Fugas - restaurantes e bares

  • José Sarmento Matos
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Restaurante de bairro onde cabe o mundo inteiro

Por Fortunato da Câmara ,

Em Linda-a-Velha há um restaurante que parece ser um segredo mal guardado. Tem muitos clientes habitués mas na realidade é um espaço pouco conhecido. O facto é que o esforço de Carla e Cesare para o manter assim acolhedor e familiar merece inteiramente a visita.

Anichado por debaixo de uma varanda incaracterística, num cruzamento de ruelas interiores de Linda-a-Velha, passa certamente anónimo aos olhares de muitos dos que cruzam diariamente a Avenida Tomás Ribeiro, uma das vias principais da freguesia e que fica à distância de um olhar da entrada do Restaurante Jacó.

É um local com o típico perfil de restaurante de bairro. Decoração castiça e serviço familiar, durante a semana tem dois pratos do dia, um de peixe e outro de carne, que complementam a lista fixa. É na forma personalizada como a ementa está composta, sobretudo ao nível dos pratos do dia, que se começa a descobrir a identidade desta casa peculiar que leva o seu mister além daquilo que é expectável.

Nas opções diárias há variedade quanto baste para lá se ir durante dois meses, segundo informação recolhida, sem se correr o risco de repetir nenhum prato. Das últimas semanas captei um leque de propostas abrangentes que vão desde a culinária caseira até pratos internacionais, passando por especialidades regionais. Nos peixes pode encontrar-se uma arrozada de amêijoas, um gratinado de atum, o magusto com bacalhau assado, uma ribatejana massa à "barrão" ou uns filetes de polvo com açorda de tomate. Pelas carnes há sugestões além-fronteiras no ossobuco à milanesa ou no franguinho ao cognac, mas também se pode experimentar um empadão de alheira de caça, rabo de boi com feijão ou javali estufado.

O copioso acervo de pratos do dia é executado por Carla, uma angolana graciosa de tempero bem português e espírito inventivo que lhe permite ir acrescentando sugestões ao extenso repertório culinário. A frente da casa está a cargo do seu marido, o italiano Cesare, que aparenta um ar circunspecto e profissional, mas que no entanto é possuidor de um sentido de humor refinado e um sorriso franco que se vai descobrindo aos poucos. O casal lançou-se nesta aventura há cerca de treze anos, fazendo do Jacó uma extensão da sala de visitas de sua casa e criando um ambiente amigável onde se sente um à-vontade genuíno dos clientes.

A decoração é mais a puxar para o típico, com um telheiro dentro da sala, elementos de caça e as paredes forradas a meio altura com tábuas irregulares em tom escuro. O maior impacto vem das centenas de molduras simétricas que povoam o espaço livre. Aqui, ao contrário do que acontece em alguns lugares de gosto duvidoso, são retratos de clientes habituais e não de figuras públicas de passagem efémera. A avaliar pela profusão de quadradinhos com imagens, percebe-se que estamos perante um lugar que já tem uma clientela alargada. No fundo é uma espécie de segredo partilhado por muitos, mas ainda assim conhecido de poucos.

A gravatinha

É tempo de passar para a mesa e experimentar uma boa "terrina de orelha de porco fumada" (3,50 euros) com ervinhas aromáticas a perfumarem o envolvimento gelatinoso onde estavam incrustados os pedacinhos de carne. Nos "cogumelos grelhados" (4,50 euros) evidenciou-se a qualidade das fatias do fungo, grelhadas a preceito sem perderem demasiados sucos e mantendo-se carnudas, temperadas com azeite de categoria superior. Para barrar em bom pão (2,20 euros), pode surgir um agradável "paté de queijo e ervas" (3,30 euros) ou um "paté de cépes" (3,50 euros), que, após perder o frio inicial ao chegar à mesa, revelou todo o aroma e sabor que se espera destes excelentes cogumelos. De índole italiana são as "lascas de Parmesão com tomate seco" (6 euros), com os fragmentos episódicos do tomate a terem um papel quase decorativo, indo todo o protagonismo para o excelente queijo com 24 meses de cura.
 
Na ementa fixa havia diversas hipóteses de escolha: bacalhau à Brás, açorda de ovas com gambas, tiras de novilho com batata de grelha ou costeletinhas de borrego grelhadas. A escolha recaiu sobre o "caril de caranguejo à indiana" (13,50 euros), com quatro pedaços generosos a serem servidos num tachinho, imersos num caril de mistura superlativa e sabor divino e que quase dispensava a guarnição de arroz. O contra é ser pouco prático (para não dizer impraticável) de se comer sem usar as mãos. Ainda assim, a descontracção com que a ecléctica clientela o saboreia "à mão" sublinha mais uma vez o cariz familiar da casa.
 
