Fugas - restaurantes e bares

  • Nuno Ferreira Santos
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Ofício de bem cozinhar

Por Fortunato da Câmara ,

As populares escadinhas da Calçada do Duque têm um novo motivo para serem percorridas. A meio da subida chega-se à Oficina do Duque, onde os pratos do jovem chef Rui Rebelo valem cada degrau da íngreme empreitada

É bom ver, na restauração, sangue novo pôr mãos à obra num momento adverso a negócios dentro do ramo. Um recanto da Calçada do Duque, em Lisboa, recebeu em Novembro ares de local vintage para cativar clientes urbanos através de uma ementa personalizada e com toques de irreverência concebida pelo chef Rui Rebelo. O recurso a produtos portugueses, tão em voga por estes tempos (nunca é tarde para se descobrir o próprio país), é uma das bandeiras agitadas pela casa, embora se verifique não ser propriamente um dogma, pois na lista podem encontrar-se ingredientes de outras paragens, com especial enfoque nos produtos de origem asiática. 

O menu é desde logo cativante nas opções propostas, que deixam transparecer um trabalho apurado na conjugação de sabores e também algum domínio de técnicas de cozinha recentes. Começar por um caldo verde com esferificação de chouriço e couve frita é um passo nessa direcção. A desconstrução de um prato afectivo com uma apresentação impressiva e lúdica da clássica rodela de chouriço. Se a ideia for dividir porções, a sardinha de conserva, água de agrião e pepino ácido presta-se à partilha. 

Nas carnes, o cachaço de porco com creme de tupinambo à Bulhão Pato pode ser um salto no escuro, ou a tentativa de glosar uma tradicional carne de porco com amêijoas. Na parte dos peixes pode sempre conhecer-se o sarrajão braseado com puré de raízes e soja perfumada, que mais não é que um tunídeo conhecido por "bonito", de cara feia e âmago suculento e rubro. A restante oferta compõe-se com mais dois ou três pratos em cada secção, o que, num espaço pequeno e recente como este, parece ser uma aposta sensata para se controlar a frescura e a qualidade final de cada prato. Revista a lista, é tempo de comprovar à mesa aquilo que no papel parecia saltar à vista. 

Entra-se para uma salinha onde se pode petiscar a partir das 18h, ou apenas fazer um compasso de espera antes de sermos conduzidos à mesa. Na sala principal, um dos lados é ocupado pela cozinha, com os vidros a fazerem dela uma espécie de aquário onde a brigada em labor oficinal prepara os pratos no meio do padrão xadrez que reveste as paredes. Não sendo um espaço propriamente acolhedor, há alguns apontamentos decorativos que se destacam. É o caso de uns candeeiros de secretária de aparência retro que estão empoleirados numa sanca a fazerem vénias sobre as mesas em pose cuidadosamente desalinhada. As cadeiras, apesar de terem costas e assento largos e os tons combinarem com os do sofá de parede forrado num padrão de acessórios de cozinha, fazem lembrar as das salas de reuniões dos hotéis, não sendo especialmente confortáveis. A tentativa de criar ambiente através da iluminação é anulada pela luz azul e fria que transborda da cozinha.

O serviço começou por ser acolhedor e prestativo, com a particularidade de ter que se pedir o pão, que não é posto na mesa de início para não ser imposto ao cliente (segundo a informação prestada). Uma medida rara que é de enaltecer. Chegou então o pão da casa, mas em parceria designada como "pão, miudezas e vinho do Porto" (1,50 euros/pessoa). Além do cestinho de pão vem atrelado um paté de fígados de aves, por sinal muito bom, mas que é pago por cabeça, o que não deixa de condicionar o simples pedido de pão, que não figura na lista a "solo".

Escolheram-se de imediato duas entradas da secção do cardápio "para beliscar a dois". Veio então o "frango, leite de cabra e lima kaffir" (6,50 euros), uma porção composta por três asas salteadas, depois de cozinhadas no leite com as folhas de kaffir (o fruto não é comestível ao natural devido à elevada acidez), em que a ave, de qualidade aparentemente fraca, não absorveu o sabor personalizado dos ingredientes envolvidos. A adornar, uma espuma onde a infusão da folhagem asiática no leite permitiu ter uma amostra gustativa dos aromas e sabores que se esperava encontrar na carne. 

Outra "beliscadela" partilhada foi a entrada de "vaca, choco e pão de hambúrguer" (9,50 euros), que mais não era do que seis micro-hambúrgueres, três de vaca e três de choco, servidos em pão branco e de tinta do molusco. A combinar com três molhos: de iogurte, de tinta marinha e um terceiro do tipo geleia de pimento com malagueta. Este último muito bem na ligação com a carne, já que o bom sabor do hambúrguerzinho de choco bastava-se a si mesmo.


