A ideia parece óbvia. Bons produtos fazem um bom restaurante. O desafio do novo Pimenta Rosa é fazer esta equação resultar em Campo de Ourique, um bairro onde há muitos espaços para se ser feliz à mesa.
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Imagino que abrir um restaurante em Campo de Ourique constitua um desafio com doses iguais de optimismo e preocupação. Por um lado, está-se num bairro estimulante e onde o comércio local é dinâmico, o que motiva as pessoas a virem de outras partes da cidade para ali fazerem compras ou a marcarem encontro para refeições, sejam elas de trabalho ou lazer. O reverso disto é que, decorrente da localização privilegiada, existe concorrência feroz nas redondezas, vinda de restaurantes com estilos diversos, mas que são uma espécie de instituições da zona devido à sua consistência, que é correspondida pela fidelidade dos clientes.
É nestas águas competitivamente povoadas que o restaurante Pimenta Rosa tem de traçar o azimute para conquistar os "seus" clientes. Apesar de nas imediações existirem conceitos para todos os gostos e bolsas, nem tudo serve para se sobreviver por aqui. A prova é que o local onde há meia dúzia de meses o espaço abriu portas era a morada de uma casa especializada em bifes - pelo desfecho, parece que nem tudo foram rosas neste mar de propostas. Este Pimenta Rosa vem na sequência de uma loja de produtos seleccionados de origem portuguesa que os proprietários têm desde 2008 numa rua paralela à do restaurante.
Alguns dos produtos disponíveis na loja estão igualmente expostos numa pequena estante da sala de refeições. O espaço divide-se ainda por uma pequena esplanada e a zona privada no piso inferior onde podem comer oito pessoas numa mesa de cariz familiar. A decoração é sibilina, com apontamentos do já fastidioso estilo retro-chique e vintage, mas também simbólica, onde se misturam símbolos religiosos com ícones irreverentes. A ementa vai no sentido oposto, com sugestões certinhas sob o chapéu de cozinha tradicional portuguesa para tentar agradar aos públicos que por ali convergem.
Na lista podem encontrar-se opções variadas, como por exemplo bacalhau na grelha, folhado de camarão, moelas estufadas à antiga, coelho frito em vinho tinto, entrecosto na frigideira com farinheira ou fígados de aves mergulhados em vinho do Porto. A fugir ao tradicional português há pimentos de padron, risotto de cogumelos selvagens com camarão, caril de frutas ou lasanha. No entanto, a oferta é mais extensa, dado que os pratos sugeridos rodam com frequência.
Para começar com um produto sazonal pediu-se o "creme de tomate com ovo de codorniz e presunto esfarrapado" (4,50 euros), com o suposto "cremoso" a mostrar-se mais para o "polposo" num puré desligado e pouco saborido que vinha pouco mais que morno (ou quente ou frio seria mais interessante). Sentia-se que o fruto estava espevitado com açúcar mas não o suficiente para dissimular a sua inesperada fraca qualidade (e se este ano tem havido tomate excelente...). Umas tirinhas de presunto (tipo juliana) a fazerem os "farrapos" vinham já misturadas no puré tomateiro sem possibilidade de se lhe aferir bem a qualidade. A gracinha do conjunto era o mini-ovinho escalfado lá no meio, ainda a tremelicar com a gema crua no interior.
Quentes e boas vieram as rodelas de "morcela da Guarda com laranja" (6,50 euros), parca em cominhos mas de grande qualidade, com algumas rodelas de laranja a fazerem o contraponto de sabores, e bagas esmagadas da epónima pimenta rosa a salpicarem (mais que o nome da casa) a fruta e o enchido com um ligeiro exotismo aromático. Dos petiscos frios, despertou interesse o "paio de porco bísaro" (5,50 euros), que desde logo merece ser notado o facto de não alinharem apenas no facilitismo do porco "preto" alentejano (que também consta da lista). Boa sugestão, portanto, deste enchido incomum por terras do Sul a mostrar-se fumado com tempo e de resultado uniforme, cortado finamente e num ponto de sal que o tornava guloso, e que revelou o sabor delicado deste porcino transmontano de grande valia.
Nos pratos principais, o "caril de gambas" (15 euros) tinha a indicação de ser uma especialidade da casa. Não desmerece o título, pois as especiarias e os condimentos que deram origem a esta mistura de caril eram muito bons, tendo a competente confecção revelado os princípios essenciais deste prato que pretende ser (e foi) a conjugação harmoniosa entre ácido, doce, amargo e salgado. Veio num tachinho, guarnecido com uma porção generosa de gambas (al dente) e acompanhado por um arroz basmati de grande qualidade. As "pataniscas de bacalhau" (13 euros) vieram em quinteto, fofas como prometia uma nota de rodapé na ementa, planas e de fritura cabal, saborosas no tempero com salsa e cebola, mas avarentas de bacalhau - as lascas eram quase episódicas.