Das sugestões do dia saboreou-se com agrado a interessante e peculiar "raia escondida" (9,90 euros), com meia "asa" do peixe a ser colocada numa assadeira de barro com um pouco de cebolada, para depois ser coberta de puré de batata e ser terminada com um picadinho de ovo cozido e azeitonas. O forno faz o resto, com a posta a cozer na perfeição dentro do puré. De boa memória foi também a "sopa de tomate com bacalhau" (9,90 euros) ao estilo alentejano, com um caldo oloroso e resplandecente a preencher uma panelinha onde vinham duas postas de bacalhau de óptima cura e melhor demolha.
 
Em matéria de carnes, o "novilho avinhado com beterraba" (9,90 euros) fazia lembrar um boeuf bourguignon, com o molho escuro do estufado a ser interrompido no seu sabor vínico pela doçura dos cubinhos de beterraba, havendo no entanto um outro contraponto de sabores nas migas de batata com couve avinagrada q.b. Igualmente boa opção foi a "gravatinha de porco" (9,90 euros), designação curiosa dada ao lombinho porcino aberto em livro para ser grelhado e depois temperado com alho e azeite. As migas de chouriço de porco preto, farinheira e couves que acompanhavam a "gravatinha" eram um poderoso fato que valia por outro prato.
 
Para toda esta panóplia de sabores há uma carta de vinhos pouco extensa e sem indicação de datas, mas a preços avantajados, sendo difícil evitar que a conta estique. Outro senão é a escassa oferta de brancos em relação aos tintos, onde a região Douro domina registando mesmo alguns itens de topo. Nos copos e nas temperaturas de serviço nada a apontar. No entanto, acho que a carta podia ser melhorada ao nível de preços com a inclusão de mais opções nas gamas médias.
 
Algo que é de enaltecer com entusiasmo é a possibilidade de se experimentar, mediante pedido, alguns dos cerca de quinze azeites de topo portugueses de várias regiões que estão alinhados num pequeno parapeito junto às mesas. Nota-se uma preocupação com detalhes - como os pequenos sinos colocados em cada mesa com um galo de Barcelos a fazer de pega, com os quais se pode chamar o eficiente senhor Cesare. Há até pormenores curiosos, como as inscrições divertidas que se podem ler numa simples ida aos lavabos ou uma espécie de martelo gigante onde está inscrito: "livro de reclamações".
 
Enfim, um conjunto de detalhes que ajudam a tornar a experiência mais interessante, isto além da qualidade inegável dos pratos, que é igualmente sucedida nas sobremesas. Um bom exemplo é a deliciosa "mousse "pedra" de chocolate com nozes" (4,50 euros), apropriadamente baptizada devido ao aspecto denso e compacto da porção que é servida, a remeter para a imagem de uma pedra-pomes. Surpreendente é a "pêra encharcada" (4,50 euros), que em vez de vinho é cozinhada com delicadeza numa calda de laranja, que se revelou ser uma ligação perfeita e de grande elegância. As "castanhas suadas" (4,50 euros) são também cozinhadas numa calda, mas neste caso de citrinos, sendo depois regadas com chocolate. Aqui o resultado final da ligação de todos os elementos não é consensual, sendo no entanto uma forma incomum e válida de servir castanhas.
 
Este Jacó é uma morada a ter em conta, mas sem se descurar a conta, pois se os pratos do dia custam, em geral, 9,90 euros rapidamente se pode ultrapassar o dobro da adição. Sem prejuízo para a preocupação notória que existe em fazer as coisas bem e ao mesmo tempo acrescentar-lhes personalidade.
 
Diga-se, aliás, que o nome Jacó foi herdado da anterior gerência do espaço e, apesar de a designação em hebraico ser por vezes associada à expressão "aquele que segura o calcanhar", não me pareceu que existissem aqui as vulnerabilidades de Aquiles. O ponto fraco fica do lado do cliente quando no final da refeição for surpreendido por uma notável carta de whiskies de malte com cerca de sessenta referências. Cabem ali os premium escoceses, japoneses e até um inesperado single malt da República Checa. E esta, hein?!
Nome
Jacó
Local
Oeiras, Linda-a-Velha, Rua Rangel de Lima, 2
Telefone
214195298
Horarios
Segunda-feira, Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 12:30 às 15:30 e das 19:30 às 22:30
Website
http://www.restaurantejaco.com
Preço
25€
Cozinha
Trad. Portuguesa
Espaço para fumadores
Não
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