Fugas - restaurantes e bares

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Cantar de galo em Barcelos

Por José Augusto Moreira ,

Cozinha tradicional servida por produtos de qualidade genuína. Do bacalhau e peixes frescos aos assados de cabrito e anho em forno a lenha. Nem só com o galo se alimenta a tradição.

Na lenda, o galo é assado e levado à mesa do banquete senhorial e só na madrugada seguinte é que há-de cantar para salvar da forca o inocente peregrino que por ali passava a caminho de Compostela. A estória remonta ao período medieval, mas é ainda hoje comum os peregrinos atravessarem Barcelos rumo a Santiago, como muitos outros há que procuram a cidade só para se saciarem com galo assado, que se tornou no prato emblema do concelho. Sobretudo por altura do concurso anual promovido pelo município e no qual participam boa parte dos restaurantes locais, para gozo e satisfação da clientela.

Embora antigo, o meio século de vida do restaurante Casa dos Arcos deixa-o por enquanto fora do universo das lendas, mas bem pode justificar a deslocação pelos apurados pratos de cozinha regional que ali servem a par com algumas espécies marinhas que se anunciam como capturadas pelos pescadores da vizinha e pitoresca comunidade de Apúlia.

O contexto envolvente evoca a lenda e a antiga história da cidade. É nas imediações do restaurante que está a Colegiada ou Matriz, construída a partir do século XIII, na transição do estilo românico para o gótico. Mesmo ao lado, as ruínas do Paço dos Condes, o castelo apalaçado que teria servido de palco ao banquete da lenda, e ainda o belíssimo pelourinho de estilo gótico que termina em gaiola, uma graciosa lanterna lavrada em granito, e é no Museu Arqueológico da cidade que está o cruzeiro medieval em granito que completa a lenda. Terá sido esculpido pelo próprio peregrino salvo da forca, um galego que deixou à cidade uma peça única representando todos os elementos da lenda: o peregrino, o enforcado e o galo.

Mas não será preciso pretexto especial para se entrar na Casa dos Arcos, um vetusto edifício em granito, onde o restaurante ocupa todo o rés-do-chão e ainda o terraço traseiro. O interior foi remodelado com gosto e critério, criando um ambiente moderno e acolhedor, ao mesmo tempo que realça o contexto rústico das paredes e tectos do edifício. Mesas espaçadas e bem aparelhadas em três salas contíguas, sendo que em duas delas a luz é um tanto rarefeita e as cadeiras de costas baixas e mais apropriadas para esplanada. Sobre a mesa, no entanto, tudo bem, que é o que verdadeiramente conta.

A lista desdobra-se em vários capítulos: entradas; enchidos da avó; entradas do dia; sopas; saladas; marisco; peixes (bacalhau, do mar da Apúlia, e grelhados); carnes; e sobremesas. Entrou-se com cogumelos com castanhas (3€), costelinhas (3€) e uma fatia de bola à base de farinha milha e enchidos aos pedacinhos. Destacaram-se as costelinhas de porco, partidas em pequenos troços e cozidas na própria gordura, ao estilo dos rojões. Saborosas e bem afinadas. Provou-se também o presunto serrano (5€), de boa cura e envolvência gorda mas já um tanto seco, consequência do descuido no corte e conservação.

As propostas entradeiras acrescentam ainda: queijinho amanteigado (3,20€), ovinhos de codorniz com presunto (4,50€), polvinho salteado (7€), polvo à galega (7€), gambas à “gilho” (10€) e amêijoa à Bulhão Pato (9€). Alheira com grelos salteados (6€), chouriça de carne grelhada (6€) ou chouriça de cebola cozida (4€) preenchem as “entradas da avó”, enquanto as “entradas do dia” constam de tripinhas, moelas e pataniscas (3€).

Nas sopas (2/3€), a coisa anda do creme/sopa de legumes às papas de sarrabulho (no Inverno), chora de peixe e canja dourada (aos domingos).

Polvo como algodão

A proposta de camarões-tigre grelhados (65€/kg) preenche a oferta de “marisco”, que sugere ainda, por encomenda, sapateira recheada (17€/kg) e lavagante grelhado (60€/kg). “Do mar da Apúlia” veio o polvo de onde saíram os filetes (14€) de arrebatador sabor e textura. Polvo macio como algodão, polme de farinha milha e fritura correcta. Tudo com muito acerto e sabor.