O arroz de feijão veio habilmente temperado com cominhos - que, além da mais-valia de sabor que acrescenta, ainda facilita a digestão da leguminosa. O problema esteve na utilização de um bago redondo do mesmo tipo dos que se usam nos risotti, cujo resultado foi infeliz pois estava espapaçado, mas com o interior ligeiramente resistente ao dente. No "folhado de caça" (14 euros) constatou-se de imediato o crocante da massa folhada, reluzente e bem cozida, a dar guarida ao recheio húmido de um molho agradável e de suave toque picante, onde o predomínio de lascas de pato roubou a cena à perdiz, que se sentia apenas a espaços. Uma porção do excelente arroz basmati e um misto de legumes salteados (curgete, cenoura, couve), cortados em "juliana".
Comida de qualidade
Alguns "buracos" na carta de sobremesas fizeram a escolha dirigir-se para a muito boa "delícia de chocolate" (4,50 euros), com a consistência de uma ganache (mistura de natas com chocolate) sólida e um subtil sabor a caramelo, mas sem que fosse perceptível o esperado sabor a pimenta rosa. A "tarte de requeijão" (4,50 euros) estava massuda e enqueijada de forma irregular, a sentir-se a intensidade do queijo na metade inferior da fatia, mas com a parte superior a estar seca e com notas gustativas que lembravam erva-doce. Bem interessante era a "mousse de framboesa" (4,50 euros), de textura cremosa e agradável dada a ausência de sementes das bagas (o que é mais cómodo), a que só faltou um pouco mais de frio para estar perfeita.
A carta de vinhos é parca em opções (algumas até estão riscadas) e com um raio de preços que começa num Barca Velha 2004 a trezentos e muitos euros, até umas escassas sugestões abaixo dos vinte euros, afunilando as decisões dos que se quiserem conter neste capítulo. Temperatura adequada de acordo com o tipo de vinho e realce para a categoria de serviço de copos. Os dois elementos da equipa de sala actuam com profissionalismo e eficácia, embora o estilo seja no mínimo invulgar. Um é quase seráfico, com pequenas deslocações às mesas e sem articular uma palavra; o outro tem um registo esfíngico, não se percebendo se o objectivo é manter alguma distância dos clientes ou se está inseguro pelo desempenho da função.
Talvez a ideia de abrir este Pimenta Rosa tenha sido alicerçada num conceito idílico do tipo: "num mundo cor-de-rosa", havendo bons produtos consegue ter-se um bom restaurante. Em parte este raciocínio está correcto - certamente apoiado na mercearia homónima -, pode é não ser tão linear quanto parece. Bons produtos contribuem para uma boa cozinha (se não os "estragarem"), mas um bom restaurante faz-se com mais matéria e outras variáveis. A qualidade da cozinha é o elemento primordial, depois vem o serviço, o preço, o ambiente e a localização, cada um com ponderações distintas, claro.
Por aqui a comida é de qualidade, embora precise de alguns ajustes para ser mais impressiva e, quiçá, apimentar a memória dos clientes. O serviço deixa um registo anódino e pouco cativante ao regresso. A nivelação do preço em preparações tão distintas como o "creme de tomate" ter o mesmo valor de um "creme de mariscos", ou cinco "pataniscas de bacalhau" custarem pouco menos que um generoso "folhado de caça" são opções legítimas de negócio mas que podem interferir na conta e distorcer a relação qualidade-felicidade-preço, uma espécie de triângulo invisível que influencia a decisão de voltar. A decoração é moderna e pensada, enquanto a localização não podia ser mais valiosa.
Muitas vezes estão reunidos parte dos ingredientes que podem fazer o sucesso de um restaurante, só que as marés nem sempre dão folga para se entrar em velocidade-cruzeiro, sobretudo quando há "tubarões" a concorrerem na vizinhança. Este Pimenta Rosa só tem de rectificar temperos para manter o seu conceito em águas tranquilas.
Nome
Pimenta Rosa
Local
Lisboa, Santo Condestável, Rua Tomás da Anunciação, 9B
Telefone
213904621
Horarios
Terça a Sábado das 12:30 às 15:00 e das 20:00 às 23:00
Domingo das 12:30 às 15:00