Fugas - restaurantes e bares

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O segredo do polvo assado

Por José Augusto Moreira ,

Tal como o herói da lenda local, também por si só o restaurante Caneiro se basta para mostrar a melhor versão dos sabores e gastronomia das Terras de Basto. E o polvo é só uma amostra.

Com a facilidade das modernas auto-estradas nem dá para nos apercebermos das dificuldades do caminho e das características que moldam a peculiar personalidade das Terras de Basto. Nem Minho nem Trás-os-Montes, mas antes a conjugação das duas regiões que se fundem na transição entre o litoral e o interior Norte e com o sinuoso Tâmega de águas batidas e uma paisagem que preserva as marcas de rica ruralidade como denominadores comuns.

Território único “onde em Dezembro florescem bouças e montados”, como descreveu Camilo nos tempos que por ali andou. A lenda de “O Basto”, o guerreiro lusitano que se bateu sozinho contra os mouros comandados por Tarik, simboliza a valentia e carácter das raças e produtos autóctones. Não por acaso, o território de Basto integra, na sua totalidade, a área de produção DOP (Denominação de Origem Protegida) das carnes barrosã e maronesa, sendo também certificado com IGP (Indicação Geográfica Protegida) o cabrito das Terras Altas do Minho.

Identidade e carácter são também os traços que ajudam a definir o restaurante Caneiro, uma casa acolhedora, de comidas saborosas e bem cozinhadas, e onde a simpatia e eficiência compõem ainda o cardápio. Em Arco de Baúlhe, onde o urbanismo recente exibe as marcas de uma modernidade e gosto mais que duvidosos, o restaurante surge à esquerda após uma curva pronunciada na descida que leva em direcção à ponte de Cavez.

Sala ocupando todo o piso térreo do edifício, com amplas vidraças e varandim traseiros voltados ao vale verdejante por onde serpenteia o rio Peio já quase na confluência com o Tâmega. Em fim-de-semana, a sala — aí umas 80 ou mais pessoas — está lotada e o ambiente é o de clássico restaurante de província procurado por famílias abastadas ou em ascensão. Mesas espaçadas, toalhas e guardanapos em algodão branco, baixela correcta, acomodação e decoração confortáveis, sem luxos nem arrebiques.

A par da habitual sopa de legumes ou do caldo verde (1,60€ cada), propunha-se uma sopa de robalo (2,30) que francamente apreciámos. Base com refogado do peixe de boa textura, tomate e pedacinhos de pão frito (croutons) e crocante a compor os sabores.

Do leque de entradas prescindiu-se apenas dos cogumelos selvagens (5€). Genuína e saborosa a alheira (5€), correctos e competentes os ovos mexidos com cogumelos pleurotus (8,50€).

Apenas interessante o recheio de sapateira (5€), a saber ao marisco mas falho da frescura que bem poderia ser dada pela cebola e/ou pimento picados, tal com as lâminas de presunto (7,50€).

O prato-emblema

O polvo assado no forno com arroz do mesmo (11,50€) é o prato-emblema da casa e há muito atrai clientela de várias latitudes. Mesmo antes das facilidades da auto-estrada! A receita é a do famoso Veleiros, que em tempos funcionou nas imediações do farol de Leça da Palmeira. Um legado que o proprietário do Caneiro agradece ao antigo patrão, com quem se tinha cruzado em Angola e o destino fez depois com que tivesse sido determinante no seu encontro com as Terras de Basto.

Um segredo, pelos vistos bem guardado e executado, mas que não deve andar muito longe da receita tradicional dos Açores. Depois de cozido, o polvo leva primeiro uma refogadela com alho, cebola e azeite e só depois vai ao forno a assar. O arroz é igualmente feito no forno, com a água da cozedura e algo do molho do refogado. Se não é assim, a coisa deverá andar por perto.

No Caneiro há até uma assadeira própria em ferro fundido dividida a meio onde polvo e arroz vão ao forno em conjunto. É nela que chegam também à mesa e com a mais-valia de preservar sabores e manter a temperatura que os espevita. O resultado é francamente convidativo. Polvo macio como algodão, cebola caramelizada e o arroz seco e crocante impregnado pelo sabor e acidez da tinta do octópode.

Provou-se também o bacalhau à moda da casa (11,50€), de posta alta bem demolhada que é confitada no forno com cebola e batata com casca. Deliciosa a batata, produto da terra, e o bacalhau a decompor-se em lascas saborosas e consistentes tal como mandam os melhores cânones. O conjunto é complementado por um dispensável acrescento de maionese, cuja gordura só pode perturbar a excelência dos sabores das batatas e do bacalhau.

Nos peixes, a carta propunha ainda dois arrozes, de mariscos e de tamboril com gambas; camarões, “ao alho” e “à n’gola”; mais polvo, assado na brasa ou filetes com arroz do mesmo; pescada em três vertentes (frita com arroz de feijão, grelhada com molho verde ou em filetes com molho de marisco); e ainda bacalhau assado na brasa. Tudo com preços entre 11 e 12,50 euros.

Outra das receitas da casa são as batatas da escola (11,50€). Fritas às rodelas em azeite, as batatas são enriquecidas com uma cebolada com nacos de chouriço e presunto e complementadas com nacos de vitela grelhados. Puro produto de genuinidade e sabor único.Exclusiva também a cor rosada, o perfume e macieza dos nacos de vitela grelhados (11€).

O cabrito é servido assado no forno (20€) ou em caldeirada (17€), sendo que nesta última versão apenas por encomenda e para um mínimo de duas doses. E o mesmo vale para o arroz de frango de cabidela (13,50€).

Vinhos de sub-região

A carta propunha ainda tripas à moda do Porto, rojões à minhota, perna de porco ou arroz de pato assados no forno, bife ou posta de vitela barrosã. Com preços entre 10 e 12,50 euros.

Das sobremesas provou-se o pecado da avó (2,90 euros) e o pão-de-ló húmido caseiro (2,75 euros), ambos deliciosos.

Louvável e exemplar o esforço de valorização dos vinhos locais, uma sub-região dos vinhos verdes que nos últimos tempos vem dando mostras de grande vitalidade. Nada menos que seis espumantes, onze brancos e nove tintos da região de Basto, numa carta abrangente e diversificada com compreensível destaque para os tintos do Douro e Alentejo.

Quisemos colaborar no espirito bairrista, mas depois de um espumante e três brancos com predominância da casta Alvarinho marcados pelo sabor adocicado, salvou-se apenas a frescura e acidez cítrica do Quinta de Val-Boa 2013. A moda dos elevados teores de açúcar residual pode até ser atractiva para a prova simples e determinados sectores da clientela, mas mata a aptidão gastronómica dos vinhos. E os vinhos são para a mesa. Para o resto há outros refrescos!

Ressalvada a parte dos vinhos, há que dizer que este Caneiro honra os pergaminhos da região e se mostra como um valente bastião dos produtos e sabores das Terras de Basto. À qualidade dos produtos, associa ainda uma cozinha cuidada e competente, serviço atencioso e em ambiente familiar e acolhedor.

Nome
Caneiro
Local
Cabeceiras de Basto, Arco de Baúlhe, Lugar de Caneiro
Telefone
253663566
Horarios
Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 12:00 às 22:00
e Domingo das 12:00 às 15:00
Website
https://www.facebook.com/pages/Restaurante-Caneiro-Quinta-do-Moleiro/188660681172117
Preço
20€
Cozinha
Trad. Portuguesa
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