Fugas - restaurantes e bares

Pedro Cunha

Isto não é um bar

Por Luís J. Santos ,

É teatro, cinema, plataforma de artes. É o fado Mesa de Frades, noites Maxime ou Hot Clube. Tem eventos especiais, como por estes dias, em que se torna braço armado para filmes e festejos diários do festival IndieLisboa. É o novo Teatro do Bairro. E não é um bar. Tem é um bar de apoio que é um apoio à séria para quem procura noites com substância no Bairro Alto. A Fugas já actuou por ali, enquanto os verdadeiros actores preparavam o shakespeariano "Sonho de Uma Noite de Verão".
Entra-se uma noite e há festa: é até o actor-dj-por-uma-noite Miguel Guilherme a dar música (momento especial: era o Dia Mundial do Teatro). Entra-se noutra e há festa: é até uma montagem audiovisual sobre a Revolução dos Cravos com música dos 70"s (era a véspera do 25 de Abril, celebrava-se a Liberdade). Entra-se outra noite e..., enfim, há festa: pode é ser de fados segundo a venerada Mesa de Frades, de cabaré segundo Manuel João Vieira e com alma Maxime, com toque jazz segundo o Hot Clube, ao calor de Cabo Verde segundo o B.Leza. Mas... "isto não é um bar, é um teatro!", segundo António Pires, actor, encenador e parte da Ar de Filmes (produtora do Filme do Desassossego, de João Botelho), responsável pelo projecto de reinvenção do antigo edifício Interpress que foi sede do lendário Diário Popular, em forma do novel Teatro do Bairro (TdB).

"Não funciona como bar-discoteca, há é programação musical", vai explicando António Pires. Não é bar-como-os-outros mas, lá está, haja espectáculo, festa ou motivo cultural, e o bar de apoio do TdB vai muito além do habitual de um teatro: é que está armado e pronto a funcionar também como personagem central, delineado a luz vermelha e traçando-se no negro global e escuro industrial que pinta toda a sala, localizada no coração do Bairro Alto alfacinha.

"O bar costuma estar aberto após as sessões normais" e "funciona bem, está cheio de gente quando há uma programação nocturna de música"; "todos os teatros têm bares de apoio, às vezes não são é sítios onde as pessoas possam ficar, onde se possam fazer festas". Já este é outra cena: "Como fizemos um teatro dentro do Bairro Alto, é uma versão bairro-alta do tradicional bar de apoio", ri-se Pires. "As pessoas podem ficar, tomar um copo e, quando há programação nocturna, fica muito com esse carácter, mas nunca tivemos uma situação de discoteca sem ser com mote cultural".

Desde finais de Março, o novíssimo teatro tem vindo a tornar-se meca para pequenas e grandes multidões que se tornam, elas próprias, actores destas novas noites, passeando-se entre os timbres e tons desta plataforma de múltipla personalidade artística que, em crescendo, se vai experimentando, não só teatralmente mas como palco global de soluções culturais para noctívagos do sempiterno bairro-coração da movida lisboeta.

Outrora paróquia de jornalistas e artistas, o BA tem andado cada vez menos artístico e pouco mais que etílico. Mas há excepções que juntam os copos e as manifestações cult: sublinhe-se a persistência vanguardista da Zé dos Bois, as intervenções do Purex (em Maio, com mais um festival Add Wood) ou outros eventos dispersos (até sessões de poesia no Frágil), sem esquecer as noites de fado, DJ sets ou mesmo performances aqui e ali. Agora, sala de espectáculos que abarque em si, também, todo o espírito do bairro, só mesmo esta nova catedral, com a sua programação regular, residências, acolhimentos e parcerias, que podem ir ainda da Gulbenkian ao Teatro São Luiz ou ao colectivo Quinta Pata (que passará a mostrar as suas experiências às quintas-feiras). Para um bairro de milhões de actores, milhões de copos, milhões de danças, um teatro possuído pelo espírito local, história e herança.

"Nós queríamos um teatro de bairro, pequeno e de proximidade e os próprios moradores do BA estão a usufruir do espaço", conta Pires. "Ainda no outro dia um vizinho idoso veio cá e dizia "Eu já não saía à noite no bairro há não sei quantos anos"" (veio aos fados ver as estrelas da Mesa de Frades). O próprio António Pires cresceu nas noites do BA - outros tempos de Frágil, Três Pastorinhos ou Mahjong e demais espaços míticos da zona. "Havia um ambiente de criação contínua" que, "hoje em dia, já não existe". Mas aqui, no TdB, "isso está a voltar". "Há muita gente, que já se tinha deixado do Bairro, de regresso e outros novos a aparecer". "Muita gente que encontrava no Frágil ou Pastorinhos, revi-os agora por cá. Não só artistas, também as pessoas dessa movida".

E movida não falta ao TdB: enquanto falamos, prepara-se uma sessão de cinema para meia dúzia de cinéfilos que aguardam à porta; António Pires serve cafés ou ajuda no bar; os actores vão chegando, que há ensaio shakespeariano; o pessoal de apoio técnico vai-se preparando... As máquinas não param.

Depois das estreias em Março/Abril, o TdB está, de facto, imparável, com os próximos meses plenos de garantias: na primeira sexta, ambiente e sons cabo-verdianos com o B.Leza; na segunda com o fado renovado da Mesa de Frades; na seguinte, o jazz do Hot Clube de Portugal; na última sexta, uma noite à Maxime. Além das febres de sexta à noite, conte-se com mais concertos, festas com DJ, programação cinematográfica - pela Zero em Comportamento, o que inclui cinema para os mais novos ao domingo.

