Fugas - restaurantes e bares

Carlos Manuel Martins

Henrique Sá Pessoa, alma de cozinheiro

Por David Lopes Ramos ,

É um dos novos restaurantes de Lisboa e o primeiro projecto individual do chefe Henrique Sá Pessoa, que está em grande forma. Abriu em Fevereiro, em plena crise económica e, na verdade, parece estar aí para a desmentir: a lotação está praticamente sempre esgotada.
Henrique Sá Pessoa pertence à nova geração de chefes de cozinha portugueses, que tem como matriz comum uma boa preparação técnica, em muitos casos em prestigiadas escolas estrangeiras, bom gosto, um razoável conhecimento da nossa cozinha tradicional, um espírito aberto às inovações culinárias, uma grande curiosidade e uma boa dose de ousadia.

A carreira de Sá Pessoa, a exemplo do que se passa com outros chefes de cozinha que ainda não têm 30 anos ou não chegaram aos 40, foi fulgurante. No final do século passado, após quatro anos em escolas especializadas na Pennsylvania (EUA), Henrique Sá Pessoa, cozinhou dois anos no Sheraton Park Lane, em Londres, e outros tantos no Sheraton on the Park, em Sidney, Austrália, neste caso já como cozinheiro de 1ª. Regressado a Portugal em 2002, cozinhou, sucessivamente, no Hotel da Lapa, em Lisboa, iniciando, em Fevereiro de 2003, a sua carreira de chefe de cozinha no restaurante Xarope, em Cascais. Seguiu-se o La Villa, no Estoril (Outubro 2003-Março 2005), vencendo, em Novembro de 2005, o concurso de Chefe Cozinheiro do Ano.

Entre Março de 2005 e Janeiro de 2007, foi responsável pelas cozinhas do Bairro Alto Hotel, em Lisboa, com destaque para o do restaurante gastronómico Flores. A partir do final de 2006, a notoriedade de Sá Pessoa cresceu muito com o início do programa "Entre Dois Pratos", na RTP2. Seguiu-se, no período de Janeiro de 2007 a Novembro de 2008, a chefia das cozinhas do Sheraton Hotel, de Lisboa, tendo tido oportunidade de se destacar à frente do restaurante Panorama. Em Março de 2008, a elitista Academia Portuguesa de Gastronomia atribuiu-lhe o prémio Arte de Cozinha. Em Fevereiro de 2009, fazendo boa cara à crise económica, iniciou, com Daniel Costa, seu subchefe há seis anos, o seu primeiro projecto próprio pessoal, este Alma, Henrique Sá Pessoa.

Se nos apetecer fazer trocadilhos fáceis, diremos que este restaurante tem uma alma branca ou quase, tecto rebaixado e paredes falsas com umas escotilhas que nos permitem espreitar os muros de pedra e argamassa, esses sim a verdadeira alma da sala, onde cabem bem sentadas 38 pessoas. É pequena a sala de jantar do restaurante? É. Mas, atendendo ao tipo de cozinha que faz Henrique Sá Pessoa, criativa e muito atenta aos pormenores, é o tamanho ideal. Tanto mais que, ao que me dizem, a casa tem estado sempre esgotada. Por isso, é muito imprudente ir lá sem marcação de mesa.

Já ouvi dizer sobre a cozinha que Henrique Sá Pessoa e outros actualmente fazem, numa tentativa para estancar a quebra de refeições que servem, que é mais modesta no custo e no paladar do que a que antes faziam. Em relação ao custo, aceito sem problemas: basta ver as contas. Quanto ao paladar, não estou nada de acordo. Penso, até, que muitos dos chefes de cozinha portugueses, que andavam por aí um tanto deslumbrados com a mediatização da sua profissão, estão a redescobrir o prazer de cozinhar e do contacto directo com os seus clientes. Estão também a voltar a trabalhar certos produtos, tidos como mais modestos, que são muito saborosos e apaladados e que são facilmente identificados pelos palatos portugueses. E as ementas, caso tenham menos propostas de "magret" de pato, de vieiras salteadas, de "foie gras", de lombinhos de porco preto ou de sucedâneos de caviar, não vão ficar menos interessantes. Pelo contrário, parece-me que se apresentarão menos monótonas e pretensiosas.

