Fugas - restaurantes e bares

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Um prato com a Alma de Sá Pessoa

Por Alexandra Prado Coelho ,

Já abriu as portas, no Chiado, o novo restaurante Alma, de Henrique Sá Pessoa. Com a mudança de Santos para o centro de Lisboa a fasquia subiu. O novo espaço representa, diz o chef, “o regresso à alta cozinha”.

Henrique Sá Pessoa está sentado numa das mesas do seu novo Alma, que acaba de inaugurar no Chiado. Quando combinámos a entrevista, fizemos-lhe um pedido: que, para início de conversa, escolhesse entre os pratos da nova carta um que achasse que o representava de forma especial e explicasse, através dele, o que é a sua cozinha. Sá Pessoa aceitou e quando chegámos, interrompendo uma reunião com membros da sua equipa, ele já tinha o prato escolhido: choco com puré de ervilhas e caril verde num caldo de galinha.

É, talvez, diz o chef, a proposta mais arriscada desta carta, mas ao mesmo tempo é representativo da sua forma de pensar a cozinha. Porquê? “Fui dos primeiros chefs da nova geração a introduzir uma vertente asiática na cozinha em Portugal”, explica. “Isso tem a ver com a minha experiência de quatro anos na Austrália, um país que, não tendo uma identidade gastronómica própria muito forte, tem influências de todo o mundo.”

Foi aí que se cruzou com um conjunto de sabores que o surpreendeu. “Fiquei fascinado com todo o universo de ingredientes, a frescura, os picantes, os ácidos, os doces, sabores a que nós não estamos muito habituados. A facilidade com que eles conferem sabores aos pratos… para mim foi um amor à primeira vista.”

Quando regressou a Portugal e quis usar essas influências percebeu que não era assim tão simples. “Há uns anos perguntavas a um fornecedor de legumes por erva-príncipe e ele não fazia a mínima ideia do que isso era. O próprio gengibre era um ingrediente especial. O galangal, as chalotas, todos os ingredientes que são a base da cozinha oriental eram totalmente desconhecidos.” Apesar das dificuldades, foi começando a introduzir alguns desses sabores. “Achava que isso me diferenciava da cozinha dos meus colegas. Quando ganhei o concurso Chefe Cozinheiro do Ano [em 2005] fiz um tataki de atum. As pessoas nem sabiam o que queria dizer tataki.”

No primeiro Alma, que abriu em Santos em 2009, havia já alguns pratos que se destacavam por essas influências asiáticas. “Um dos que teve grande impacto”, recorda, “era uma espécie de caldeirada com erva-príncipe, gengibre, cardamomo, malagueta, sabores que tornam o prato mais cítrico, mais exótico, mas mantendo a essência do que é uma cataplana.”

Como nasce um prato

Mas o prato de que queremos falar é este choco com puré de ervilhas que apresenta agora no novo Alma. Foi um prato que nasceu de uma forma e depois foi evoluindo, conta o chef. “A ideia inicial partiu de um puré de ervilhas, que já faço há muito tempo. Aliás, os purés fazem parte do meu universo, são outra das coisas que sempre marcou muito a minha cozinha.” Pensou usar lula e outro elemento: lentilhas. “A questão é que a lentilha e a ervilha juntas criavam uma confusão de texturas e sabores. O puré de ervilhas tem uma pasta de caril verde, para o tornar mais fragrante. As próprias lentilhas tinham gengibre, coentros, sabores fortes. Havia uma guerra entre as lentilhas e o puré de ervilhas que matava a lula.”

Surgiu então a ideia de trocar a lula pelo choco, para conseguir uma textura diferente, e de retirar as lentilhas e introduzir outro elemento “que levou o prato numa direcção completamente diferente, tornando-o mais aconchegante”: um caldo de galinha. “Quis que o caldo fizesse a junção entre o puré de ervilhas e o choco, sem matar nem um nem o outro. O objectivo é que os três tenham identidades próprias, que não se atropelem e que em cada garfada os consigas sentir individualmente, mas percebendo ao mesmo tempo que a junção é harmoniosa.”

E assim nasceu um prato que Sá Pessoa acredita que transporta a sua identidade enquanto cozinheiro. “É um prato que tem sabores tailandeses mas que não poderias comer na Tailândia, tem o choco, que é muito português mas não é o clássico que se come em Portugal. Numa garfada sentes que o choco é fresquíssimo, noutra percebes que o puré é picante, depois o caldo suaviza tudo isso.”