E assim, o imponente edifício da Interpress que antes fazia notícias é, agora, feito deste puzzle de eventos que não param de ser notícia. E tudo o que acontece, pelo menos à vista, é na antiga sala das rotativas, onde se mantêm peças desses tempos e os traços de indústria sempre em produção, num sítio que funciona com uma caixa negra para sublinhar a luz do que por aqui acontece.

António Pires guia-nos pelo teatro-que-não-é-bar enquanto pensa na grande estreia teatral do TdB, Sonho de Uma Noite de Verão (após uma encenação de Vida de Artista): "Escolhi Shakespeare para abençoar o teatro", diz. Não é uma qualquer produção, é uma peça "com muitos actores" e todos eles "trabalham aqui": é que no TdB "todos são actores - a pessoa que está na bilheteira, as pessoas que estão no bar, as pessoas que dão apoio, enfim, somos todos actores".

E, também por isso, toda a casa é um palco. Passadas as grandes portas e o átrio com bilheteira passa-se para esse outro mundo, universo a escuro onde brilham atracções várias, incluindo o tal bar de apoio. Percorre-se a passagem superior de acesso, um passeio protegido da sala por uma imensa cortina, e atinge-se a plataforma central, espaço com mesas e cadeiras, sobre as quais se eleva um terraço técnico: serve para todos os controlos de som ou iluminação e para o DJ, quando o há. Lá em baixo, o palco e uma bancada retráctil de cadeiras (que desaparece quando o espaço é usado para outras funções igualmente teatrais, como dançar, por exemplo). Uma reinvenção do espaço, assinada pelo arquitecto Alberto Souza de Oliveira - que, aliás está à volta de outro projecto teatral, com outras dimensões: o da renovação do histórico Capitólio -, onde a criatividade e reciclagem foram palavras-chave: "Nós não tínhamos muito dinheiro para fazer isto e quisemos manter esta característica industrial, de espaço com memória, ligado às pessoas do jornalismo. Não queríamos que isso fosse apagado", diz Pires. "Esteve cá um senhor, o senhor Fernando, que esteve meses a fazer corta-e-cose". Aproveitou-se tudo, cortou-se chapa, reaproveitou-se o que existia no edifício, mantendo e recuperando materiais e estruturas que por ali estavam e peças para decoração e utilidade. "Quer por questões económicas, quer de gosto, manteve-se esta estrutura industrial".

Passou é a casa escura como breu, "escura, porque, como não temos um palco tradicional, todo o espaço é um palco". É "esta ausência de luz que permite aos criadores que cá vêm fazerem luz".

Referências

Indie do Bairro
O Festival Internacional de Cinema Independente assenta arraiais no TdB, com uma programação de filmes e, além de tudo, com uma série de festas: a partir de quinta-feira e até dia 15, há Indie by Night, o que vai da festa de abertura à de encerramento, passando por muitas noites musicais e até uma competição de DJ (dia 9). O Indie tem também festa no Lux (dia 12).

É B.Leza
As noites da música cabo-verdiana têm residência no TdB na primeira sexta de cada mês e, na próxima, Jon Luz convida António Zambujo. Um encontro sonoro único para apreciar, de mornas e coladeras ao novo fado e devidas fusões.

Frades do fado
Uma nova noite sagrada no Bairro Alto está marcada para a segunda sexta, dia 13: a revolucionariamente tradicional casa de amigos do fado dos Remédios de Alfama muda-se, outra vez, por uma noite para o TdB - estava prometida uma estrela à medida, confirme o nome no programa do mês.

Minime Maxime
O Maxime segundo Manuel João Vieira fechou portas no início do ano mas leva o espírito Maxime - em versão minime, segundo os próprios - ao teatro, na última sexta. Dia 27, Vieira dá a ouvir e sentir o registo romance hardcore dos Corações de Atum.

Hot, hot, hot
O Hot Clube de Portugal espera pela sua casa mas entretanto é muito bem recebido por aqui. O septeto da Escola de Jazz Luíz Villas-Boas aquece a noite da terceira sexta, dia 20.

Bestas da pista
Promete-se uma noite de cenas inesperadas: é mais uma festa da série Ballroom Beasts, com DJ set e VJ a animar as hostes. É dia 12.

Samba e marmelada
Uma "marmelada de estilos" prometem os Voodoo Marmelade para a noite de 21: dos clássicos dos 50/60"s ao pop dos dias de hoje numa viagem sonora feita de surpreendentes versões. Já Tércio Borges e Democratas do Samba trazem, dia 28, o jeitinho carioca - um mestre da fusão, modernidade e tradição brasileiras, numa ementa onde se serve tanto chorinho como chorão, roda de samba ou samba de mesa.

E o teatro
Dia 26, estreia Sonho de Uma Noite de Verão. Antes ou depois de um copo no bar, poderá assistir a esta nova encenação da comédia de Shakespeare, entre amantes em fugas e uma trupe de actores. António Pires encena. No elenco, Alexandra Rosa, Francisco Tavares, Graciano Dias, João Araújo, João Barbosa, João Ricardo, Mário Sousa,Rafael Fonseca, Rita Brutt, Sandra Santos, Solange Santos.

E mais cinema
O Filme do Desassossego, ovni do cinema nacional, Pessoa adaptado por João Botelho, quase um tratado da alma deste teatro, depois de uma inédita digressão nacional, de surpreendente êxito, aterra no seu espaço natural, aliás localizado nas vizinhanças das geografias fílmicas: passa esta semana, de 2.ª a 4.ª (21h00). Há também programação regular de cinema pela Zero em Comportamento (a organizadora do Indie).

Nome
Teatro do Bairro - Isto não é um bar
Local
Lisboa, Encarnação, Rua Luz Soriano, n.º 63
Telefone
213473358
Horarios
e das 00:00 às 00:00
Website
http://www.teatrodobairro.org
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