Fugas - restaurantes e bares

  • Tiago Machado
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Resgatar a glória vã dos nossos arrozes

Por Fortunato da Câmara ,

Encontrámos no Barreiro um restaurante que coloca o arroz como protagonista da carta. Numa casa discreta da localidade de Palhais, esta aposta acertada e certeira do Arrozaria ajuda-nos a perceber como o arroz pode ser uma verdadeira iguaria.
É um facto que muitas vezes a nossa imagem lá fora se mede pelo número de pratos de bacalhau que a nossa cozinha tradicional conseguiu fazer nascer. Sem ter o mesmo impacto, mas não sendo menos verdade, o arroz é outra das matérias-primas em que passamos com distinção na disciplina da criatividade culinária. Pena é que esta singela vanglória da nossa identidade gastronómica seja mesmo só para consumo interno. Infelizmente, parece ser cada vez mais em vão que se produzem gloriosos arrozes de cultura portuguesa quando por todo o lado a restauração tenta elevar a proto-estrela muito risotto que não passa de mistela.
 
Pensar que somos os maiores consumidores europeus de arroz, com uma esclarecedora média de 15kg anuais por pessoa, poderia significar que havia espaço para as nossas receitas, mas o mais certo é que uma parte desta estatística se refira ao famigerado arroz branco (com batata frita, pois claro!) que serve de “pau-de-cabeleira” a tudo o que é prato em restaurantes preguiçosos. Em 2008 o Arroz Carolino das Lezírias Ribatejanas IGP recebeu a certificação de Indicação Geográfica Protegida, a mesma distinção que procura o excelente Arroz Carolino do Baixo Mondego, cujo processo está actualmente em apreciação na União Europeia. Já que fomos abençoados com tão bom arroz, porque será que lhe damos o destino atroz de ser em geral um mero apêndice?
 
Foi por este estado de coisas que me despertou algum interesse descobrir que, em Junho de 2012, abriu a meia dúzia de quilómetros do Barreiro o restaurante Arrozaria - do mesmo proprietário do Grupo Fondue, mas com outro sócio e gestão autónoma. Numa discreta casa térrea de beira de estrada, na localidade de Palhais, fica então um reduto dedicado ao arroz. O contraste de dentro para fora é grande em aparência e tamanho. Pela construção simples e acanhada que se vislumbra de fora, não se adivinha a sala ampla de pé-direito rasgado que existe no interior. Predomina a suavidade do tom verde água em parte das paredes e nos chemins das mesas, e destaca-se uma área revestida com tampas de madeira de inúmeras caixas de vinho a formarem um painel visualmente agradável.
 
A carta é longa e com grande incidência nos arrozes, como seria de esperar. Arroz de polvo, arroz de bacalhau, como pratos principais, e arroz de tomate, arroz de alho a servirem de acompanhamento (pago à parte), para guarnecerem diversos peixes para fritar que variam consoante o mar, como por exemplo chaputa, raia, “jaquinzinhos” ou filetes de peixe-galo. De encomenda pode ainda optar-se por arroz de lebre ou arroz de coelho, numa lista de sugestões com pré-reserva que chega às três dezenas, e muitos pratos de caça, outra aposta do restaurante. No menu fixo há sempre frigideira de veado ou de javali, e coelho frito, neste caso acompanhados pela temível aliança “arroz branco e batata frita”.
 
Naturalmente, optámos pela vertente orizícola do menu. Além de um cestinho de “pão” (0,75 euros) apresentado em fatias torradas (de pão fresco, nem sinal!), e de umas “azeitonas” (0,75 euros) verdes, carnudas, mas temperadas numa “alhada” tremenda, daquelas que espantam vampiros, ainda se provaram alguns petiscos não solicitados (hábitos velhos em restaurante novo!). Foram portanto colocados na mesa um “paté de atum” (1,75 euros) sem grande história além do nome, uns “cogumelos com ameixa” (6 euros) que eram uma mistura de bacon, cogumelos, ameixas e cebola que, não sabendo mal, também não tinha nenhum sabor em particular, ou seja, indiferenciado. Veio também um pratinho com “carapauzinhos de escabeche” (2,75 euros), e, aqui sim, pedimos a companhia de um “arroz de grelos” (5 euros) para abrir as hostilidades em torno do estandarte da casa. Os carapaus de boa fritura e tamanho, equilibrados no tempero agridoce, e o arroz muito bom, com o travo peculiar dos grelos de couve frescos, a surgir cremoso graças à “goma” do bago carolino. 
 
