Fugas - restaurantes e bares

  • Paulo Barata
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Marlene parte à conquista da estrela Michelin

Por Alexandra Prado Coelho ,

O Avenue está no mesmo sítio, a Avenida da Liberdade, em Lisboa, e Marlene Vieira continua na cozinha. Parece que nada mudou, e, no entanto, desde Março que tudo mudou. O brasileiro Aguinaldo Silva comprou o restaurante e deu carta branca à chef. Sem medo de correr riscos, Marlene assume: “Estamos a trabalhar para a estrela.”

Marlene Vieira tinha no Avenue um cliente que costumava dizer-lhe que um dia ainda havia de comprar o restaurante. E foi dele que a chef se lembrou quando, no ano passado, decidiu que tinha chegado ao fim de uma fase na sua carreira e queria fazer uma cozinha diferente. “Mandei-lhe um cartão a dizer que ia sair do Avenue”, conta. 

Passaram-se semanas sem que houvesse uma reacção. Até que, já por altura do Natal, Marlene recebeu uma mensagem misteriosa: “Não saia já do Avenue.” Ela esperou, e, em Janeiro, o cliente anunciou a novidade: ia cumprir o que sempre dissera. Ia comprar o Avenue. Desde o início do ano que Aguinaldo Silva, famoso autor de novelas da Globo e proprietário de outros dois restaurantes em Lisboa, o(s) Brasileiríssimo(s) do Parque das Nações e da Avenida da Liberdade, é dono do Avenue. E Marlene lançou-se numa nova vida.

“Eu achava que o Avenue merecia mais do que a cozinha de conforto que fazíamos aqui. A própria Avenida [da Liberdade] merecia mais”, explica. Em Março, a carta mudou “radicalmente” e o restaurante passou a contar com o escanção Manuel Moreira como consultor. “Não se trata de um capricho de chef”, sublinha Marlene, “tudo isto é para nos ajudar a levar o Avenue a mais gente.”

Não esconde a ambição: conquistar uma estrela Michelin. “O cliente que aqui vem é o que procura os restaurantes estrelados. E nós queremos ser uma opção.” Há uma parte de ambição pessoal, admite. “Sendo mulher e sabendo a dificuldade que foi chegar até aqui, não posso ser hipócrita e dizer que a título pessoal não é importante. Mas é muito mais importante o Avenue passar a ter uma consistência em termos de [número de] clientes, e a estrela traz-nos isso.”

Seria fácil “ter o restaurante cheio apresentando uma carta com risoto ou massas”, mas Marlene decidiu optar “pelo caminho mais difícil”: “Quero fazer parte do grupo de chefs que levam a cozinha portuguesa além-fronteiras. O panorama nacional está morno — se vier mais uma estrela para Lisboa, e se, ainda por cima, for para uma mulher, serão um bom abanão.”

Sabe que já passou pelo restaurante um inspector da Michelin, mas por acaso, porque estava hospedado perto, e portanto não se tratou de uma visita oficial. “Mesmo assim, ele disse que foi a surpresa do Verão, e que voltaria. De qualquer forma, para o ano queremos chamá-los cá, até para tentarmos perceber o que nos falta.”

Desde que Aguinaldo Silva lhe deu carta branca para fazer o restaurante em que acredita, Marlene não tem parado, à procura dos melhores produtos, a investigar a cozinha portuguesa, a trabalhar nos pratos até estarem o mais próximos possível da perfeição. À mesa, onde estamos a conversar com a chef, chega um desses pratos emblemáticos desta nova fase do Avenue: ovos verdes. 

“A minha inspiração foram os ovos verdes tradicionais, que é um prato mais da zona de Lisboa, no Norte não se vê muito. Os ovos verdes normalmente são cozidos, recheados e fritos. O que é que se mantém aqui? O crocante [do crumble de pão], a cremosidade do ovo e o creme de agrião e espinafres, completamente verde e muito aromático”, descreve. 

Em vez de ser cozido, o ovo aqui é tratado a baixa temperatura. “Não é tanto o sabor que muda, é mais a textura. O ovo muda completamente com diferentes texturas. E usamos os espinafres porque é a altura deles, chegámos a tentar com beldroegas, mas não resultava tão bem.” Quando a colher fura o ovo, este espalha-se e mistura-se com o creme de espinafres, oferecendo um prato “muito guloso”, como a própria Marlene o descreve. 

