Na parede de ardósia à entrada, uma lâmpada de filamentos gira sobre uma roda de aros quando fazemos mover a manivela conexa a uma corrente dentada. Ao lado do invulgar candeeiro, uma reinterpretação também ela sui generis d’O Fado, de José Malhoa: cantora e músico estão mais elegantes, roupas de folhos vitorianos, moldura composta de vigas, tubagens, roldanas e, mais uma vez, muitas rodas dentadas.
Já esperávamos algo diferente de um espaço que carrega o nome do conhecido livro de Boris Vian e cedo percebemos que este Arranca-Corações, nascido no final de Novembro em Santa Apolónia, não quer mesmo ser uma petiscaria comum. O objectivo, afirmam os responsáveis, era “marcar a diferença”, fazendo com que quem aqui entra emerja no ambiente do steampunk, um subgénero de ficção científica. “Era um gosto que tínhamos em comum. Conhecíamos a existência de outros sítios com este conceito lá fora, certificámo-nos que não havia nada em Portugal com essa onda e decidimos ser os primeiros”, conta Gonçalo Ogando que, com Vítor Pinto, gere este novo espaço alfacinha.
E, afinal, o que é isto de steampunk? É um universo literário onde é como “se o futuro tivesse acontecido no século XIX e a nossa tecnologia já tivesse sido inventada na altura”, explica Vítor Pinto. Algo como um enredo desenvolvido no ambiente sombrio e industrial do século XIX, mas onde existiriam aviões, submarinos ou computadores a funcionar a vapor (steam em inglês), o sistema de locomoção principal da altura.
Neste pequeno espaço de Santa Apolónia, as máquinas de fumo cinzento foram substituídas por pequenos e discretos pormenores ligados à temática, entre mobiliário da época, ilustrações e vários objectos criados com canos, roldanas, torneiras de passagem e manómetros. Para breve está também a vinda de um desenho especial: o instrumento que arranca corações em duas obras de Boris Vian, dando nome à casa. “Sempre o idealizámos muito steampunk, cheio de manómetros e manivelas.”
“Esta imagética era aquilo que mais nos interessava trazer”, sublinha a dupla, destacando os diferentes candeeiros e a tubagem exposta na casa de banho. Na verdade, os dois jovens até assumem que preferem as obras dos autores precursores do género, como Júlio Verne ou H. G. Wells e, na banda desenhada, Mike Mignola e Alla Moore (cuja Liga dos Cavalheiros Extraordinários surge ao lado d’O Fabuloso Mundo de Júlio Verne na pequena estante onde, no início do ano, haverá livros de ficção científica). Um universo mais alargado do fantástico, que dará lugar a tertúlias literárias, apresentações de livros e encontros de escritores, assim como festas temáticas.
Cansados dos empregos que tinham, Vítor numa livraria e Gonçalo numa fábrica, os dois amigos decidiram despedir-se e realizar o sonho de abrir um bar, ideia que vinham a amadurecer desde os tempos da faculdade. O “gosto pela cozinha” e a vontade de “ter algo mais para oferecer” levaram à criação de uma petiscaria, que é também café e bar, e onde a estrela culinária são as tibornas. Para já, há simples ou com alheira, bacalhau, farinheira, sardinha ou tomate e queijo, às quais se juntará brevemente a de salmão fumado e requeijão com molho de funcho e uma vegetariana. Mas a ideia é “estar sempre a inovar”.
A tiborna vem acompanhada de puré de ervilhas, excepto a de bacalhau, servida com puré de grão. Depois, a ementa inclui também enchidos para assar, salada de tomate (feita com croutons, tomate seco, manjericão, orégãos e queijo de cabra) e espetada mista de enchidos (onde o chouriço, o chouriço de cebola e a morcela vão sendo intercalados por tomate seco). Para sobremesa, o bolo de maçã e passas e o doce da casa, com leite de coco, natas e frutos silvestres.
Já nas bebidas, garantem, o vinho é a escolha “mais apreciada” pelos clientes, mas há ainda duas opções que se destacam: a imperial, tirada numa torre de cerveja “feita em cerâmica e com mais de 60 anos”, e o café de máquina de balão, feito na mesa e com capacidade para quatro pessoas. No final, a conta chega dentro de uma réplica dos antigos ferros de engomar, com a oferta de uma ginginha e uma pastilha Gorila — “A mais vintage que conseguimos encontrar.”
- Nome
- O Arranca-Corações
- Local
- Lisboa, São Vicente de Fora, Calçada do Cardeal, 20
- Telefone
- 960475667
- Horarios
- Terça a Sábado das 12:00 às 02:00
Domingo, Quarta-feira, Quinta-feira e Sexta-feira das 16:00 às 02:00
- Website
- https://www.facebook.com/oarrancacoracoes