Ainda há lotarias no balcão de madeira, agora envidraçado. Há letreiros que anunciam que aqui há totobolas e totolotos, lotarias ou valores selados. Esta casa, no número 75 da Rua de São Paulo, tem uma frente toda em madeira, letreiros de vidro pintados e portas com vitrais e foi fundada em 1885 — já foi uma casa de câmbios (Cambista Pina), uma loja de tintas e uma casa de jogo. A sua estrutura e história foram preservadas e nasceu, em Agosto, A Tabacaria, uma casa que mantém a fachada principal em carvalho, listas oficiais de prémios que são, afinal, menus de comida, lotarias que são cocktails ou totobolas que servem de lista de vinhos.
A Tabacaria foi um “namoro antigo” de Mikas, o proprietário do espaço — e que tem no currículo outros espaços emblemáticos, do Bar das Imagens ao Bicaense, do Bar da Velha Senhora ao Clube Ferroviário ou mesmo, em Cacilhas, o Atira-te ao Rio —, conta-nos João Senhorinho, gerente, a preparar-se para os primeiros ritmos de jazz, numa segunda-feira a meio da manhã. O espaço, que esteve fechado vários anos, foi assegurado pelo empresário e preparado durante 18 meses. Foram necessárias remodelações cuidadosas para manter a história e o imaginário de tabacaria e jogo do espaço e escolher o tipo de bebidas e garrafas a apresentar. “Quisemos abrir com a certeza que estava tudo a funcionar em condições e não só a 50%”, diz João, e com “bebidas premium, para quem realmente conhece ou quer conhecer”.
A maior aposta d’A Tabacaria é o rum. “Gostávamos de ensinar as pessoas a perceber como se bebe um bom rum. Pode ser, obviamente, em cocktails mas o rum aprecia-se por si só, como um whisky”, exemplifica João, apontando para as “para já” sete garrafas de rum dispostas em prateleiras de madeira. Há rum das Caraíbas ou da Jamaica, mais doce, mais frutado ou mais áspero — “queremos ter um para cada tipo de gosto”. Mas há, também, gin ou vodka, bebidas que, a par do rum, podem ser complementadas com macerações e infusões de sementes, fruta. As pequenas garrafinhas dispostas ao lado do rum, aromas feitos pelo barman, fazem parte do “cunho” do espaço e dão “mais intensidade” às bebidas. “Em vez de funcionarmos principalmente com cascas, usamos estas macerações”, explica João. Na lotaria de cocktails há ainda cachaça, tequila, whisky ou aguardente.
No interior da casa, há apenas seis mesas de madeira, e são servidos vários petiscos. Ao almoço, altura em que a banda sonora é o jazz, há sopas, sandes de polvo — “muito fora do comum mas saborosa e bem aceite” — ou saladas. Ao jantar, quando as sonoridades que se fazem ouvir são já soul ou funk, há ceviche de corvina, cogumelos recheados, tiraditos de polvo, salmão ou atum (peixe braseado). Durante o dia, são servidos ainda valores selados, ou seja, tábuas de queijo ou pequenas tapas acompanhadas por um cocktail ou cerveja que pode ser aromatizada, ou ainda snacks indianos (uma mistura de fritos com milho, amendoim ou passas “bastante condimentados”). Na lista oficial de prémios — o nome do menu de comidas — ainda não há sobremesas mas “estão a começar a aparecer aos poucos”, avança João Senhorinho.
A fazer jus ao nome, em breve haverá também à disposição dos clientes “tabacos do mundo”. Não serão “maços de tabaco convencional” mas antes “tabacos que se aproximam do universo das cigarrilhas e dos charutos, um bocadinho na linha dos bons runs e dos bons whiskies, muitas vezes complementados por este tipo de tabaco”, refere João. Os responsáveis pelo espaço estão a juntar stocks de tabacos diferentes e “à procura de pérolas de terras longínquas”, uma vez que em Portugal este tabaco diferente não é produzido ou, comenta o gerente, é muito difícil de encontrar.
Por ser uma casa centenária, por lá já passaram episódios engraçados contados na primeira pessoa. “Três dias depois de abrirmos, esteve cá um senhor que tinha ganho um primeiro prémio na Casa Costa [a antiga casa de apostas]. Esteve a contar-nos a história e o que fez com esse prémio, bastante emocionado”, relembra João Senhorinho. Desde Agosto, mês em que abriram ao público, funcionários antigos da casa de jogo e vizinhos de mais idade entraram para elogiar a fachada ou lembrar outros tempos. E também os turistas — ou não fosse o Cais do Sodré uma das zonas de Lisboa mais movimentadas quer de noite, quer durante o dia — gostam da história por detrás do balcão de madeira e das garrafas coloridas alinhadas com “uma oferta diferente”. “Quando se entra aqui, parece que se faz uma pequena viagem no tempo” — o convite está feito.
- Nome
- A Tabacaria
- Local
- Lisboa, São Paulo, Rua de São Paulo, 75/77
- Telefone
- 213420281
- Horarios
- Todos os dias das 11:00 às 02:00
- Website
- https://www.facebook.com/A-Tabacaria-1447021795596113/