E os copos?

O início prometia, apesar de algumas intermitências no serviço, que veio depois a revelar-se ligeiramente sobranceiro quando foi solicitada a troca dos copos de vinho. Em nome de uma suposta opção da casa do género "é o nosso estilo", tentaram convencer-nos da bondade de uns copos de pé curto com o fundo plano e as paredes em forma tubular estilo "tumbler médio" (como se diz na gíria barista), pois não havia outros. A solução para contornar esta gaffe foi mais disparatada, ao proporem decantar o vinho (um tinto jovem) num jarro de sangria para acelerar a oxigenação... Sem comentários. O tom ficou-se entre o simpático e o apático perante as nossas dúvidas.

A carta de vinhos, apesar de ser bastante restrita e apresentar apenas três itens a copo, até consegue ter alguns rótulos a bom preço e que fogem ao óbvio. Agora, propor um vinho de 35 euros na lista para o servir num copo bonitinho indicado para água é, no mínimo, decepcionante para um lugar descontraído mas com óbvias pretensões a conquistar o seu espaço. Pois ser simples não é de todo a mesma coisa que ser simplista. Uma falha sem redenção possível que não seja disponibilizar copos adequados. 

Em boa hora chegaram os pratos principais, com a "corvina, nabo e gengibre" (11 euros) a conseguir quase fazer eclipsar da nossa mente o patético episódio anterior. Duas tranches impecáveis na rigidez e frescura do peixe, acompanhadas por legumes salteados no ponto (curgete, cenoura, cebola roxa e branca), cortados em juliana e firmes ao trincar. A servir de base à composição, um saboroso e aveludado puré de nabo com pedacinhos avinagrados de gengibre a puxarem pelo contraste do conjunto.

O "borrego, couscous e hortelã" (11 euros) foi outra boa surpresa, com o lombinho a exibir confecção delicada e valorizado por um competente e sedoso molho de carne. Na vizinhança do prato, uma taça com os grãozinhos da sêmola embebidos num pujante molho de tomate e guarnecidos com legumes trazia no topo uma bola de gelado de menta. A irreverente antítese térmica dos dois acompanhamentos acabou por funcionar bem. Com o inesperado trava sabores do gelado a permitir ao palato ter vários recomeços gustativos sem se saturar, para usufruir da feliz trilogia entre o borrego, o couscous e a menta.

De grande nível foi o "rabo de boi, pêra rocha e chícharos" (13 euros). Uma vistosa porção de carne desfiada, suculenta e bem composta, com o puré do fruto a não se sobrepor pelo açúcar, mas sim a complementar o belo estufadinho de chícharos. Esta leguminosa resgatada do esquecimento no início do século pelo chef Aimé Barroyer quando chefiava o Pestana Palace acabou por ganhar um merecido estatuto de ingrediente seleccionado graças à subtileza do seu sabor e versatilidade de utilização. 

Nas sobremesas a fasquia mantém-se elevada, com as generosas doses a poderem ser divididas. A "gema de ovo, citrinos e açúcar" (6 euros) era uma espécie de mousse de leite-creme com caramelo, com a leveza de uma nuvem de espuma a fazer contraponto à gulosa calda de laranja xaroposa que a envolvia. O "chocolate, azeite e sal" (6,50 euros) eram os ingredientes de uma mousse robusta salpicada com biscoitos crocantes. No topo, cristais de sal acentuavam o lado negro evidenciado pela qualidade do chocolate, enquanto um fio de azeite aromatizado (com baunilha?) dava um toque lascivo que unia os elementos com inequívoca elegância.

Na qualidade da cozinha, onde se joga grande parte do sucesso de um restaurante, esta Oficina do Duque é chefiada por um oficiante de mãos dotadas no divino ofício de confortar os estômagos com prazer - e a preços mais que convidativos. As populares escadinhas onde a casa se encontra, e que tantas vezes o Duque de Cadaval calcorreou no passado ao sair do seu palácio vizinho, são, por isso, um bom augúrio futuro, para num percurso ascendente, degrau a degrau, se ir fazendo a sua história nesta zona boémia da cidade. Para a subida ser consistente talvez seja boa ideia alguns parâmetros do serviço deixarem o trajecto em ziguezague que foi visível: na época que se vive, o mercado é cada vez mais íngreme para se alcançar um sucesso duradouro.

Nome
Oficina do Duque
Local
Lisboa, Sacramento, Calçada do Duque, 43A
Telefone
210996354
Horarios
Segunda a Sábado das 19:00 às 22:30
Website
http://www.oficinadoduque.pt
Preço
15€
Cozinha
Portuguesa Contemporânea
Espaço para fumadores
Sim
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