Podia ser só mais um armazém abandonado entre o Tejo e a cidade. Mas alguém resolveu transformá-lo num bar de charme artístico, com programação dinâmica, com vinhos a pedirem uma prova e com histórias em cada canto - a começar pelo Pioneiro, que atracou na esplanada e convida a entrar nesta “câmara de tesouros”.
O Pioneiro é um barco. Era. Hoje, é mesa e bancos à espera de convivas sedentos de sol e ares ribeirinhos. Foi encontrado dentro do armazém, onde também marca presença como inspiração para o balcão curvo, com proa de madeira furada por uma onda imaginária cuja espuma são “gotas” de cristal pendentes de um ramo de árvore.
Quem o concebeu foi Esmeralda Fetahu, proprietária da casa (com o marido). O nome desta albanesa de 31 anos, ancorada em Portugal e cujo sotaque denuncia os anos vividos em Itália, pode soar familiar noutro campo, o das artes plásticas, onde o seu trabalho é conhecido pelo contexto orgânico. Esse toque sente-se no Vestigius, que a artista compôs entre o respeito pela arquitectura original e o fascínio pela história do local.
À entrada, um imponente candeeiro rouba a atenção à vista para o rio. Foi construído a partir das cordas náuticas ali deixadas. “Tudo aqui tem uma história”, frisa Esmeralda. Como o lustre e o Pioneiro, muitas foram as peças restauradas e, pelo caminho, convertidas ao conceito-mor do Vestigius: reflectir o encontro entre culturas lusófonas que o rio espelhou durante séculos e, simultaneamente, promover o contacto entre os empreendedores do nosso tempo (bem-vindo seja o networking).
Quer-se que as pessoas vão ficando, como visitas numa sala de estar. O espaço, apesar de amplo e aberto, tem áreas de encantos próprios. A banda sonora não tem pressas: entre jazz, blues e músicas do mundo, a melodia é a nota dominante e o andamento é o de uma conversa de fim de tarde.
Só a curiosidade para interromper a conversa: o que são, por exemplo, aquelas caixas no tecto? Ao comando de um botão, elas descem para revelar uma “livraria flutuante” feita de publicações antigas, raras e valiosas, cujo arco temporal remonta à Lisboa do século XV. Ao “menu do livro” junta-se um vasto cardápio que inclui concertos, projecção de filmes, palestras, workshops, lançamento de livros e provas de vinhos.
É a propósito destas que descemos à cave. O acesso (reservado) faz-se por um alçapão discreto. Descida a escada estreita, ficamos abaixo do nível do mar. Sob o tecto baixo está uma garrafeira suspensa que exibe as preciosidades de João Chambel, o sommelier residente do Vestigius. À luz das velas, fala com a paixão de quem encontrou um lugar mágico para conspirações e cumplicidades em torno de vinhos de qualidade, portugueses e estrangeiros, velhos e novos.
Ali se encontravam as antigas salgadeiras lisboetas. Ali foi Esmeralda descobrir, pelo poder do sal, documentos dos anos 60 conservados como novos - facturas e anotações que enfeitam agora os tampos de várias mesas. Outros tesouros vieram de leilões. E uns quantos da Feira da Ladra. É o caso das fotografias antigas, de gente cujas histórias de vida só podemos adivinhar, que cobrem as portas das casas de banho. Sim, das casas de banho. Vale mesmo a pena espreitar: no WC masculino, um lavatório antigo é a peça central; no feminino, há molduras que deixam passar, literalmente, para o outro lado do espelho...
Todo o Vestigius é, na verdade, uma galeria. As paredes - as mesmas que fazem rir Esmeralda ao recordar quão boquiaberto ficou o empreiteiro renovador quando lhe pediu que as “estragasse e sujasse” - ostentam uma exposição de pintura. Também os objectos de design que salpicam o bar podem ser apreciados e comprados, transformando-se eles próprios em vestígios de uma passagem por aqui.
- Nome
- Vestigius
- Local
- Lisboa, Santos-o-Velho, Rua da Cintura do Porto de Lisboa - Armazém A, 17
- Telefone
- 218203320
- Horarios
- Terça-feira e Quarta-feira das 11:00 às 00:00
Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 11:00 às 02:00
e Domingo das 11:00 às 18:30
- Website
- http://www.vestigius.pt/
- Observações
- Zona de fumadores: Esplanada. Música ao vivo às sextas e sábados, às 19h.