Trabalho de equipa

Este é um bom exemplo do que Marlene pretende fazer aqui: “Pegar em Portugal, em produto português, e em algumas receitas portuguesas.” Para começar a refeição temos na mesa manteiga de ovelha com ervas, manteiga de torresmo, azeite de Trás-os-Montes e bolo do caco feito na casa. Chega depois uma tempura de legumes com maionese de coentros e alho e a seguir uma sardinha braseada com espuma de tomate e tomate assado (que só esteve na carta durante a época da sardinha). 

A mousse de fígados de pato com geleia de Madeira não é um prato tipicamente português, como lembra a chef, mas é servido com moelas de pato confitadas, a fazer recordar os pratos de “pipis” que se comem nas tascas. Regressamos depois a produtos portugueses, como o carabineiro do Algarve, que Marlene utiliza de uma forma muito original, sobre uma base de amêndoa verde também algarvia, com uma crosta brûlée, alho e aneto e um caldo feito com as cabeças dos carabineiros — tudo acompanhado por um rosé dos Lavradores de Feitoria. “Toda a gente adora este prato”, diz, sorrindo. “Foi criado em equipa, normalmente trabalhamos assim, eu defino a proteína que quero usar e depois andamos à volta a fazer experiências.”

Chega um prato de peixe: pregado ao vapor com ostras, fígado de tamboril, legumes e “um caldo terra-mar, à base de peixe e de pezinhos de porco”. E a acompanhar sempre um vinho escolhido por Manuel Moreira, neste caso um Royal Palmeira Loureiro 2010. 

Por fim, para encerrar os peixes, vem um salmonete (“vou tê-lo em Novembro, mas em Dezembro já é de arrastão e não está no seu melhor, por isso vou tirar da carta”), acompanhado por umas migas negras (tinta de choco) com um exterior crocante e um interior macio. 

“Fazemos as migas com pão alentejano, demolhado no caldo de peixe, depois escorrido e trabalhado como uma miga normal, com alho, azeite e coentros. Depois são moldadas a frio e coradas ligeiramente na frigideira. Ao lado vem um ar que é feito também com o caldo das espinhas mas que leva citronela, o que dá alguma frescura ao prato”, vai explicando Marlene.

O prato de carne é entrecôte de vaca maturada, com chips de raízes cruas, cebola caramelizada, cogumelos e maionese de alho. Aqui, a chef lamenta que ainda não tenha encontrado em Portugal a carne ideal. “Sou filha de talhantes e toda a vida comi carne maturada. Lembro-me até hoje do cheiro dessa carne que comia em criança. O problema é que a nossa carne é boa, mas não fazemos a maturação, e a carne de vaca não se pode comer verde. Os espanhóis, por exemplo, compram a carne portuguesa e fazem a maturação em Espanha.” Para este prato, “inspirado no bife com salada que comemos no Verão”, usa carne australiana, que vem acompanhada por gema trufada e uma maionese de alho negro. 

Para terminar, a chef dá-nos a provar duas excelentes sobremesas: papos de anjo com calda de maracujá, sorvete de maracujá, suspiro de iogurte e sorvete de iogurte; e chocolate negro com caramelo e flor de sal (mousse de chocolate desidratada, gelado pralinéfudge de caramelo salgado, parfait de chocolate e praliné de amêndoa e ainda chocolate areado).

É este o caminho que Marlene quer seguir, centrada em Portugal mas aberta a influências. “Tentamos fazer técnicas actuais que achamos que fazem sentido para cada prato e para o que queremos. Mas também usamos técnicas antigas — faço um molho para o leitão com pezinhos de porco, em que uso o barro preto, por exemplo.”

Não está preocupada com o facto de poder haver alguns ingredientes que não agradem aos clientes estrangeiros — até porque não é isso que tem acontecido. “Normalmente comem o menu de degustação. E surpreende-os o facto de fazermos uma cozinha de topo num restaurante normal, sem estrela Michelin nem nada.” Marlene está confiante. “Queremos trabalhar para a estrela, estamos a começar, e sabemos que há um longo caminho a percorrer.” Mas, trabalhando com calma e seriedade, um dia, acredita, haverá uma estrela a brilhar na Avenida.

Nome
Avenue
Local
Lisboa, São José, Avenida da Liberdade, 129B
Telefone
216017127
Horarios
Segunda a Sexta das 12:30 às 15:00 e das 19:30 às 23:00
Sábado das 12:30 às 15:00 e das 19:30 às 23:30
Sábado das 19:30 às 23:30
Website
http://www.avenue.pt/
Preço
50€
Cozinha
Autor
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