O nome tem um certo ar de família e isso é sintomático. Sintomático da transformação da Baixa portuense - de duas formas: da reconversão do perfil de actividade desta zona da cidade, passando de um comércio mais ou menos heterogéneo para o assumir de uma vocação claramente de lazer (e, por enquanto, predominantemente noctívaga) e de uma certa tendência para a concentração em poucas mãos desses novos locais de diversão. Chama-se Book porque guarda a memória do passado do espaço, uma memória ainda bem viva em quem cruza estas ruas estreitas desde não há muito tempo - a da livraria Avis - mas é restaurante-bar, da família da quase pioneira Casa do Livro - em linhagem mais pura do que outras adições ao clã, como o Praça e o 22 (ambos na Praça Filipa de Lencastre).
"Acabou por ser um seguimento da Casa do Livro", assume José Pedro Maia, um dos sócios, "e do que fizemos nesse espaço". Há a coincidência de ambos terem sido livrarias ("não procurávamos uma antiga livraria", refere José Pedro, "estas coisas acontecem") e a partir daí a abordagem à requalificação deles (da autoria de Pedro Trindade, outro dos sócios) seguiu a mesma linha - a sua cultura e história anterior é mantida, contada e explorada. Depois há a filosofia das casas, desde o tipo de serviço ao tipo de clientes. "Estão associados", portanto, "há uma troca de influências directas que nos outros sítios talvez não faça sentido", reflecte. Afinal, não é invulgar os clientes (sobretudo os turistas) da Casa do Livro aí pedirem indicações de locais para jantar - agora não precisam de sair do ambiente.
Casa do Livro e Book ligados umbilicalmente, então. E tendencialmente complementares. Porque o primeiro é bar, o segundo, inauguração em Agosto, é restaurante-bar - assim mesmo, mostrando a ordem de prioridades. O restaurante tem a parte de leão; o bar tem vida própria, mas nunca será muito emancipado. É, antes de mais, o bar de apoio do restaurante - para um aperitivo antes da refeição, para receber os amigos para uma bebida depois desta. Porém, não é exclusivo - embora não se importe que o vejam assim, comprometido, porque nunca vai ser bar de porteiro e outras "distracções". Em breve, vai alargar o horário de funcionamento para além da tutela do restaurante, passando a funcionar à tarde, com snacks e bolos. Sem ser café ou pastelaria, recusa José Pedro, convidará a relaxar bebendo um vinho acompanhado de umas tostas ou degustando um dos cocktails da autoria de Mário, outro dos sócios.
Uma atmosfera internacional é o que se pretende implantar neste Book, um "restaurante de montra", como aqueles que os seus mentores visitam em Londres, uma fonte infindável de inspiração para novos projectos - à capital inglesa os três "pais" da "família" (que aqui têm companhia de Miguel Júdice, do Grupo Lágrimas, como sócio) deslocam-se várias vezes por ano para conhecer novos sítios, reunir, fazer brainstorming. Terá nascido lá (com muitas influências nova-iorquinas, onde Pedro Trindade bebe muitas das suas ideias), o Book, um restaurante que "não é só comida em frente do cliente". Tem bar, cocktails, shakers, "coisas normais aí", onde "se trabalha bem o turista" em ambientes descontraídos que juntam executivos e estudantes. E aqui a Baixa portuense é o local ideal para consegui-lo. O Book "é um sítio que não encaixa numa aldeia ou numa cidade com pouco turismo". É um sítio que encaixa em qualquer cidade do mundo e o centro do Porto é cada vez mais de todo o mundo, mantendo uma história e um carisma muito próprios. "Acreditamos que a Baixa portuense vai continuar assim durante muitos anos ainda."
E este "local de montra", portanto, atrai quem passa, isso já é claro. Durante a tarde o movimento exploratório é habitual, sobretudo de turistas (e estes são declaradamente um público-alvo importante aqui) - e até há tentativas, goradas, de fazer reservas (não são aceites, tudo se processa por ordem de chegada). "É o que me acontece lá fora", nota José Pedro, sublinhando a faceta "internacional" do Book, um espaço que "acredita no aumento do turismo da cidade e de moradores no centro por todo o movimento de reabilitação que se vive".
Há uma discrição quase escolástica na fachada, por estes dias manchada por um cordão vermelho que delimita a entrada e lhe empresta uma aura de exclusividade (que não parece consentânea com o espaço descomprometido que pretende ser). No toldo, o nome Book surge em letras elegantes, na montra, um reclame que é uma faixa amarela com letras vermelhas (luminoso quando a noite se põe) é memória arqueológica: "Artigos de escritório, trabalhos tipográficos, encadernação". Os menus em exposição têm livros dentro e entram pelos livros (são entregues dentro deles).
