Fugas - restaurantes e bares

Nuno Ferreira Santos

Há altas noites na Baixa graças à Idade Média

Por Luís J. Santos ,

Pela Baixa de Lisboa, os fins de tarde e noite estão cada vez mais acolhedores e... medievais: o bar Trobadores continua a aumentar o círculo de amigos e acolher fiéis em cenário de nova taberna medieval, com humor, música a condizer e bebidas dos deuses. Rendemo-nos às trovas e à camaradagem medieval.

Há altas noites na Baixa graças à Idade Média

Erga o seu copinho de Peste Negra enquanto ouve uns Roncos do Diabo e deixe-se levar pela nova boémia medieval proposta por estes Trobadores em plena Baixa de Lisboa. Em zona pouco dada à animação nocturna, esta recente casa, sob o espírito de taberna medieval, foi buscar ideias a um passado - que curiosamente ainda não era explorado como conceito em bares alfacinhas, ao contrário do que sucede um pouco pelo mundo fora - para dar mais vida ao centro pombalino. Uma sala onde se recria a época dos trovadores e onde tudo foi construído propositadamente para garantir veracidade e solidez, espírito de camaradagem incluído.

Nem de propósito, o Trobadores nasce graças à iniciativa de quatro amigos de longa data. "O Ricardo [Frade] abordou-nos com esta ideia de uma taberna medieval", "começámos a investigar", a "explorar um pouco o conceito de uma taberna", "até a ver filmes onde se sente esse imaginário", casos do Robin Hood ou mesmo d'' O Senhor dos Anéis, conta-nos, enquanto a banda sonora vai lançando cantares e gaitas-de-foles, Frederico Pinheiro, arquitecto e o grande responsável pela recriação do espaço, além do desenho de quase tudo o que por aqui se vê.

A arquitectura pombalina desta antiga loja adaptou-se na perfeição ao tempo dos trovadores e o espaço é todo ele uma conjunção de madeiras fortíssimas, pedra e metal, "praticamente tudo é artesanato e criado de propósito para aqui", sublinha. "Queríamos fazer uma coisa diferente, tem todo o sentido existir em Lisboa, uma cidade com grande história medieval e onde até agora não havia nada assim", explica. As paredes são protegidas a madeira escura e bancos corridos, as mesas e cadeiras são quase mais pesadas que a própria Idade Média, o balcão de bar é de uma solidez à prova de druidas, todos os sinais das estruturas da modernidade (fios, colunas de som, câmaras, Internet e TV, etc.) estão bem resguardados. "Até queríamos esconder os extintores, mas não nos deixaram", brinca Frederico.

Pormenor a pormenor, nada escapou ao dedo medievo e a decoração ainda se complementa com peles, tochas e candeeiros de tecto ou espadas recriados segundo a época. Há outras jóias da decoração, como um velho decantador de vinho que veio dos avós de Ricardo ou almofarizes e, acima de tudo, uns já famosos chifres, "vindos da Alemanha", por onde se pode beber cerveja para melhor embeber-se deste passado. E para o conjunto ser mais completo, as fardas "medievais" dos empregados, baseadas em algumas inspirações, foram também criadas de propósito para aqui.

O ambiente é sublinhado pela música e concertos ao vivo relacionados com a temática (à sexta à noite, há sempre um), embora "sem excessos", já que tanto se pode ir do tradicional português e música de influências celtas ao pop e rock. Naturalmente, as propostas das ementas seguem a filosofia da casa: sem grande espaço para cozinha, as rainhas são as bebidas (a carta divide-se em seis páginas e meia para os etílicos, meia página para os petiscos). Por aqui, podem saborear-se "bebidas dos deuses", o que inclui hidromel e zimbromel ou uma grande variedade de licores regionais, fruto de uma pesquisa contínua e passeios por feiras medievais e tradicionais: "Vamos encontrando coisas por aí, trazemos e propomos aos clientes, vamos sugerindo, conversando, vendo as reacções." É assim que tanto se pode beber o famoso "Licor de Merda", como o dos Monges (premiado recentemente no festival de Alcobaça), ou já esteve disponível um licor de bolota descoberto em Cáceres e bem baptizado de Beso Extremeño.

Pelas paredes, as ardósias vão contando as novidades e revelando as sugestões do momento. Mas também revelam o espírito da casa - veja-se este "canto" que um dia destes se lia por ali: "Hoje teremos um novo empregado de mesa. Pede uma bebida estranha só para ver a reacção dele. Obrigado, o proprietário". E não é só in loco que se dá pelo bom humor e o desenvolvimento de um círculo de fiéis: o Facebook do Trobadores vai muito além do simples anunciar concertos e dar infos sobre a casa, integrando belos ditos, promovendo a interactividade entre clientes, incluindo notas sobre o projecto ou tiradas filosóficas.