Igualmente das águas do Atlântico as postas de pescada assada no forno (prato do dia/7€). Macia, suculenta e a soltar-se em lascas firmes, plenas de sabor e envolvência. Vai ao forno com cebola, pimento vermelho, batatinhas redondas e azeite. Acompanha também com um arroz branco ainda húmido de sabor irresistível. Produtos de eleição com a sabedoria das coisas simples!

Evidente qualidade do produto também no bacalhau no forno (12€), que é gratinado com puré e maionese e uma macia cama de grelos. Bacalhau de boa cura e sabor afinado, a deixar água na boca para as outras duas versões que são propostas: assado na brasa ou com broa e grelos.

Com a garantia “do mar da Apúlia”, é ainda proposto o arroz de robalo (15/30€, para meia ou dose completa); robalo à Bulhão Pato (15/30€); polvo no forno com azeite e alho (14/27€); e pescada em três variantes: cozida com todos (9/18€), à poveira (10/20€) ou em filetes (9/18€). Robalo, linguado, dourada, sargo e rodovalho são sugestões para “grelhados na brasa”, com os preços a variar entre 25 e 36€/kg.

Assados em forno a lenha

Não provamos o arroz de cabidela caseiro (9,50/19€), que asseguraram ser uma das mais requisitadas especialidades da casa, mas saímos convencidos com a pá de anho assada em forno a lenha (20€). Chega à mesa na assadeira de barro vidrado que vai ao forno, acompanhado com batatinha assada, grelos macios e viçosos e o tal arroz meio húmido que gulosamente se envolve com a gordura do assado. De capa tostada e carnes suculentas, rondou a perfeição e faltou apenas que a assadura pudesse ter sido um pouco mais lenta (menos calor) para a suprema consagração.

À cabidela de galinha junta-se a proposta de arroz de sarrabulho com rojões e enchidos (9,50/19€), enquanto os assados no forno se alargam ao “cabritinho pequeninho” (14/28€) e ao “nispo de vitela” (10/20€). Interessante a proposta de “vazia maturada (no osso 28 dias)” (12/24€), que se junta aos três bifes do lombo — grelhado, com cogumelos e com pimenta — (14€) que completam as propostas cárnicas.

Das rabanadas com frutos secos (3€), com molho marcado pela excessiva doçura, à interessante mousse de manga (2,75€), as sobremesas seguem o roteiro tradicional.

Bem tradicional e assertiva é a cozinha desta Casa dos Arcos, que à arte dos fogões associa produtos de qualidade. Com meio século de vida, o restaurante partiu há quase três anos para um novo ciclo da sua história, quando o casal Morais deixou o conhecido Camelo da Apúlia para assumir a gestão e a cozinha dos Arcos. A envolvência moderna conferida pela remodelação física combina agora na perfeição com a velha estrutura, uma cozinha de raiz tradicional e o critério na escolha dos produtos. Rodeado pela lenda, bem se pode dizer que este é um dos restaurantes que em Barcelos canta de galo.

Critério que é também evidente na carta de vinhos, com abrangência de regiões e propostas que fogem à tentação dos vinhos caros e de moda que por aí se vê em muitos sítios. Como exemplo o DoisPontoCinco Rufete de Vinhas Velhas (16€) , um interessante tinto da Beira Interior com a assinatura de Anselmo Mendes, ou o Passarela Reserva (12€), um Dão de múltiplas qualidades, que se envolveu na perfeição com pá de anho assada. Além de nem todos os vinhos que se vêem constarem da lista, não há também indicação de colheitas e parece haver também pouco cuidado com as temperaturas de serviço. E assim não há vinho que resista.

Em ambiente cordial e despachado o serviço vai no ritmo.

Nome
Casa dos Arcos
Local
Barcelos, Barcelos, Rua Duques Bragança, 185
Telefone
253826265
Horarios
Todos os dias das 12:00 às 15:30 e das 19:00 às 22:30
Website
https://pt-br.facebook.com/pages/Restaurante-Casa-dos-Arcos/139564689415929
Preço
15€
Cozinha
Trad. Portuguesa
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