E não é fácil, diga-se, já que o assédio é mais que muito. Que o digam as populações da Fuzeta, onde por estes dias nos deliciámos com peixinhos, mariscos e ostras de sabores imaculados e a preços que, nos tempos que correm, se diriam quase insignificantes. Mas onde também os aromas a maresia e a peixe cozinhado dos modestos bares de pescadores se misturam cada vez mais com o cheiro dos escapes de automóveis vindos das mais diversas origens, ou com o ruído da construção dos blocos de apartamentos que paulatinamente vão rodeando o coração da vila.
Caso flagrante é o de Cabanas de Tavira, onde esse assédio há muito fez já sentir os seus efeitos. O acesso à outrora formosa aldeia de pescadores obriga agora a serpentear por arruamentos de urbanizações e condomínios. Na marginal, povoada de bares e restaurantes, a pressão do turismo fez com que estes espaços transbordassem literalmente para a rua. Os peões foram atirados para um passadiço em madeira que teve que ser instalado do outro lado, a um nível mais elevado e sobre os muros da ria. Valha, ao menos, que é uma solução elegante e bem montada.
Foi aqui que encontrámos um dos bons exemplos dessa louvável resistência culinária, o Restaurante Ideal, um espaço modesto e de cariz popular mas com cozinha de luxo. E, pelos vistos, a clientela aplaude, já que a casa está sempre lotado, sendo mesmo aconselhável que a reserva seja efectuada de véspera. Como bem prega frei Tomás..., não foi isso que fizemos (por ser já Setembro e fora do fim-de-semana) sujeitando-nos, por isso, a uma espera pela segunda rodada e a uma mesinha de ocasião conquistada a um dos cantos da sala. Mas valeu a pena!
Começou-se pela sopa do mar (8€), um irrepreensível caldo de peixes e mariscos bem temperado com calda de tomate e perfumado com raminho de hortelã. Servido dentro de um típico pão algarvio desprovido do miolo, termina com os sabores da açorda à medida que o caldo se vai impregnando no pão. Só por si, já a visita estava mais do que justificada.
Igualmente gulosos os camarões grelhados (10€) que se seguiram. Seis espécimes avantajados (250g), descascados e assados no calor do carvão, com um molho leve de manteiga, alho e um toque de malagueta. Mesmo bons.
Especialidade da casa são os palitos de atum (7,50€), da barriga, envoltos em polme com salsa. Fofos, enxutos e com um leve toque de limão a dar frescura que conjuga com a salada de feijão fradinho que os acompanha. Belíssima surpresa num conjunto de propostas para entradas que incluíam ainda mais duas sopas (de legumes/2,20€ e de peixe/3,80); conquilhas (8€); amêijoas (11€); gambas da costa (30€/kg); e lagosta (75€/kg).
Da lista de pratos do dia, provaram-se os pastéis de polvo (11,50€), uns pedacinhos das pontas do octópode envoltos numa massa de farinha, ovo, salsa e cebola, que é frita ao estilo das pataniscas ou dos bolinhos/pastéis de bacalhau. Outras das criações da casa, igualmente saborosa e que acompanha com um arroz caldoso de tomate, tal como os fresquíssimos filetes de pescada (11,50€) que se seguiram.
Degustou-se também o polvo entomatado (11,50€), uma das premiadas especialidades caseiras em concursos regionais de culinária. Três toços do bicho que denunciam ter refogado um pouco numa massa de tomate (coada) aromatizada com tomilho, que vem à mesa na companhia de puré de barata. Correcto, mas longe de deslumbrar e a destoar até da entusiástica satisfação com todas as restantes provas.
A roçar os céus a barriga de atum grelhado (10,50€), que atingiu o ponto máximo da satisfação. Produto de excelência (do Algarve), com suave passagem pelo calor do carvão, alho e salsa picadinhos, uma leve pincelada de gordura (manteiga?), a deixar a carne macia suculenta e a exumar de sabores. Uma real delícia!
Igualmente deliciosas, e certamente únicas, as sobremesas de confecção caseira. Provaram-se as farófias (2,70€) e uma deliciosa tarte de amêndoa (2,90€), mas a surpresa foi mesmo um enigmático (pelo nome) doce de vinagre (2,70€). Creme de ovos com grumos de leite (pelo choque séptico do vinagre), um toque aromático (aniz?) e surpreendente frescura a casar com a densidade e doçura dos ovos. Mesmo guloso!
Para além das especialidades provadas, a carta do dia propunha ainda posta de corvina grelhada ou cozida (45€/kg); dourada, robalo ou salmão grelhados (11€); bife de atum à Ideal (11€); bacalhau à Brás (10,50€); e linguado grelhado (50€/kg). Para os indefectíveis da carne, há também os inevitáveis bifes, secretos e carne de porco à portuguesa, costelas de borrego e um tornedó com pimenta, com preços a variar entre 11 e 14,50€.
Sem requintes de decoração ou outros formalismos, o Ideal é mesmo um espaço de boas comidas, de confecção esmerada, e utilizando sempre os melhores e mais genuínos produtos. A sala principal é capaz de acomodar aí uns 60 degustantes, havendo um segundo espaço que era o antigo terraço da modesta moradia onde se podem sentar mais umas 30/40 pessoas. Além de simpático e eficiente, o serviço é igualmente solícito e a dar confiança e conforto ao cliente.
Na lista de vinhos predominam as escolhas do Alentejo, de preços contidos e sem nomes sonantes. Numa casa onde mandam os peixes, há também alguns alvarinhos interessantes e a permitir boas opções, como foi o caso do seguríssimo Muros Antigos (15€), de Anselmo Mendes, que acompanhou na perfeição toda a refeição.
Além das saborosas comidas, o Ideal merece forte aplauso também pelo esforço e espírito de resistência para que o Algarve genuíno não se transforme apenas numa questão de memória. O ideal era mesmo que estes espaços nunca sucumbissem ao assédio do turismo de massas e muitos outros proliferassem por esse Algarve de raiz marinheira que teima em sobreviver.
- Nome
- Restaurante Ideal
- Local
- Tavira, Cabanas de Tavira, R. Infante Dom Henrique, 15
- Telefone
- 281370232
- Horarios
- Todos os dias das 12:00 às 15:00 e das 19:00 às 22:00
- Cozinha
- Trad. Portuguesa
- Espaço para fumadores
- Não