“Gostava que as pessoas passassem e sentissem vontade de entrar, sentar-se ao balcão, pedir um petisco e uma cerveja, conversar ou não. Que fosse um impulso e o resto obedecesse a essa informalidade que encontramos nas cervejarias ou tabernas portuguesas.” George Mendes descreve deste modo a génese do seu mais recente restaurante em Nova Iorque. Está sentado num dos balcões que dão para a Sexta Avenida, em Manhattan. Quem passa segue apressado e antes de tudo — das enormes janelas e da placa a assinalar o novo espaço — talvez sinta o efeito da sombra momentânea que o edifício novo projecta no passeio largo atenuando por momentos o Verão quente da cidade.
Entre lojas de produtos electrónicos, mercearias, lavandarias e take-away, prédios onde o rés-do-chão é ocupado sobretudo por um pequeno comércio despretensioso que contrasta com o luxo ou a irreverência de outras partes da ilha, junto ao piso térreo do Eventi Hotel, no número 835, esquina com a 29.ª rua, há uma trégua ao calor. “Este sítio tem essa característica, pessoas que caminham na sua rotina diária. Gostava que o Lupulo fosse uma paragem e talvez um hábito. Inspirei-me nas minhas viagens a Lisboa e ao Alentejo. Nessa ideia de pausa nos sabores que experimento nesses sítios, de a mesa ser um lugar de conversa de amigos, de descontração”, continua o chef que ganhou reconhecimento e uma estrela Michelin no Aldea, o restaurante que abriu há seis anos e onde se mantém à frente de uma cozinha mais elaborada, também de inspiração ibérica, onde não está disposto a desinvestir.
O Aldea fica uns poucos quarteirões abaixo, numa rua sossegada — a 17 oeste — quando se desce desde Herald Square, perto do Flatiron. É o grande “laboratório” de George Mendes, o filho de emigrantes portugueses de Viseu, natural de Dunbury, no Connecticut, que nasceu em 1972 e se treinou na cozinha com o francês Alain Ducasse ou o basco Martín Berasategui. Esse primeiro cenário discreto, de linhas rectas, contrasta com o lado rústico que Mendes quis realçar no seu segundo restaurante, o Lupulo. “É um lugar tradicional e isso está reflectido tanto no menu como na concepção do espaço”, justifica, enquanto aponta para a parede de azulejos, para a madeira das mesas e cadeiras, para as cordas a simular as das embarcações tradicionais e que criam um efeito de cortina nas grandes janelas que dão para a rua.
Na mira da imprensa
Estamos numa cervejaria. O nome desfaz dúvidas, se elas existirem. Lúpulo é a planta que confere aroma e o sabor meio amargo à cerveja. Dito em português ou em inglês, com ou sem acento no primeiro u, tem uma sonoridade semelhante. E vai sendo cada vez mais escrita e dita a propósito do novo restaurante de George Mendes. Na Time Out de Nova Iorque, no New York Times, na revista New York, na Eater, o Lupulo tem merecido a atenção dos críticos gastronómicos desde que abriu, no final de Abril deste ano. Surge como um dos lugares “a ir” quando se procura o que comer na cidade e surge identificado como o único espaço gastronómico em Manhattan que se anuncia como português. “É estranho, sim”, concorda George Mendes, depois de afirmar que a gastronomia está na moda, que toda gente parece ter uma opinião sobre gastronomia, que hoje para os nova-iorquinos já não há paladares estranhos, ao contrário do que acontecia há dez ou quinze anos. “A cozinha mundial está toda aqui representada”, sublinha, mas… “Seriam muito bem-vindos mais restaurantes portugueses”, confessa.
Foram seis anos de grandes mudanças no mundo da restauração em Nova Iorque desde que o Aldea abriu e cinco desde a primeira estrela Michelin que conquistou e ainda mantém. A oferta multiplicou-se e o fine dining foi encontrando competição em espaços mais descontraídos que oferecem uma cozinha de qualidade, a preços mais acessíveis e com menos formalismos. Muitos chefs têm trocado o prestígio do guia francês pela maior liberdade dos bistrôs, tabernas, cantinas ou os gastropubs — palavra muito em voga para aplicar a novos espaços onde a gastronomia com assinatura é servida como num bar. A gastronomia democratizou-se — ou pelo menos assim se quer acreditar — numa cidade onde se janta pouco em casa. Mendes não fez essa troca, antes procurou aliar as vantagens de uma e de outra com um espaço que preenche uma lacuna e aproveita uma oportunidade. O Pão, até há pouco o único restaurante que se afirmava português em Manhattan, fechou. Por outro lado, “há uma curiosidade e um interesse em relação à gastronomia portuguesa”, confirma George, referindo-se ao trabalho de outro Mendes, Nuno, em Londres — com o Viajante e agora a Taberna do Mercado —, ao português José Avillez, em Lisboa, à qualidade dos ingredientes, ao reflexo do aumento do turismo e ao seu próprio trabalho em Nova Iorque. No Lupulo, mais do que no Aldea, seguem-se os preceitos do receituário tradicional com alguns “toques”, ironiza quando na cozinha se aceleram operações.
