Já lá vai quase um quarto de século, poucos se lembrarão, quando começámos a ouvir falar de Miguel Castro e Silva, um cozinheiro que trazia vanguarda e modernidade aos sabores da cozinha portuguesa. E mesmo que nunca o reivindique, Miguel tem sido um precursor, um cozinheiro que tem estado à frente do seu tempo no caminho de reconhecimento e valorização da nossa gastronomia.
Não será exagero dizer-se que foi o primeiro português a praticar uma cozinha de autor; que foi pioneiro na utilização de novas técnicas, como as cozeduras em vácuo e a baixas temperaturas; que lançou a prática de jantares vínicos e dos menus de degustação; que assinou livros com receitas próprias; e desenhou louça específica para os seus pratos (linha gourmet da Vista Alegre). Tudo num tempo em que entre nós a mestria dos fogões não merecia ainda grande atenção mediática e o classificativo de chefe era apenas utilizado no contexto dos Caminhos de Ferro ou das esquadras de Polícia.
Mesmo assim, não deixou de despertar a atenção dos grandes da cozinha internacional e foi convidado a assinar três receitas para a Larousse Gastronomique, unanimemente tida como a “bíblia” da gastronomia: terrina de polvo, bacalhau cozido em baixa temperatura com migas de nabiças e cachaço de porco preto cozido com ensopado de grão e cogumelos selvagens. Curiosamente, pratos que recorrem à cozedura a vácuo, técnica que foi desenvolvida pelos franceses, como então teve oportunidade de sublinhar.
O reconhecimento veio com o sofisticado Bull & Bear, no Porto, mas foi também pioneiro ao levar para Londres os sabores da típica cozinha portuguesa, com o restaurante Tuga, até que as voltas da vida o arrastaram para Lisboa. A par dos restaurantes Largo, deCastro Elias e da mais recente presença no Mercado da Ribeira, mantém ainda a Norte o deCastro Gaia, no espaço Porto Cruz, mas é na aprazível Praça das Flores que Miguel Castro e Silva tem agora o seu cantinho mais pessoal.
Gerido com a família, o deCastro Flores funciona desde finais de 2013 e assume na plenitude a vocação petisqueira da sua cozinha de sabores portugueses. Pequenas porções para degustar — sempre com critério, rigor e elegância — a diversidade e riqueza de produtos do receituário nacional, aliadas a uma carta onde não faltam alguns dos seus pratos mais carismáticos, como as amêijoas com feijão manteiga, os filetes de polvo com açorda de tomate e pimentos, o arroz de vitela maronesa com cogumelos, a costela mendinha com arroz de forno, ou a vitela assada com couve à antiga.
Elegante e informal
Sem pretensões de sofisticação, o espaço é ao mesmo tempo elegante e informal, acolhedor e descontraído e a combinar na perfeição com o contexto de modernidade trendy e crescente cosmopolitismo que tem transformado a Praça das Flores numa das mais palpitantes do quotidiano lisboeta. Ao espaço interior de decoração sóbria e elegante, que se desenvolve em duas áreas complementares, junta-se a agradável esplanada que em tempo quente funciona a coberto do arvoredo da praça.
Depois de duas tentativas goradas ao fim-de-semana por falta de marcação, lá nos sentámos em dias de semana, uma ao almoço, outra para jantar. Couvert (2,50€) com tostinhas, fatias de pão branco e de broa de milho, que acompanham com azeite de Trás-os-Montes e pasta de azeitonas.
Há uma sopa de tomatada com enchidos (5,50€) e um caldo de galinha com cogumelos (5,20€), a que se segue a lista “para picar” que cruza tradição e modernidade com coisas tão apelativas como xerém de amêijoas (7€), bacalhau fumado com vinagreta, tomate seco e amêndoa (8,20€), fígados de pato com compota de cebola (6,50€), lulinhas fritas com molho tártaro (6,50€), pica-pau do lombelo de vitela (8,60€) ou ovos “rotos” com trompetas (6,80€).
Provaram-se a salada de queijo de cabra com legumes salteados (6,50€), peixinhos da horta com maionese de alho e limão (5,30€), morcela da Beira com maçã e cebola (6,90€) e iscas do cachaço de bacalhau (8,20€). Variedade e diversidade de produtos, a cozinha rica e saborosa das nossas tradições conjugada com modernidade e elegância. Destaque para a frescura e equilíbrio da maionese de alho e limão, a leveza do polme nos peixinhos da horta e o sabor e elegância das iscas. É na arte das coisas simples que se mostra a grande cozinha.
A remeter para os sabores e produtos tradicionais também os pratos “principais”, de entre os quais se convocaram o bacalhau à Brás (13,50€), polvo no forno com batata a murro (17,20€), fígado de vitela maronesa salteado com cebola e Porto (12,80€) e pernil de borrego com ensopado de grão e cogumelos do campo (18,50€). Doses generosas, para partilhar sempre no mínimo por duas pessoas, em pratos que são sempre a expressão da cozinha portuguesa. Nos seus sabores e aromas mais genuínos, numa harmonia e cuidado fora do comum.
O mesmo cuidado e requinte nas artes doceiras, com um conjunto de sobremesas que emulam o melhor da herança tradicional e conventual. Como exemplo o pudim abade de Priscos (4,50€) e a sericaia com ameixa de Elvas (4,50€). Perfeitos e irresistíveis.
Sabores portugueses
Miguel Castro e Silva gosta também de uma cozinha mais sofisticada, da chamada alta cozinha, de pendor internacional e com produtos a condizer. Um estilo que dá estatuto, alimenta o ego dos cozinheiros e, por vezes, dá prémios e reconhecimento fora de portas. Diz que nas instalações da Praça da Flores lhe faltam as condições para a fazer no dia-a-dia e, por isso, há apenas uma vez por mês em que o faz. São as noites de “Castronomia”, com um menu de degustação único e um preço bem convidativo (38€, incluindo vinhos) que costumam ser anunciados na página do Facebook do restaurante.
Por nós, louvamos a opção petisqueira e a vertente de criatividade com base nos sabores portugueses. É que, além da valorização e reconhecimento que acrescentam à cozinha e produtos nacionais, proporciona também momentos de grande prazer e emoção gastronómica a preços bem mais acessíveis. E desconfiamos até que não será nada pior para o negócio.
Contenção e controlo nos preços é o que transparece também na carta de vinhos, com base naqueles que são engarrafados por alguns produtores de referência com lotes seleccionados pelo próprio Miguel Castro e Silva. Vinhos que privilegiam a elegância, riqueza aromática e envolvência gastronómica, como ficou evidente com o Ribeiro Santo Branco e o Dalva Tinto, que nos conquistaram o palato. O branco, um Dão com Encruzado e Malvasia, de acidez fresca e final longo, enquanto o tinto, de vinhas velhas do Douro, se mostra elegante, fresco e especiado.
A par dos vinhos com a sua assinatura, incluindo preciosos Porto, o cozinheiro tem também uma série de produtos gourmet, incluindo queijos e azeites da sua escolha que tem à venda numa loja que fica em frente ao restaurante. Além da qualidade, variedade e diversidade de origem dos produtos, tem ainda a conveniência de funcionar até às 23h.
- Nome
- deCastro Flores
- Local
- Lisboa, Mercês, Rua Marcos Portugal, 1
- Telefone
- 215903077
- Horarios
- Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 12:00 às 22:00
e Domingo das 12:00 às 15:00
- Website
- http://decastro.pt/
- Preço
- 40€
- Cozinha
- Autor
- Espaço para fumadores
- Sim