Fugas - restaurantes e bares

  • Lisboète
    Lisboète Enric Vives-Rubio
  • um irrepreensível
filete de
garoupa
    um irrepreensível filete de garoupa Enric Vives-Rubio
  • Walter
Blazevic é o
homem que
comandas
o fogão,
enquanto a
sua mulher,
Mariana
Monte, trata
do serviço de
sala; ao lado,
    Walter Blazevic é o homem que comandas o fogão, enquanto a sua mulher, Mariana Monte, trata do serviço de sala; ao lado, Enric Vives-Rubio

Português e mediterrânico com pronúncia à francesa

Por José Augusto Moreira ,

Walter Blazevic é mais um cozinheiro de origem francesa apaixonado pelos nossos produtos e tradições culinárias. No seu restaurante Lisboète há receitas de migas e bacalhau enriquecidas com a técnica e a arte da alta cozinha.

O nome deve pronunciar-se à francesa, tal como é também comum quando o tema são as artes dos fogões. Não se pense, no entanto, que o Lisboète é um restaurante francês ou de comida francesa. Bem pelo contrário, o que por aqui se pratica é uma cozinha de base e com produtos portugueses, só que valorizada e enriquecida com a técnica, o cuidado e o equilíbrio que são o legado dos mestres franceses para a arte culinária.

No espaço e ambiente criado para o Alma por Henrique Sá Pessoa, funciona desde o Verão passado este restaurante cuja feliz designação bem pode ser vista como estimulante metáfora para a cozinha portuguesa: a tradição e a identidade como base e um plus de modernidade e cosmopolitismo como atractivo.

E é, precisamente, este o rumo que parece pretender adoptar o cozinheiro desta pequena casa (menos de 30 lugares) acomodada na zona histórica de Santos. De origem e formação gaulesa, Walter Blazevic tem também as influências mediterrânicas dos seus ancestros italo-croatas e uma vivência culinária na alta hotelaria do Sul de França, onde, como é sabido, é também marcante a presença dos aromas magrebinos.

O interessante é que acabou por se apaixonar por Portugal. Ou melhor, por uma portuguesa com quem se cruzou nessas andanças da hotelaria (na Suíça, no caso) e que acabou por o arrastar para o sol e o mar da nossa costa atlântica. No resto, a história é a já habitual, como tem acontecido com vários outros intérpretes da melhor escola francesa e que se convertem nos grandes cultores dos produtos e da nossa tradição culinária. De Aimé Barroyer a Vincent Farges, de Koschina a Hans Neuner , Koerper ou Benoît Sinthon.

E basta passar os olhos pela ementa do Lisboète que lá estão os legumes e ervas frescas, a par de peixes e mariscos, do bacalhau, das castanhas e carnes de porco e borrego.

Depois dos pedidos, pão e azeitonas na mesa. O primeiro em três variedades, as segundas em especiosa pasta e com duplo complemento manteigueiro em aromatizações de noz e de limão (4€). Tudo fresco, saboroso e estimulante.

Antes dos pratos solicitados, as saudações do cozinheiro numa elegante e deliciosa composição com cavala marinada e tomate em três texturas (seco, pasta e espuma), tudo com o perfume fresco das ervas de anis e funcho. Para saborear com umas delicadas tostinhas de pão que se assemelhavam a uma base de pizza mas que foi explicado tratar-se de “soca”, um pão com farinha de grão que é típico do sul de França.

Das entradas provaram-se as “lascas de bacalhau, aveludado de alho francês e emulsão de trufas” (12€). A delicadeza de um creme com as lascas a denunciarem o bacalhau de boa cura e de generosas dimensões (que pareceu confitado) firmes na sua textura e de sabor bem definido e apurado. O mesmo cuidado culinário e delicadeza no “camarão com mousseline de castanha, aipo e jus de crustáceos” (11€) e igualmente muito bem conseguido o conjunto com “carpaccio de polvo, salada de feijão e azeite de citrinos” (12€). Ou seja, o tradicionalíssimo e saboroso polvo cozido com salada de feijão fradinho, ainda enriquecida de sabores e aromas com um pouco de rúcula, tomate seco e uns cubinhos de chouriça.