O bago carolino foi o primeiro tipo de arroz a ser introduzido em Portugal no século XVIII, depois do êxito obtido por uma plantação desta variedade no estado americano da Carolina do Sul. Ou seja, o “carolino” vindo da “Carolina” é o arroz mais tradicional da nossa cozinha, com os pratos feitos por este bago a terem resultados memoráveis. Um excelente exemplo foi o “arroz negro” (9,50 euros), com os grãos de carolino médio a impregnarem-se da tinta do choco fresco, ficando com um intenso sabor a mar, e enriquecido com pedaços do molusco, numa dose generosa. Servido num tachinho e feito ao momento (segundo indicação do serviço), veio o “arroz de peixe” (9,50 euros), que neste dia era feito com garoupa, distribuída com bondade em nacos fresquíssimos num delicioso arroz malandrinho (sem excessos), com o caldo aveludado a exibir cubinhos de tomate fresco e ligeiramente perfumado com coentros. Uma tachada copiosa foi a “cabidela de pintada” (9,75 euros) feita com sangue de galinha (já se imaginava), pois a avezinha galinácea não daria para tanto. Foi usado um bago carolino longo que acabou por abrir em vez de permanecer inteiro. No entanto, o bago absorveu o caldo, sabiamente avinagrado para não afectar o sabor da pintada de cognome “fraca”, tal como a intensidade da sua delicada carne, que aqui surgiu apenas com as partes do peito e das coxas. 
 
A carta, com cerca de 40 vinhos, na sua maioria tintos, deixa cerca de um terço da oferta reservada a brancos, verdes e espumantes. Os preços são abordáveis apesar da pouca variedade, com a lista a referir o ano de colheita e o teor de álcool, enquanto os copos e as temperaturas de serviço cumprem. Serviço simples de processos mas cordial e eficiente. 
 
Nas sobremesas, houve uma fífia com o “arroz doce” (2,50 euros), de execução débil e resultado seco pela proporção exagerada de arroz em relação à quantidade de leite, deixando-o muito denso e compacto, perdendo a “cremosidade”. No agradável “parfait de chocolate” (2,50 euros), preparação gelada a fazer lembrar uma mousse sólida, sobressaiu a textura aveludada do preparado e a boa qualidade do chocolate. Muito bom era o “cheesecake” (2,50 euros) na versão tradicional de forno com uma base de bolacha, e uma saborosa mistura de queijo, com o doce de frutos silvestres da cobertura (que segundo indicação é igualmente feito na casa) a saber àquilo que era sem excessos de açúcar, ao contrário das compotas em versão industrial.
 
Abrir um restaurante dedicado às receitas portuguesas de arroz é desde logo merecedor de apreço, por não deixar esquecer uma das características mais particulares e, digo eu, exportáveis da nossa cozinha. Os múltiplos arrozes que temos são um património. Refiro, além dos já citados, os que fazem um rico acompanhamento, como o de feijão, de carqueja, de pimentos, de repolho, de berbigão ou de coentros, e também os que constituem pratos principais, como o de lingueirão, de línguas de bacalhau, de marisco, de cabrito, de pato, de enchidos, e outros. No caso do Arrozaria soma-se com agrado o facto de os arrozes provados estarem bem executados e fazerem justa homenagem a este nosso património. Isto leva-me a pensar que se o Arrozaria tivesse a oportunidade de atravessar o Tejo e ir mostrar a Lisboa que, em Portugal, uma boa receita de arroz pode ser uma iguaria, é provável que se descobrisse uma “velha” novidade como esta Arrozaria.
Nome
Arrozaria
Local
Barreiro, Palhais, Largo da Liberdade, 1
Telefone
216069196
Horarios
Segunda-feira, Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 12:00 às 15:00 e das 19:00 às 22:30
Domingo das 12:00 às 15:00
Website
http://www.restauranteofondue.pt/arrozaria/
Preço
18€
Cozinha
Variada
Espaço para fumadores
Sim
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