Pode ser um pouco arriscado para alguns clientes, mas é um risco controlado, porque, mesmo que certos ingredientes sejam menos familiares, estão lá o choco e o caldo de galinha, que permitem sempre regressar a uma zona de conforto. Sá Pessoa diz que procura esse equilíbrio. “Há sempre um lado muito egocêntrico na cozinha, por mais humilde que o chef seja há aquela vontade de mostrar o que faz. Mas é importante perceber para quem se está a cozinhar”, afirma, recordando um momento, em 2005, em que apresentou uns rolos de massa de arroz com legumes e molho agridoce. “Fui enxovalhado. Diziam que aquilo não era um restaurante chinês. Eu pensava que estava a introduzir uma coisa interessante para as pessoas conhecerem, mas elas não queriam conhecer.”

“Aqui tudo mudou”

É preciso pensar em manter o negócio sustentável, sublinha. “Podes dizer ‘tenho um menu espectacular’, mas para quem? Para ti e para dez críticos que escrevem em blogues de gastronomia, ou para os cinquenta clientes que vêm cá todos os dias pagar a conta?” Recorda ainda a ocasião em que “um conhecido crítico de gastronomia” lhe disse que no antigo Alma estava a fazer uma cozinha abaixo do que poderia fazer. Mas a questão que se colocava era: “O que é que é preferível: um trabalho consistente em que a expectativa tem a ver com aquilo que os clientes pagam e o espaço em que estás inserido? Ou uma cozinha espampanante para dez pessoas, mas que no dia-a-dia ninguém vai querer comer e ninguém vai ter dinheiro para comer? Ok, os críticos vão dizer ‘o Henrique Sá Pessoa está a fazer um trabalho fantástico’, mas durante quanto tempo é que eu vou estar a fazer esse trabalho fantástico?”.

Apesar disso, garante que no novo Alma tem muito mais espaço para criar e mostrar coisas diferentes. “Aqui tudo mudou, a maturidade, a localização. A expectativa tem que ser diferente. A partir do momento em que entras pela porta não vais esperar o mesmo que esperavas no antigo Alma. E, claro, aqui arrisco muito mais. Antes tinha um carro com 1600 de potência, 110 cavalos e sabia que fazia o percurso em 2,30 minutos todos os dias. Agora dão-me um carro com 3500 de cilindrada, 250 cavalos, mas sou eu quem o vai conduzir na mesma. Vou encarar a pista com o pé mais pesado, porque sei que o carro vai aguentar, e sei que vou atravessar a meta mais cedo.”

Aqui, em plena Rua Anchieta, e a dois passos do Belcanto de José Avillez, está no centro da cidade. “O factor mais importante é a localização, dá-nos uma visibilidade que em Santos nunca podíamos ter ter. E depois temos um Rudolfo Tristão nos vinhos, um Telmo Moutinho na pastelaria e a equipa toda do Alma que transitou para cá.”

Com Daniel Costa, o seu braço direito na cozinha, começou por pensar o que faltava no anterior Alma: “Faltavam-nos texturas, crocância, faltava-nos técnica, apresentação, na parte dos amuse bouche eramos limitadíssimos, dávamos apenas um shot de sopa. Sabíamos que nessas áreas queríamos melhorar.” Entre Janeiro e Junho desenharam a ementa — dois menus de três pratos e um de cinco, que vão mudando de composição, para além da escolha à carta, para já só jantares, mas em breve também almoços com um modelo um pouco diferente. E há pouco tempo abriram as portas, primeiro em soft opening e há uma semana já oficialmente.

Aqui vai ser possível conhecer a cozinha de Sá Pessoa em diferentes intensidades, desde um prato de total conforto que é a “Calçada de bacalhau” (o bacalhau laminado cobre um bacalhau à Brás com uma gema de ovo que é desfeita pelo próprio cliente e misturada já no prato) até ao choco com puré de ervilhas. “Sei que este choco não é um prato para agradar a gregos e a troianos”, diz Henrique Sá Pessoa. “É só para gregos, os troianos não vão gostar”, conclui, com uma gargalhada.

É assim, Sá Pessoa com uma nova Alma e, como ele próprio diz, “de regresso à alta cozinha”.

Nome
Alma
Local
Lisboa, São Paulo, Rua Anchieta, 15
Telefone
213470650
Horarios
Todos os dias das 12:00 às 15:00 e das 19:00 às 23:00
Website
http://alma.co.pt/
Cozinha
Autor
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