Fugas - restaurantes e bares

  • Chef Manuela Cerca
    Chef Manuela Cerca Manuel Roberto
  • restaurante Casas de Bragal
    restaurante Casas de Bragal Manuel Roberto
  • restaurante Casas de Bragal
    restaurante Casas de Bragal Manuel Roberto
  • restaurante Casas de Bragal
    restaurante Casas de Bragal Manuel Roberto
  • ochechas de porco preto com reducao de vinho tinto
    ochechas de porco preto com reducao de vinho tinto Manuel Roberto
  • Salada de Beterraba
    Salada de Beterraba Manuel Roberto
  • Caixinha de Cogumelos
    Caixinha de Cogumelos Manuel Roberto
  • sobremesa
    sobremesa Manuel Roberto

Menos bragal na casa, o mesmo sabor na mesa

Por Fortunato da Câmara ,

Desde os princípios do século que estava escondido nos arredores da Guarda e era um segredo apetecível de descobrir. Volvida uma década, o restaurante Casas do Bragal desceu da montanha e moveu--se ao encontro dos clientes com Coimbra no horizonte.

No início do século XXI João Bragal de Baixo era uma aldeia beirã desconhecida e abandonada. Foi por esta altura que surgiu o restaurante Casas do Bragal, dando uma segunda vida às pedras inertes que já avistavam o definhamento. A novidade foi a bóia de salvação que adiou um epílogo que parecia há muito estar escrito e seria no futuro a âncora para acrescentar outras vidas à aldeia, através do turismo rural e de actividades ligadas à natureza. Eis senão quando os proprietários Manuela Cerca e Eugénio Martins decidiram fechar portas em meados de 2011. A crise parece ter adiado o projecto, mas não lhes matou o sonho...

Felizmente, os anfitriões decidiram não chorar sobre as pedras de granito ou filosofar acerca da erosão do negócio e comandaram a vida até Coimbra, que se revelou ser uma lição a reter para fugir às agruras do destino. O restaurante Casas do Bragal reabriu em Fevereiro de 2012 para deleite dos clientes fiéis que foi alcançando durante quase uma década. Agora em morada coimbrã, numa localização estudada na cidade onde foram estudantes e que certamente lhes permite estarem mais perto de clientes do Norte e do Sul.

Igualmente alojado numa zona recôndita, tal como acontecia antes, o novo espaço fica a montante da cidade, numa urbanização de moradias que trepam encosta acima. A construção térrea com estacionamento privado e arborização em redor ajuda a criar um ambiente tranquilo que aguçará as expectativas dos estreantes mas deixará órfãos os clientes da aldeia egitaniense. As instalações de João Bragal de Baixo, além da grande qualidade geral que tinham, eram um refúgio idílico onde se podia relaxar com a simples contemplação dos cavalos num prado viçoso.

Aqui sente-se o esforço em recriar a mesma atmosfera através da criteriosa selecção musical, na biblioteca de ênfase gastronómica escolhida a dedo e nos jornais e revistas da semana. No entanto, parece que a chegada foi de supetão, com as peças do antigo éden a tentarem encaixar a custo num "fato" que anteriormente havia sido de um restaurante brasileiro de churrasco. A estética datada do edifício (sem remodelações) não incomoda. Mais visível é o desgaste das cadeiras que mobilam o amplo salão e o improviso no aparelhamento dos lavabos - aspectos que se espera que possam ser melhorados.

É que a aposta ao nível da qualidade da carta, e consequentemente de preços, mantém a bitola elevada. Pratos de caça, outros de cozinha tradicional portuguesa, ainda algumas preparações com cogumelos frescos variados e receitas de autor que ajudaram a casa a firmar créditos e que compõem um menu não muito extenso mas diversificado e que começa habitualmente com as "coisinhas boas" (5 euros).

Um conjunto de acepipes onde o pão e as azeitonas - ambos de qualidade banal - estão sempre presentes. Depois surgem diversos petiscos elaborados de acordo com o mercado e a inspiração da cozinha onde oficia Manuela Cerca, juntamente com José Teixeira Bastos. Numa das visitas havia uma agradável salada de peixe com maionese, onde se distinguiam pedacinhos de atum, uma muito boa cabeça de xara com as carnes bem temperadas dentro do vitral gelatinoso e destaque ainda para uns cogumelos marron (variedade de paris) sabiamente gratinados inteiros, sem perderem sucos nem a consistência do chapéu.

A segunda prova das "coisinhas boas" foi menos interessante. Em comum com a primeira veio uma boa salada de beterraba fresca. Seguiram-se uns folhadinhos corriqueiros de queijo e fiambre, um pratinho de dobrada com feijão branco com um toque picante mas puxada ao sal acima do razoável, e uns rojões com castanhas, que estavam secos e com algumas partes queimadas. Brilharam nesta mediania as caixinhas de cogumelos feitas com uma espécie de massa tenra crocante, moldada como se fosse uma queijada, só que preenchida com um picadinho guloso de cogumelos.

