Este Bela apropriou-se do nome da proprietária, diminutivo de Anabela, e nasceu como bar - sem o apelido de "tasca" por insistência da filha. Mas os clientes, habituados ao Bela de outras andanças, reclamavam pelos petiscos da dona da casa e, por isso, à colecção de vinhos vieram juntar-se as saladas de polvo, as pataniscas, os carapaus de escabeche, a chouriça e a morcela assada. A sedução e detalhe começam na ementa, dada a conhecer em garrafas vazias, que substituem também os típicos jarros de vinho, ou no placar de ardósia lá fora onde, em vez de preços ou horários, há todas as semanas uma nova frase inspiradora, vinda de livros ou sugestões de clientes. "O fraco nunca esquece que o apoio trazido pelo forte foi uma demonstração pública e aparatosa da sua fraqueza", lia-se esta semana, citação bebida nos "Ecos de Paris", de Eça de Queiroz.
Domingos de fado, terças de poesia
Depois de uma vida dedicada a casas de fados - começou com o Nono, no Bairro Alto, vinte anos depois abriu a Mesa de Frades já em Alfama e a poucos metros da tasca, tendo passado ainda pela Fábrica do Braço de Prata e pelas Guitarras de Lisboa -, Anabela Paiva, proprietária e alma deste Bela, ficou "farta de fados, fadistas e dessas coisas" e decidiu abrir um bar. "Era um desafio diferente, para ver se era capaz", explica. Por isso, no Bela, só há fados ao domingo, trazidos pela mão de Hélder Moutinho e música de Ricardo Parreira (guitarra portuguesa) e Marco Oliveira (guitarra e voz), músicos residentes.
Mas não é invulgar por aqui ouvir cantar Raquel Tavares, Carminho, José Manuel Barreto ou um outro fadista mais conhecido. São convidados espontâneos, que aparecem sem data marcada, e dão música a quem tiver a sorte de estar presente. A noite de fados tornou-se um clássico e percebe-se porquê quando, por volta das dez da noite, as luzes se apagam, os sussurros cessam e a música enche o bar (que parece demasiado pequeno para o poderio do canto). Um espaço tão tipicamente português, tão bairrista pede fado. E ele dá-se, em doses intimistas, inebriantes, entrecortadas a espaços pelos "xius", de quem toma por desrespeito qualquer som que não música ou canto, e pelas palmas no final de cada tema.
Mas há mais do que fado: a complementar a selecção cultural, há música ao vivo às quintas, com tradicional portuguesa e bossa nova; às terças-feiras, é a poesia que invade o Bela. "O espaço convidava a isso" e dois clientes sugeriram dedicar uma noite por semana à poesia. O momento é agora organizado por Luís Marques da Cruz que, em cada sessão, distribui alguns poemas pelos presentes para que estes os declamem. "Para o género de clientela que tenho é uma boa aposta, corre muito bem", resume Anabela.
Uma casa familiar
Também não é (só) de fado e poesia que vive a casa. É do ambiente de bairro, do atendimento familiar, despretensioso e simpático, da meia-luz, dos clientes habituais. É que este não é espaço para turista ver, por muito bem-vindos que os turistas sejam. A maioria da clientela é nacional, o que a proprietária sublinha com orgulho, porque "já são família, sabem o que querem e falam a nossa língua".
A decoração é uma mistura de objectos e mobiliário vindos da casa de familiares, amigos, clientes. "Não havia dinheiro e, por isso, teve de se abrir com aquilo que havia", conta Anabela. Da casa da mãe vieram os pratos e loiças antigas, "que estava sempre a dizer para deitar fora" e que agora enfeitam uma das paredes. O mobiliário foi doado por amigos, algumas cadeiras foram apanhadas no lixo, os espelhos comprados na Feira da Ladra. Uma amiga decoradora de interiores deu mais umas ideias e surgiram o candeeiro e o espelho forrados a forminhas de bolos. Até os desenhos feitos por clientes em guardanapos ou nas folhas de papel que cobrem as mesas não escaparam e, depois de emoldurados, abrilhantam as paredes.
"É uma maneira de as pessoas também ajudarem a construir [este espaço]. Costumo dizer que [o Bela] não é a minha casa. É a nossa casa, porque tem um bocadinho de cada pessoa que vem e que vai passando. Um traz um bibelô, outro traz um porta-velas, outro faz um desenho, outro traz um banco, outros uns pratos." As contribuições têm sido tantas que a proprietária já pede "que não lhe tragam mais nada".
À saída, uma tela grava dedicatórias de clientes e amigos, dando mais uma prova de que aquele é um espaço amado de Lisboa. Há reclamações descontraídas sobre a quantidade de orégãos na tosta, pedidos para aumentar o salário dos empregados (filhos da proprietária), há rimas, desejos de sucesso e, delimitado por um coração riscado a caneta, uma sensação partilhada: "Alfama é Bela."
E agora um restaurante à Bela
Ainda a cheirar a novo, eis o restaurante As Pretas, na Rua do Vigário, a dois passos do Bela Vinhos e Petiscos. A nova aposta de Anabela Paiva, inaugurado a 18 de Maio, propõe gastronomia portuguesa, simples e segundo um atendimento mais personalizado, ao sabor do que, diz Anabela, lhe "apetece cozinhar no momento" ou dos pedidos dos clientes. "O cliente diz que lhe apetece isto ou aquilo, e eu faço. Vou fazendo uns miminhos." Tem apenas algumas semanas, mas é já "uma família" e "corre muito bem", afiança.
- Nome
- Bela Vinhos e Petiscos
- Local
- Lisboa, Santo Estêvão, Rua dos Remédios, 190
- Telefone
- 926077511
- Horarios
- Todos os dias das 19:00 às 04:00
- Website
- http://www.facebook.com/profile.php?id=100000716530758