Fugas - restaurantes e bares

  • Rui Gaudêncio
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O gosto e critério de Dom Limão

Por José Augusto Moreira ,

Não é moderno nem tradicional, não tem cozinha de autor ou de especialidades. Como se explica, então, o agrado com que se sai do Dom Limão Dona Laranja? O segredo está na competência, conhecimento e bom gosto. Nada mais simples!

Que dizer de um restaurante que, não sendo moderno nem tradicional, tão-pouco elegante ou rústico, cativa profundamente logo desde o primeiro contacto? E até nem há também grande mistério. O segredo parece estar simplesmente no gosto, sensatez e critério apurado, da selecção dos produtos à oferta de vinhos. E, muito importante, no estilo e personalidade igualmente simples daqueles que são a inspiração, alma e coração deste restaurante deveras diferente e especial.

Seria fácil — porque é evidente — dizer que Dom Limão e Dona Laranja são o espelho de uma bela história de amor, mas essas são matérias para outros capítulos. O que é igualmente evidente é a clara paixão e dedicação pela gastronomia, o conhecimento, o gosto em servir prazer e satisfação. “Aqui a única coisa fraca sou eu!”, graceja Luís Cruz, ao jeito de quem diz deixem-se nas minhas mãos que não se arrependerão. E, de facto, assim é.

Dom Limão é aquele estilo de tipo com quem nos sentaríamos à mesa em qualquer circunstância. Algo nos diz para confiarmos no seu critério, na sua intuição. E não apenas pelo ar vivido, que não esconde a rodagem de muitas andanças. Nota-se também o critério e é notório o gosto pela satisfação do cliente. É ele quem faz as escolhas e dita as regras. Aquele é o templo e ele o oficiante. Há que segui-lo!

Fica em Lisboa mas podia estar em qualquer lugar do Alentejo. Mas não é um restaurante alentejano. Sim, no Alentejo, pela sábia utilização de ervas e especiarias, incluindo o recurso às pimentas que remetem também para vivências de África. O bairro de Telheiras é também um local improvável e a larga avenida onde está instalado, com separador central e tudo, parece até mais apropriada às velocidades para fugir da cidade que a quedar-se por ali. Definitivamente, este é um restaurante pouco convencional.

A sala, numa loja com paredes de vidro, é pequena e há ainda uma coluna no meio a complicar. Acolherá aí umas três dúzias de comensais, mas o espaço cresce para o patamar exterior, coberto, onde umas mesas de esplanada fazem crescer a capacidade. À entrada há um cavalete onde é afixada a ementa, manuscrita num toalhete de papel.

A par dos peixes do dia para “grelhar no carvão” — sardinhas, chocos, dourada, robalo e garoupa —, havia “ensopadinho de lulas”, “línguas de bacalhau cozidas com grão”, “pataniscas de bacalhau com arroz de tomate”, “bacalhau Dom Brás” e “camarão frito ao alhinho com arroz branco”, com preços por dose a variar entre 8,90 e 13,80€.

Quanto a carnes, a oferta constava de “franguinho assado à algarvia”, “iscas à portuguesa”, “escabeche de perdiz”, “lombinhos de cerdo ibérico na frigideira”, “costeletas de borrego fritas ou no carvão”, “bife à portuguesa”, “bife à Dom Limão Dona Laranja” e o “bitoque” da praxe, debitando preços dos 8,90 aos 12,80€.

Depois das saborosas azeitonas negras bem temperadas com alho, coentro e azeite, convocou-se um queijo fresco e outro de ovelha, os camarões fritos (sem o arroz) e a perdiz de escabeche, tudo para funcionar na lógica entradeira. Queijo fresco em fatias e a acompanhar com a inigualável massa de pimentão dos Açores, a mostrar critério e conhecimento, tal como o queijo de ovelha de toque salgado, pasta semidura e quebradiça ao estilo da Beira Baixa. Um achado, que nos explicaram ser feito na Beira, mas com leite de ovelhas da serra da Estrela. É de produção artesanal e não há no mercado. É pena!

Camarões al dente com toque de malagueta a espevitar sabores, e também de grande competência o escabeche. Carne da ave esfiada, escabeche suave, com folha de louro e grãos de pimenta, fios de cebola e cenoura a cruzar alguma doçura com a acidez. Equilibrado e saboroso, e um vinho branco perfeito para acompanhar. Odisseia 2014 (16€), feito com as castas tradicionais da região duriense por Jean Hugues Gross, um artífice de vinhos francês que há uns anos anda pelo Douro à procura da elegância. Um belo vinho e uma bela surpresa.

Macio e aveludado o ensopado com lulas e a variedade de ervas que lhe compunham o sabor e o aroma fresco e perfumado. Dom Limão, é ele quem manda, se ainda se lembram, optou já por um tinto profundo, fresco e perfumado como são os tintos do Dão quando lhes dão tempo para se criarem. O Quinta do Escudial 2011 (17€), que já conhecíamos, está pujante e pede para ser saboreado.

Saboreadas com igual agrado as iscas à portuguesa, fritas com alho e azeite, que acompanhavam com batatinha redonda cozida, para terminar em grande com os lombinhos de porco na frigideira. Troços do lombelo fritos na sertã, que chegam à mesa embebidos num molho com os sucos da carne e pimenta rosa. Acompanham com rodelas de batatas fritas, secas e estaladiças. Carne macia e suculenta, aromas e sabores da pimenta, o amido e o crocante da batata pediam um vinho a preceito e Dom Limão mostrou-se à altura da exigência com mais uma bela surpresa: Garcia de Castro 2009 (22,50€), um tinto pujante, guloso e cativante a condizer com a cozinha de Dona Laranja.

Há que provar ainda a mousse de alfarroba (2,70€), que se aconselha pingada com licor de medronho da Beira, e a tarte de amêndoa (2,95€), que também de sobremesas se faz a essência deste improvável restaurante.

Que dizer, pois, de uma casa que não sendo particularmente dotada nas instalações e não praticando cozinha de autor ou de especialidades, cativa tão profundamente? Diga-se que há competência culinária, critério, bom gosto e conhecimento. E sempre boas surpresas numa garrafeira que foge aos rótulos mais convencionais.

E talvez seja isso, a ruptura com convenções e conceitos, que explique o agrado com que se sai e espera voltar. A começar pela personalidade, o gosto e o critério de Dom Limão.

Nome
Dom Limão Dona Laranja
Local
Lisboa, Lumiar, Avenida das Nações Unidas, 258
Telefone
964375568
Horarios
Todos os dias das 12:00 às 23:00
Preço
20€
Cozinha
Trad. Portuguesa
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