Maomé vai à montanha
O serviço divide-se entre uma jovem empregada de sala, por vezes um pouco insegura mas de desempenho correcto e trato simpático, e o proprietário, que veste a pele de anfitrião. A sua abordagem sui generis é apaixonada e agradável, no entanto o seu afã para que a visita seja uma experiência, tentando estabelecer ritmos e cadências de serviço, pode ser recebida de formas díspares consoante o estado de espírito de cada cliente.

Boa carta de vinhos, com referências de qualidade e uma gama alargada de espumantes portugueses, assumida na lista com um protesto escrito acerca do preço do champanhe. O facto é que, mesmo nas propostas nacionais, há mais especulação do que bons negócios, embora estes lá se encontrem. Os copos são de qualidade e as temperaturas de serviço seguidas com preceito. Parco em escolhas é o serviço a copo, que se fica apenas por duas opções (branco e tinto), de gamas baixas e valor exagerado (4 euros/copo). Nota de mérito para a existência de uma rara carta de águas, onde pontifica a não menos rara água Magnificat (com gás) dos Açores, entre outras referências premium nacionais e estrangeiras de várias latitudes.

Dando sequência às provas, experimentou-se o "bacalhau com cebolada de Porto vintage" (20 euros), um prato que ganhou o estatuto de clássico da casa. Era uma senhora posta, um muro bacalhoeiro (se estivéssemos no Porto), com cebola em rodelas abundantes estufadas num molho rico, talvez com outros componentes vínicos além do vintage, pois a doçura do fortificado estava discreta para a nobreza de perfil que lhe é habitual. Ainda assim, a demolha perfeita do naco colossal deixou-se emparceirar tranquilamente no carácter do molho abeberado por batatinhas novas cozidas com pele e a ter contraditório à doçura nuns qualificados grelos salteados. Nos "filetes de peixe-galo com açorda de ovas" (20 euros) chegaram à mesa três porções do peixinho com frescura e fritura cabais. Parcimónia no uso de alho e equilíbrio na textura do pão foram os detalhes que fizeram a diferença na excelente açorda, generosamente guarnecida com pedacinhos das ovas.

Com o sabor intenso que se espera, a "lebre com feijoca" (22 euros) pedia, e bem, um estufado avinhado para lhe acentuar o cariz selvagem, o que se verificou com prazer, embora algumas partes estivessem um pouco secas. A leguminosa larga e branca de qualidade regular que fazia a guarnição agradeceu a personalidade da molhança resultante do cozinhado. No "risotto de cantarelos com vitela arouquesa" (20 euros), a carne apresentou-se em travessa própria sob a forma de dois paralelepípedos tamanhinhos de corte rectilíneo, mas muito saborosos e cozinhados a meio-termo. O arroz trazia outras variedades de cogumelos além do chantarellus, embora estes predominassem num conjunto rico e de sabor envolvente, com um toque cirúrgico de queijo que não abafava os fungos carnudos. Aquém do esperado ficou a qualidade do arroz. Visualmente parecia ser uma mistura de bagos para risotto onde ressaltava a discrepância de tamanhos e formas de cada grão, sem no entanto influenciar o resultado final do prato.

Do "buffet de sobremesas" (6 euros/pessoa) recolheram-se oito guloseimas diferentes em duas ocasiões dispersas. Um pudim de ovos de feitura competente e sabor regular, com o topo a rescender a canela; havia uma tigelada beirã de bom nível e umas tão invulgares quanto deliciosas mousses: uma de frutos secos e outra de café. Canónica mas igualmente de qualidade era a mousse de chocolate. Menos conseguidas estavam as farófias, pouco volumosas e com o molho aguado, e pobre em gemas. Um arroz doce cremoso e alvo, por não levar ovos, foi outra gulodice estimável. A rebentar a escala do prazer gustativo estava a aletria dourada, em que a preparação clássica (ao estilo do arroz doce) foi substituída por uma copiosa dose de gemas e calda de açúcar em ligação com os fios da massinha deste doce incomum. Um regalo para gulosos.

Aplicando a máxima "Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé", veio o restaurante Casas do Bragal das faldas da serra da Estrela até aos seus clientes. O requintado bragal a que nos haviam habituado tem agora um enxoval mais acanhado nesta nova casa. Felizmente, os predicados que colocaram este restaurante entre os melhores parecem estar intactos. Tirando um ou outro percalço, louve-se a coragem de mudarem de poiso e resistir, quando o mais fácil seria ficarem até definhar. Esta vinda para Coimbra é uma lição!

Nome
Casas do Bragal
Local
Coimbra, Santo António dos Olivais, Rua Damião de Góis - Urbanização de Tamonte
Telefone
239717814
Horarios
Domingo, Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 12:30 às 15:30 e das 20:00 às 23:30
Cozinha
Trad. Portuguesa
Espaço para fumadores
Sim
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