Na hora
Passa pouco das quatro da tarde, menos de uma hora para o restaurante abrir. Todos os dias às cinco da tarde e até às onze, fins-de-semana até à meia noite. No balcão principal, um enorme “U” em madeira à volta do qual todo o restaurante se organiza, colocam-se ostras, uma a uma, numa montra de gelo. No bar, logo à entrada, os copos para servir gin estão numa fila ordenada, na mesa ao fundo, junto a outra janela que acompanha o elevado pé direito da sala, parte da equipa termina um almoço de macarrão. Quando forem cinco horas, o Lupulo abre e, menos de dois meses depois da inauguração oficial, a coreografia, apesar de poucas vezes repetida, parece já suficientemente ensaiada para que nada falhe quando o primeiro cliente entrar. Numa ardósia, a giz, estão escritos os nomes das cervejas, entre elas a marca Sagres. No menu de bebidas, entre os refrigerantes, há Sumol, e todos os vinhos da carta são portugueses. Na ementa, os nomes são familiares a qualquer português: bolinhos de bacalhau, rissóis de camarão, favas e morcela, ervilhas com chouriço e ovo, frango piri-piri, amêijoas à Bulhão Pato, arroz de polvo, açorda de camarão, sardinhas assadas com pimentos, bacalhau à Gomes de Sá, borrego com feijão.
O prato de borrego é talvez o mais arriscado. Uma espécie de guisado com sabor a ervas aromáticas onde se destaca a menta a remeter para o Norte de África. “Os americanos gostam muito de borrego e quis tirar partido disso arriscando um tempero mediterrânico, que não é necessariamente só português, que pode ser de lá, mas traz contágios que me interessam”, diz George Mendes, enquanto fala da facilidade de encontrar em Nova Iorque produtos para confeccionar uma ementa construída à medida do seu próprio gosto pessoal, cultivado na cozinha da família, nas viagens a Portugal que fazia na infância e nas mais recentes que lhe serviram para o livro My Portugal, publicado em 2014 e onde reúne receitas tradicionais recriadas por ele e pensadas para um público fora do circuito da emigração. “A cozinha em Nova Iorque está ligada aos imigrantes, italianos e mexicanos, sobretudo. Os portugueses estão concentrados noutras cidades”, vai dizendo, como que para justificar uma ausência.
Estão perto, em Newark, no estado vizinho de New Jersey, a uns vinte minutos de comboio. É lá que George Mendes tem alguns fornecedores de produtos portugueses. “Não tenho dificuldade em conseguir o que preciso”. Enchidos, bacalhau, queijos, azeite, caracóis, tremoços, sardinha fresca que chega duas vezes por semana de Portugal a que junta os ingredientes frescos comprados a abastecedores locais e escolhidos de acordo com a época; o peixe fresco da costa leste dos Estados Unidos, os carabineiros de Espanha e Portugal. A cozinha portuguesa de George Mendes no Lupulo é marcada pelos mariscos, tentando transpor para Nova Iorque a oferta das cervejarias portuguesas. O Ramiro, em Lisboa, conhecido pela qualidade do marisco que serve, é uma referência e um dos seus lugares obrigatórios sempre que viaja a Portugal. Quando pensa em mariscos, pensa no paladar e na frescura. “É simples. Basta saber servir o produto.” Enumera sabores. Coentros, manjericão, pimentos, hortelã. Redescobriu-os recentemente e quer tirar partido deles. Fala em tempero, em mão, diz que se há segredo é esse, como em qualquer cozinha. Na dúvida, pergunta à mãe. Ela visita-o regularmente no restaurante. Prova, dá conselhos, mas George Mendes garante que a decisão final é dele. E repete: “Tempero, é o tempero, a conjugação de sabores, a frescura dos produtos. Essa é a base do que faço aqui e com os mesmos padrões de excelência do Aldea. São conceitos diferentes, mas não faço concessões na qualidade”, sublinha.
Pode-se entrar no Lupulo e pedir simplesmente uma cerveja. Há três tamanhos diferentes — 5, 9 ou 14 onças líquidas (14,7, 26,5 ou 41,3 cl). Uma imperial Sagres, a mais pequena, custa seis dólares. Pode-se optar por petiscos, por exemplo, um paté de carapau (sete dólares) ou uns bolinhos de bacalhau (cinco dólares); nos pratos mais substanciais, além de caldo verde ou sopa de pedra (seis e sete dólares), há bacalhau à Gomes de Sá para dois (48 dólares), açorda de camarões (16 dólares) ou arroz de polvo assado no forno (29 dólares). Muitos dos pratos são rotativos, de acordo com o mercado e com a vontade de dar mais a provar aos nova-iorquinos numa cervejaria que muitos portugueses em Nova Iorque já experimentam, tecendo inevitáveis comparações. A liberdade que Mendes põe na ementa é a mesma que quer que os clientes sintam quando a experimentam. Nas duas vezes que visitámos o restaurante, a fila era grande à hora de jantar. O bar e os petiscos revelaram-se uns bons auxiliares de espera num ambiente animado onde o principal constrangimento é o ruído.
- Nome
- Lupulo
- Local
- Estrangeiro, EUA, Sexta Avenida, 835 ?(esquina com a rua 29)
- Telefone
- +1 212-290-7600
- Horarios
- Todos os dias das 17:00 às 23:00
Sexta-feira e Sábado das 17:00 às 00:00
e Domingo das 17:00 às 22:00
- Website
- http://www.lupulonyc.com/
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