Menu prudente e inteligente

A actual carta do Alma de Henrique Sá Pessoa parece-me prudente no tamanho e inteligente nas propostas. Abre com dois menus degustação, um com o nome do chefe (um "amuse bouche", uma entrada, um prato de peixe, um prato de carne, um sorvete e uma sobremesa), 39 euros sem bebidas e 50 euros com vinhos; e o outro, que leva o nome do restaurante, com um "amuse bouche", uma entrada (de três) e um prato principal (de dois) e uma sobremesa (de duas), 29 euros ou 36 euros, caso inclua vinhos. Optámos pelo serviço à lista, a qual inclui 7 entradas (preços entre os 7 e os 12 euros), 8 pratos principais (preços entre os 16 e os 22 euros) e 6 sobremesas (preços entre os 5 e os 6,50 euros). Na mesa, um couvert (2,50 euros), que está bem: azeite Azal, untuoso e equilibrado, "focaccia" de manjericão, fresca e fofa, telhas estaladiças com sementes pretas de sésamo e pão de Mafra bem cozido.

Provaram-se três entradas, todas recomendáveis: "estaladiço de queijo de cabra com cebola roxa agridoce, redução de xerez e salada de pêra" (10 euros), em que se destacam os embrulhinhos de massa "brik" recheados com um belo queijo caprino; "camarão e lulinha salteados em chilli e alho com compota de tomate cereja, salada de rúcula e Parmesão" (12 euros), composição rica e variada, com os elementos marítimos em preciso ponto de cocção e a malagueta e o alho em versão civilizada, nada invasiva; e o "filete de cavala marinado com tártaro de tomate e escabeche de legumes" (9 euros), excelente criação, em que o protagonismo é dado a um peixe azul, a cavala, muito saboroso se fresco, que anda por aí muito desvalorizado.

Os três pratos foram estes: já quase um clássico de Sá Pessoa, o "lombo de bacalhau com puré de grão e seu vinagrete, tempura de anchova e tomate seco" (19 euros), cuja contundência é atenuada pelo facto de o bacalhau ser do fresco, mas que, imagino, é submetido a uma salmoura seca, que lhe dá sabor, firmeza e textura, transformando um peixe desenxabido em algo saboroso, sendo esta condição ajudada ainda pelo bom achado que é a tempura de anchova (filetinhos envolvidos em polme e bem fritos); excelente, pela qualidade, frescura do peixe e impecável ponto de cozedura, o "filete de pregado com brandade líquida de bacalhau, tomate cereja confit e crocante de alho francês" (21 euros); e, finalmente, um prato de carne, o ""entrecôte" com legumes assados, caviar de beringela, salada de agrião e jus de poejos e azeitonas" (22 euros), carne de qualidade e corte sem mácula, suculenta, bem temperada e servida em boa companhia.

As sobremesas, muito cuidadas, doces e frescas, foram um "creme brûllé de erva príncipe e framboesas com telha de coco" (5 euros), "tarte de ananás e especiarias com gelado de cardamomo"(6 euros) e ""parfait" de chocolate e banana com manteiga de amendoim e gelado de baunilha". Bebeu-se um copo do branco Contraste de 2008, fresco e mineral, de Rita Marques, que recentemente apresentou, no 100 Maneiras, os seus novos vinhos. Além do Contraste, o Conceito branco 2008, os tintos Contraste e Conceito 2007, o Conceito Bastardo 2008 e o Conceito Porto vintage 2007, todos muito bem e muito bons. E uma garrafa de um novo Douro branco de 2007, o Águia Moura, recatado de aromas, muito fresco e equilibrado, um bom companheiro para a comida. A carta de vinhos, não muito extensa, está bem. Como bem, muito bem, está o serviço de mesa que, para lá de simpático, é competente e faz sugestões de harmonizações de comidas e vinhos bem fundamentadas.

A cozinha de Henrique Sá Pessoa, que nunca me convencera, conquistou-me desta vez: está mais segura e bem definida. Temos chefe. Que grande alegria.

Nome
Restaurante Alma - Henrique Sá Pessoa
Local
Lisboa, Lisboa, Calçada Marquês de Abrantes, 92 (Santos-o-Velho)
Telefone
213963527
Horarios
Terça a Sábado das 19:30 às 01:00
Website
http://alma.co.pt
Preço
40€
Cozinha
Autor
Espaço para fumadores
Não
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