Uma das mais curiosas ideias aqui nascidas e em fase de concretização: um Livro de Reclamação dos Clientes (isto é, onde os empregados reclamam dos ditos...) - uma "brincadeira", explica Frederico, para "todos nos divertirmos". Ainda não há livro mas já há proposta de entradas: o facto de alguns clientes reclamarem da falta de gás das cervejas irlandesas; ora "caros clientes, a Guinness e a Kilkenny não estão mortas, elas são mesmo assim; querem coisas com gás metam-se na cerveja nacional, no Sumol de Laranja, ou numa cidade do Egipto nos dias de hoje". É um bom exemplo do ambiente que desejam para o Trobadores: "Pretendemos fazer, desde o princípio, que as pessoas se sintam praticamente em casa", resume Frederico; "o que tem a ver com a nossa própria experiência de bares",como clientes: "Se calhar, tentamos encontrar soluções e fazer as coisas de forma a compensar as coisas que outros sítios não tinham". "Acho dentro, é descomprometido, as madeiras, as mesas, as cadeiras, isto é para bater, não há aquela preocupação da formalidade, é uma taberna", diz este sócio, que, não em vão, prepara um doutoramento sobre as vivências do espaço público ao longo do tempo na área equivalente à Cerca Fernandina.

O Trobadores procura também manter uma certa sobriedade, longe do kitsch que muitas vezes turva bares similares e sem tornar-se demasiado turístico. "O que não quer dizer que não queiramos e não tenhamos muitos turistas" - para turistas e nacionais, está também em ebulição outro projecto: criar uma "espécie de guia, um roteiro turístico sobre a Lisboa Medieval, que qualquer pessoa possa levar" e "saber mais sobre a cidade, sobre a nossa história, sobre hábitos antigos que se perderam". Lá para o Verão, espera-se que o guia já ilumine os passos de muita gente.

Entretanto, há ideias e concertos para dar não só mais vida às noites mas também aos finais de tarde. Um oásis na Baixa e mais um passo no caminho da revitalização desta área: "A Baixa tem que ser revitalizada, demore cinco ou dez anos", conclui.


Cantigas dos Trobadores
A banda sonora é composta por uma base de sons tradicionais, de influências celtas e folk. Podem ouvir-se bandas como Roncos do Diabo, Diabo na Cruz ou Gaiteiros de Lisboa e aproveitar para ir perguntando para ficar a conhecer mais criadores de música de influência intercéltica. Mas pop e rock também toca. À sexta, há sempre concerto. A agenda vai sendo actualizada no Facebook. Para dia 5, está previsto um concerto dos Urze de Lume que promete: inclui gaita transmontana, caixa e bombo.


Bebidas dos deuses e chifres
Não se faz por menos e propõem-se "bebidas dos deuses": hidromel (ou em variação zimbromel, i.e., com zimbro), Licores dos Monges, "de Merda" ou da Estrela, Mel do Diabo, Arabesco (licor de café), além dos mais comuns (ginjas e vinhos licorosos). Há uma boa selecção de "águas ardentes" (é juntar as duas palavrinhas) e "águas da vida" (whiskies) ou "pães líquidos" (digamos, cervejas), incluindo irlandesas como a Guinness e Kilkenny (para breve, esperam alargar a selecção com conventuais belgas). Em grande destaque, a possibilidade de beber a sua cerveja por uns genuínos chifres: há dois tamanhos: aproximadamente 25cl e 40cl e são servidos a jarro. Os shots são Alquimias: sejam corriqueiras (tequillas e etc.), sejam o Peste Negra (adaptação de um shot irlandês feito com Guinness), Beijo de Judas (feito com vinho do Porto, tónica e fisalis, daí ser sazonal já que depende desta plantinha), Bafo de Dragão, Mostrengo, Mel do Diabo. A copo e à garrafa, não falta uma boa selecção de "águas de Baco", incluindo vinhos em destaque a cada semana e quinzena.

Comidas
A ementa é curta mas ninguém passa fome. Há petiscos vários: presuntos, queijos e enchidos, entre tostas e tábuas de degustação, chouriço e linguiça assados ou caldo verde.

Luís J. Santos (Fevereiro 2011)

Nome
Trobadores
Local
Lisboa, Santa Justa, Rua de São Julião, 27
Telefone
218850329
Horarios
Segunda a Quinta das 17:00 às 02:00
Sexta e Sábado das 17:00 às 04:00
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