de pequenas mesas rectilíneas em madeira. Finalmente, no topo, duas vitrinas perpendiculares contínuas revelam as jóias da coroa - pão e bolos.
Toda a decoração, nota-se, foi elaborada com linhas modernas mas a piscar o olho a gostos de outros tempos: "O ambiente de loja foi pensado como uma experiência entre o contemporâneo e o tradicional". A confirmá-lo, o chão de mosaico hidráulico, igual a tantos que se pisavam nas casas das avós, em tons castanho e laranja; os dispensadores de guardanapos, minuciosamente forrados; os sacos do pão em pano, prontos a serem levados para casa. E, em breve, facas e tábuas em madeira.
Já conseguimos abrir-lhe o apetite? Então prepare-se para a má notícia: durante o tempo que nos propusemos a provar as especialidades da casa o movimento não abrandou, apesar de se tratar de uma das horas mais mortas. "Há alturas em que chegam a estar aqui dezenas de pessoas à espera", adianta Nuno. E, embora seja verdade que o mais certo é tirar senha e ter de esperar, não há motivos para desesperos. Basta accionar outro sentido: o do ouvido. É que não só o pão é português. Também a música, em volume ambiente e de gosto ecléctico, o é. Depois, quando as filas engrossam, há sempre algo a dar a provar aos clientes que lhes acalme a ansiedade e aguce a gulodice: seja um pedacinho de um bolo ou até mesmo uma compota caseira em pão da casa.
Finda a espera, o atendimento pode surpreender pela familiaridade - quase se diria de outros tempos: do outro lado do balcão sabe-se o que se está a vender e a melhor forma de chegar ao cliente, tornando a compra de um simples pão, seja para levar ou consumir na loja, acompanhando com um típico galão ou com um sumo natural (diariamente há dois diferentes), uma experiência. É que em termos do serviço há também um cuidado especial e não é por mero acaso.
Para que tal suceda, houve um investimento ao nível da formação, com foco no atendimento, e todas as pessoas foram, até aqui, escolhidas em entrevista directa com o gestor. A partir de agora, com o crescimento que a rede almeja, Nuno admite que tal não continuará a ser possível, mas, ressalva, os gerentes de loja serão sempre escolha sua, assim como também foram padeiros e pasteleiros. Além de que formação continuará a ser uma aposta, uma vez que A Padaria Portuguesa pretende posicionar-se no mercado como "criadora de mão-de-obra especializada" e, pelo caminho, "devolver a dignidade às profissões de padeiro e pasteleiro".
"À falta de pão, boas são as tortas"
...lê-se num dos vários aforismos espalhados pelo espaço. Mas dificilmente faltará pão a esta mesa. E o que tem o pão daqui de diferente dos outros? Há vários factores que contribuem para a sua diferenciação, assim como da pastelaria: o cuidado com os processos de fermentação e de levedação, a selecção das matérias-primas e, até em algumas receitas, a simples preferência pela manteiga em relação à margarina. São derivadas que fazem de alguns bolos e pães produtos de valor, devidamente assinalados, como acontece com as bolas de Berlim, em que é usado "o verdadeiro creme de pasteleiro, o original", menos vistoso que os de fábrica, mas "bem mais saboroso".
Mas há outro factor que marca a diferença: o tratar o pão enquanto objecto de estudo. Por isso, antes de chegar à venda, as diferentes variedades de pão e de bolos foram feitas e refeitas vezes sem conta, até se chegar ao desejado. Assim aconteceu com a massa de brioche, usada tanto para os pães de Deus como para as bolas de Berlim, duas especialidades da casa: "Foram executadas várias receitas até chegarmos ao que queríamos", conta Nuno que, aos 32 anos, decidiu trocar uma década como gestor da Jerónimo Martins por um negócio que o próprio define como "um Pingo Doce do pão", uma cadeia de padaria e pastelaria que chegue a todos e que se afirme pela qualidade, sem cair na armadilha do ambiente descaracterizado. Para que isso não aconteça, o gestor lança o terceiro pilar d'' A Padaria: "Viver o bairro", isto é, tornar-se um ponto de encontro das gentes do bairro, um sítio onde as pessoas se conhecem e sabem o que as espera, mas também uma mais-valia para o mesmo, integrando projectos de interesse comum.
E aqui chegados, é tempo de dar uso aos sentidos que melhor testam o material d'' A Padaria: tacto e paladar. Podem ser postos à prova em casa, mas o ideal mesmo é saciá-los logo aqui. E assim aproveita-se para pôr em uso outro chavão, lido nos primeiros momentos, por entre pãezinhos e bolinhos: "Era tão bom que se acabou".
Carla B. Ribeiro (Janeiro 2011)
- Nome
- A Padaria Portuguesa
- Local
- Lisboa, Lisboa, Av. João XXI, 9 (ao Areeiro)
- Telefone
- 218485083
- Horarios
- Todos os dias das 08:00 às 20:00
- Website
- http://www.facebook.com/pages/A-Padaria-Portuguesa/163615110317890