Na entrada, parede de tijolos brancos, uma bifurcação: o restaurante abre-se à esquerda, o bar à direita - e para ele temos vista privilegiada, no topo de uma mini-escadaria. É pequeno o espaço que se abre um nível abaixo da rua - das ruas, porque está numa esquina e as janelas-montras são como remates -, à primeira vista com uma certa atmosfera de sala-biblioteca de casa antiga (elementos que aí seriam pouco comuns pese a intenção literária - as capas de livros que pendem do tecto, aqui em pé direito altíssimo): a madeira está no chão, no balcão, na estante que acompanha toda uma parede.
No entanto, não há nada de solene, há uma irreprimível contemporaneidade na decoração, até no piscar de olhos retro evidente no móvel antigo do rádio (ele está lá, mas não funciona - o que funciona é o amplificador, ligado à mesa de misturas, porque este é um discreto "canto" para os DJ de serviço) e nos cadeirões de cabedal e madeira de aspecto convenientemente gasto e a condizer com os bancos altos do balcão.
E a sublinhar o ar dos tempos que correm, o betão ostentado numa parede joga com a madeira em síntese bem moderna: a crueza e dureza do primeiro, material eminentemente urbano, em oposição (complementar) com o conforto e a familiaridade da segunda, material mais dado a ambientes privados. O que poderia, portanto, parecer um espaço quase caseiro torna-se obviamente público. Sem, contudo, perder o intimismo, que é sublinhado pelas luzes filtradas de dois candeeiros de pé (abat-jours XL) e pelo "recheio" da estante, ecléctico q.b. (livros, "ilhas" de garrafas deitadas, caixas, outro rádio antigo - e sapatos, estes em exposição como se numa montra estivessem), e não se deixa apagar pelas declinações luminosas na parede de betão por detrás do balcão, que faz as vezes de estante e onde a suavidade da iluminação se desfaz num caleidoscópio quando embate nas garrafas.
Foi para este ambiente, onde a música chill out, lounge, com jazz à mistura, é constante, mas servida por DJ ao fim-de-semana entre as 21h e a 1h, que Mário desenvolveu, por exemplo, duas sangrias que "fogem da tradicional" e que não se encontram no 22, o irmão do Book mais vocacionado para vinhos e suas derivações (e agora também o sushi, mas essa é outra história). Assim, além da sangria normal (vinho tinto e frutos vermelhos), Mário criou uma de líchias e maçã (base branca e de espumante) e outra de pepino e uvas (base de rosé).
Os cocktails são cinco, com sabor algo literário: a caipirinha tem o twist do cravo e canela, o mojito é Hemingway - a lista completa-se com o peach bellini, o strawberry/passion fruit daiquiri e o gin fizz. Antes do jantar são o "prólogo" e a ideia é relaxar e até abrir o apetite, mas podem ser o fim perfeito de um dia de trabalho - "Ainda há o estigma em relação aos after-works", refere José Pedro, mas (também) o Book gostaria de contribuir para a mudança de hábito, que é mais uma mudança de mentalidade.
À mesa
Há algo de pub meets restaurante trendy na sala de refeições do Book: é a madeira (sempre) do chão, da estante (cheia de livros e com letreiro por cima: "Avis artigos escolares, material didáctico"), do corrimão que separa os dois níveis; são os candeeiros retro (verdes, castanhos, amarelos); é a parede de tijolos brancos; são as tubagens rentes ao tecto; é o betão. Descontraído, informal e elegante (de espaço de "espírito caseiro"), o Book tem cozinha de alma tradicional, com trabalho de autor, e devaneios internacionais ("para quem não quer arriscar", as pastas e risottos satisfazem paladares menos audaciosos) - sempre no registo de confort food.
Ao almoço oferece alternativa ao tradicional prato do dia, com um buffet executivo (€11) a preencher uma "lacuna"; uma refeição normal, incluindo vinho e sobremesa ronda os €30. A ementa, que é entregue num livro, lê-se também como um livro: o "prólogo" ("enquanto lê a ementa"), a "introdução" ("para começar a provar do Book"), o "1 capítulo" ("dos campos de cereais", o "2 capítulo" ("peixes do mar salagado"), o "3 capítulo" ("carnes dos prados verdejantes") e a "conclusão" ("doces e frutos"). A lista de vinhos, divide-os como livros também, bibliotecas de sabores, ao invés de regiões: há-os "elegantes e intensos como um romance de amor", os "invulgares como um livro de ficção científica", os "robustos e encorpados como um livro de aventuras" e os "clássicos e complexos como livros de fábulas".
O Book não aceita reservas nem grandes multidões - oito pessoas por mesa no máximo. Contudo, em breve abrirá uma nova sala, especialmente para grupos: será como jantar em casa, entre aparador e numa mesa redonda, para 15 pessoas -é para grupos mas um de cada vez. A cozinha fecha às 24h.
- Nome
- Book
- Local
- Porto, Vitória, Rua de Aviz, 10
- Telefone
- 917953387
- Horarios
- Todos os dias das 12:00 às 15:00 e das 19:30 às 02:00
- Website
- http://www.restaurante-book.com