As propostas para a secção de “entradas” na actual carta incluem ainda um “creme de sapateira com royale de pequenosa legumes” (12€) e a “terrina de foie gras, especiarias, figos e vinho do Porto” (15€).

Para lá do “lombo de bacalhau, brandade, coulis de pimentos assados e couve coração de boi” (17€), que não foi convocado à mesa, na secção dos peixes é proposto o “atum mi-cuit, cannellone de beringela, tomate e emulsão de ratatouille” (18€); “garoupa, funcho e batata confitada” (18€); e “vieiras, cenoura e gengibre, com salsa e beurre battu” (22€). Perfeito o atum no seu duplo tratamento: um suculento naco braseado e também preparado num refogado com a beringela. Igualmente de qualidade suprema o filete de garoupa que se deixou decompor em lascas húmidas e firmes. Bem generoso o prato de vieiras (quatro espécimes) num conjunto criativo e de belo efeito visual mas com os moluscos bivalves já falhos de suculência.

Frescos e perfumados

Nas carnes, passou-se à frente o “magret de pato com couve roxa, chutney de beterraba e pêra” (18€) para se saborear o “porco bísaro, migas de castanhas e chouriço, romanesco e cogumelos” (18€), o “bife maturado de alcatra de novilho” (20€) e o “duo de borrego, azeitonas, alho, pastinaca e tâmaras” (22€). Supremo o borrego com duplo tratamento (forno e grelha) e as carnes tenras e suculentas a realçar a qualidade do trabalho culinário. Já a rever o abastecimento das carnes de porco e novilho, cuja qualidade pareceu não estar à altura do merecimento e elegância de tudo o que as acompanhavam.

Neste campo, destaque para a interessante utilização da cherovia beirã (pastinaca), o alho nas suas texturas e cozeduras cruzadas com os sabores marcados das azeitonas e as tâmaras do Magreb. Genial também a expressão de elegância e harmonia nas migas de castanha com chouriço, um cozinhado da nossa mais profunda tradição rural.

Blazevic leva já mais de década e meia em Portugal e tem um conhecimento profundo dos nossos produtos e tradições. O que, de resto, já mostrou nos restaurantes que sucessivamente abriu em Óbidos (O Barco) e Caldas da Rainha (O Incógnito). Casá-lo com as raízes mediterrânicas e a técnica e sofisticação da alta cozinha francesa parece ser a sua missão, o que consegue com uma cozinha de aromas frescos e perfumados.

Assim é, também, com as sobremesas. À “selecção de queijos portugueses” (10€), junta “sericaia com ameixas, figos e gelado de requeijão” (7€), “creme queimado de baunilha” (8€), “tarte Tatin com gelado de baunilha” (7€) e “pudim de chá de jasmim, pêra rocha confitada e o seu financier” (8,50€). Provaram-se os dois últimos com unânime e entusiástico aplauso.

Além de Lisboète, apetece dizer que é também didactique este restaurante, por aquilo que nos pode mostrar sobre os critérios e caminhos para a evolução e modernidade da cozinha portuguesa. À perceptível qualidade e critério no trabalho de Blazevic à frente dos fogões, junta-se a simpatia e profissionalismo da mulher, Mariana Monte, que trata da sala e do cliente com o calor e profissionalismo dos melhores.

A par da cuidada elegância com que são apresentados, os pratos surgem também aportuguesados na generosidade das doses. Nos vinhos, reina a sensatez e o propósito de contenção mas mesmo assim com opções para satisfazer o critério gastronómico. Boas escolhas para o serviço a copo, como foi o caso do Soalheiro Alvarinho e do CARM Douro tinto (5€ cada) com que se fizeram as despesas deste jantar.

Com conceito e cozinha de raiz portuguesa e mediterrânica, bem se pode dizer que este é um restaurante que se pronuncia à francesa não só pelo nome mas sobretudo pela riqueza e qualidade do trabalho culinário.

Nome
Lisboète
Local
Lisboa, São Paulo, Calçada Marquês de Abrantes, 94
Telefone
213950953
Horarios
e Segunda-feira das 19:30 às 22:30
Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 12:00 às 14:00 e das 19:30 às 22:30
Website
http://www.lisboete.pt/
Preço
40€
Cozinha
Autor
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