Da histórica livraria Fernando Machado, nasceu uma livraria do século XXI. No Porto, a Livraria da Baixa é também bar e casa livros com cocktails, finos, vinho ou sangrias. Entre páginas, há também petiscos, saladas, queijos e muito mais. Objectivo: ser uma "livraria de charme".
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Os turistas passam em vai-e-vem, sobem e descem a rua a dois passos da Torre dos Clérigos. Neste início de noite de sábado, os chuviscos não desencorajam a ocupação da vistosa (e robusta) esplanada (mesas e cadeiras de ferro, almofadas cor de mostarda), que em breve será coberta e aquecida. Não fora esta esplanada, poderia passar despercebida a nova Livraria da Baixa porque na fachada é a memória intocada da vida anterior que se guarda: a madeira escura trabalhada é moldura das montras e porta sobre as quais ainda se lê Fernando Machado, livros, nacionais, estrangeiros, cada qual no seu encaixe. Esta era a livraria do século XX (fundada em 1922); a Livraria da Baixa "é uma livraria do século XXI", afirma Rui Guerra, o novo proprietário. E esta inclui livros, sim, mas também bebidas, petiscos e música. É uma "livraria-bar" ou uma "livraria de charme", aventa o mentor.
Tudo o que se pôde manter, manteve-se e quando entramos os olhos enchem-se com as estantes antigas, já não carregadas de livros (estes dividem espaço com garrafas de vinho, chás e chaleiras) e descobrem os tectos pintados recuperados, caminhamos sobre as velhas tábuas e olhamos os mesmos espelhos.
A pequena sala recebe-nos com um balcão, no centro - também escaparate para jornais, revistas, à disposição de quem entra -, e o espaço completa-se com duas mesas, iguais às da esplanada para se expandir para o andar de cima, outra pequena sala, duas janelas para a rua: mesas quadradas com tampo de mármore, cadeiras antigas recuperadas, um sofá a acompanhar a parede, uma estante que veio do andar de baixo e foi pintada à cor desta sala (verde seco), um candeeiro "aranha" vintage (vindo do quarto do proprietário) e porções de parede espelhadas a ampliarem o espaço onde se respira algo dos velhos cafés literários.
As outras paredes estão vazias, esperam por quem deseje ali expor obras. É uma das ambições de Rui Guerra que, sem qualquer experiência na restauração ou em livrarias, sonhou a Livraria da Baixa quando se apaixonou pelo espaço e abriu a caixa de memórias e experiências que as suas viagens lhe proporcionaram.
Este advogado, que não dispensa várias "viagens curtas" por ano, com preferência para países escandinavos, sempre teve predilecção por "espaços muito cuidados, com montras chamativas, mobiliário bem tratado, bolos...". "Quando passo por este tipo de sítios tomo sempre nota mental para voltar e tomar o pequeno-almoço, um café ou um chá. E faço-o", conta. Quis recriar isso aqui. Há vagas que chegam e saem da Livraria da Baixa. Ora está cheio, ora bastante transitável.
Há quem se detenha nas montras (arranjos de plantas, um sapo de Rafael Bordalo Pinheiro e "ilhas" de livros"); há quem pare à porta a ver o quadro de lousa onde se escreve a giz as sugestões da casa. Não é um restaurante esta livraria-bar que se quer tornar uma encruzilhada para o bookcrossing: os livros, muitos deles usados, que se exibem nas estantes são para isso mesmo - para serem levados em troca de outros; depois, há muitas edições novas, sobre o Porto e o Douro, os temas principais da livraria-bar, alguns em edições também em inglês e espanhol; mas não faltam sugestões no menu desta livraria, que abre de manhã (às 10h) e segue dia fora até a noite ir alta (2h). Começa com pequenos-almoços, passa pelos almoços, lanches, jantares e pode terminar numa ceia.
Não foi fácil concretizar este sonho, explica Rui Guerra. Tudo começou em Dezembro do ano passado e levou muitos meses de obras até à abertura, a 4 de Outubro. Não havia canalizações, mas chovia cá dentro, o andar de cima estava quase em ruínas... E como é um imóvel classificado, a burocracia para as intervenções foi quase desesperante ("se não fosse advogado estava com depressão"). O entusiasmo visível de Rui Guerra diz-nos que tudo valeu a pena.
Agora, a Livraria da Baixa quer tornar-se um espaço de referência na Baixa portuense e, para tal, não poupa esforços: abre todos os dias. À semana empenha-se em cultivar os fins de tarde; ao fim-de-semana pisca os olhos às famílias (um dos projectos é receber workshops para crianças). Hoje é sábado, a noite está a começar e a música transborda para a rua. Ainda estamos com playlist, porém mais tarde entrará DJ (Sininho ou Chica Campos) - é sempre assim às sextas e sábados. No resto da semana, a música é mais calma durante o dia (com bastante portuguesa, fado incluída, até para responder ao interesse dos muitos turistas), para subir ao rock pelas noites. Como tudo na livraria-bar, anda ao ritmo do dia.
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De livros...
Por vontade de Rui Guerra, as mesas da Livraria da Baixa estariam sempre carregadas de livros e de pessoas a lê-los. Um bom começo são as sessões literárias que todas as quartas-feiras, às 18h, aqui se realizam, uma espécie de comunidade de leitores. À espera ficam os projectos para edição de livros - já há um, EN2, de João Catarino, em grande destaque nos escaparates - e de música. "Adorava que aparecessem pessoas com propostas."
... E de tapas
Não se esperem "bifes com batatas fritas", avisa Rui Guerra: escolha-se antes um rebuçado de três queijos com molho de frutos silvestres ou um ovo de colombo, sem esquecer as bruschettas (porque não a de bacalhau fumado em massa filo com maionese de alcaparras?) ou as saladas, e termine-se (ou não) com queque de maçã. Tábuas de queijos e de presuntos, quiches e bolos, entre outros, completam a oferta, que começa nos 1,50€. Sempre acompanhada de bebida, do vinho do Douro às caipirinhas.
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Preços: fino a 1,65€/2€; Porto a 3€/4€; sangria a copo a 6€; jarro de sangria a 20€; cocktails a 6€; caipirinhas e mojitos a 5€; café a 0,90€/2€; chá a 1,65€/2€; brancas a 5€.