Fugas - restaurantes e bares

  • Virgilio Rodrigues
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Uma cozinha ideal no Algarve que ainda resiste

Por José Augusto Moreira ,

Espaço modesto e de cariz popular, o Ideal, em Cabanas de Tavira, é dos bons exemplos de resistência culinária do sotavento algarvio. O nosso crítico deliciou-se com a sopa do mar no pão, a barriga de atum e um doce de vinagre.
Há ainda no Algarve lugares que resistem aos efeitos da massificação turística e que só por isso já seriam merecedores da nossa homenagem. É o caso, no que para aqui nos interessa, de alguns restaurantes do sotavento que, a par da sua cozinha de raiz e tradição local, mantêm também o ambiente das típicas comunidades piscatórias da ria Formosa.

E não é fácil, diga-se, já que o assédio é mais que muito. Que o digam as populações da Fuzeta, onde por estes dias nos deliciámos com peixinhos, mariscos e ostras de sabores imaculados e a preços que, nos tempos que correm, se diriam quase insignificantes. Mas onde também os aromas a maresia e a peixe cozinhado dos modestos bares de pescadores se misturam cada vez mais com o cheiro dos escapes de automóveis vindos das mais diversas origens, ou com o ruído da construção dos blocos de apartamentos que paulatinamente vão rodeando o coração da vila.

Caso flagrante é o de Cabanas de Tavira, onde esse assédio há muito fez já sentir os seus efeitos. O acesso à outrora formosa aldeia de pescadores obriga agora a serpentear por arruamentos de urbanizações e condomínios. Na marginal, povoada de bares e restaurantes, a pressão do turismo fez com que estes espaços transbordassem literalmente para a rua. Os peões foram atirados para um passadiço em madeira que teve que ser instalado do outro lado, a um nível mais elevado e sobre os muros da ria. Valha, ao menos, que é uma solução elegante e bem montada.

Foi aqui que encontrámos um dos bons exemplos dessa louvável resistência culinária, o Restaurante Ideal, um espaço modesto e de cariz popular mas com cozinha de luxo. E, pelos vistos, a clientela aplaude, já que a casa está sempre lotado, sendo mesmo aconselhável que a reserva seja efectuada de véspera. Como bem prega frei Tomás..., não foi isso que fizemos (por ser já Setembro e fora do fim-de-semana) sujeitando-nos, por isso, a uma espera pela segunda rodada e a uma mesinha de ocasião conquistada a um dos cantos da sala. Mas valeu a pena!

Começou-se pela sopa do mar (8€), um irrepreensível caldo de peixes e mariscos bem temperado com calda de tomate e perfumado com raminho de hortelã. Servido dentro de um típico pão algarvio desprovido do miolo, termina com os sabores da açorda à medida que o caldo se vai impregnando no pão. Só por si, já a visita estava mais do que justificada.

Igualmente gulosos os camarões grelhados (10€) que se seguiram. Seis espécimes avantajados (250g), descascados e assados no calor do carvão, com um molho leve de manteiga, alho e um toque de malagueta. Mesmo bons.

Especialidade da casa são os palitos de atum (7,50€), da barriga, envoltos em polme com salsa. Fofos, enxutos e com um leve toque de limão a dar frescura que conjuga com a salada de feijão fradinho que os acompanha. Belíssima surpresa num conjunto de propostas para entradas que incluíam ainda mais duas sopas (de legumes/2,20€ e de peixe/3,80); conquilhas (8€); amêijoas (11€); gambas da costa (30€/kg); e lagosta (75€/kg).

Da lista de pratos do dia, provaram-se os pastéis de polvo (11,50€), uns pedacinhos das pontas do octópode envoltos numa massa de farinha, ovo, salsa e cebola, que é frita ao estilo das pataniscas ou dos bolinhos/pastéis de bacalhau. Outras das criações da casa, igualmente saborosa e que acompanha com um arroz caldoso de tomate, tal como os fresquíssimos filetes de pescada (11,50€) que se seguiram.

Degustou-se também o polvo entomatado (11,50€), uma das premiadas especialidades caseiras em concursos regionais de culinária. Três toços do bicho que denunciam ter refogado um pouco numa massa de tomate (coada) aromatizada com tomilho, que vem à mesa na companhia de puré de barata. Correcto, mas longe de deslumbrar e a destoar até da entusiástica satisfação com todas as restantes provas.

A roçar os céus a barriga de atum grelhado (10,50€), que atingiu o ponto máximo da satisfação. Produto de excelência (do Algarve), com suave passagem pelo calor do carvão, alho e salsa picadinhos, uma leve pincelada de gordura (manteiga?), a deixar a carne macia suculenta e a exumar de sabores. Uma real delícia!

Igualmente deliciosas, e certamente únicas, as sobremesas de confecção caseira. Provaram-se as farófias (2,70€) e uma deliciosa tarte de amêndoa (2,90€), mas a surpresa foi mesmo um enigmático (pelo nome) doce de vinagre (2,70€). Creme de ovos com grumos de leite (pelo choque séptico do vinagre), um toque aromático (aniz?) e surpreendente frescura a casar com a densidade e doçura dos ovos. Mesmo guloso!

Para além das especialidades provadas, a carta do dia propunha ainda posta de corvina grelhada ou cozida (45€/kg); dourada, robalo ou salmão grelhados (11€); bife de atum à Ideal (11€); bacalhau à Brás (10,50€); e linguado grelhado (50€/kg). Para os indefectíveis da carne, há também os inevitáveis bifes, secretos e carne de porco à portuguesa, costelas de borrego e um tornedó com pimenta, com preços a variar entre 11 e 14,50€.

Sem requintes de decoração ou outros formalismos, o Ideal é mesmo um espaço de boas comidas, de confecção esmerada, e utilizando sempre os melhores e mais genuínos produtos. A sala principal é capaz de acomodar aí uns 60 degustantes, havendo um segundo espaço que era o antigo terraço da modesta moradia onde se podem sentar mais umas 30/40 pessoas. Além de simpático e eficiente, o serviço é igualmente solícito e a dar confiança e conforto ao cliente.

Na lista de vinhos predominam as escolhas do Alentejo, de preços contidos e sem nomes sonantes. Numa casa onde mandam os peixes, há também alguns alvarinhos interessantes e a permitir boas opções, como foi o caso do seguríssimo Muros Antigos (15€), de Anselmo Mendes, que acompanhou na perfeição toda a refeição.

Além das saborosas comidas, o Ideal merece forte aplauso também pelo esforço e espírito de resistência para que o Algarve genuíno não se transforme apenas numa questão de memória. O ideal era mesmo que estes espaços nunca sucumbissem ao assédio do turismo de massas e muitos outros proliferassem por esse Algarve de raiz marinheira que teima em sobreviver.

Nome
Restaurante Ideal
Local
Tavira, Cabanas de Tavira, R. Infante Dom Henrique, 15
Telefone
281370232
Horarios
Todos os dias das 12:00 às 15:00 e das 19:00 às 22:00
Cozinha
Trad. Portuguesa
Espaço para fumadores
Não
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