Agora que os dias começam a arrebitar, sabe bem a luminosidade, espaços ensolarados e a proximidade da água. E, se possível, boa comida e boa companhia!
O mundo não é perfeito, todos o sabemos, mas dá-se, por vezes, a rara felicidade de as circunstâncias se conjugarem a nosso favor. E é, assim, com a naturalidade das coisas simples que o Morfeu pode contribuir para dias mais felizes e aprazíveis: na marginal do Douro, exposto ao sol e ao rio, cozinha cuidada e saborosa e preços sensatos.
A companhia, é, claro, da sua conta, mas mesmo que não cuide disso, a anfitriã não o deixará desamparado. Maria Jorge, a proprietária, é uma alma portuense genuína. Ao gosto pela comida tradicional, junta aquele humor tenso e língua assertiva típicos dos portuenses, e assim conquistou fãs e clientela no velho Morfeu.
Da obscura semicave na zona das Condominhas, encontrou a luz à beira-rio, um pouco mais acima e quase ao abrigo da Ponte da Arrábida. Chegou ainda antes da novidade dos turistas, com a sua cozinha de base tradicional e paladares caseiros. Espaço envidraçado, todo o dia voltado ao sol, a que acresce uma aprazível esplanada que por estes dias convive em perfeita harmonia com o movimento dos eléctricos pejados de forasteiros.
E, apesar da modernidade evidente, o Morfeu Marginal, assim se chama agora, mantém a sua matriz de restaurante à moda do Porto. Há as tripas, o cozido, o arroz de pato e até, aos sábados, um cabritinho no forno que é de lamber os dedos.
Portuense até no nome, que longe de remeter para hipotéticos sonhos e sonos de felicidade literária é antes tributário do linguajar tripeiro: morfar é degustar e saborear, comer com prazer e critério. Assim se fala à moda do Porto e é também assim que melhor se está neste Morfeu da marginal.
À carta com as habituais “entradas”, “peixes”, “carnes” e “sobremesas”, antepõe-se uma lista de pratos com dia certo ao longo da semana, todos com preços entre 7 e 10 euros. Arroz seco de bacalhau com os tradicionais bolinhos ou cabidela de frango, às segundas; bacalhau à Brás ou língua estufada com ervilhas, às terças; tripas à moda do Porto, às quartas; filetes de pescada ou feijoada à brasileira, às quintas; cozido, às sextas; cabritinho assado no forno, aos sábados; e arroz de pato à antiga, aos domingos.
Na carta, as doses de polvo surgem em filetes com arroz (17,50€) ou à lagareiro (15,50€), e as de bacalhau em cinco variantes: “à americana”, “à chefe”, “à lagareiro”, “com broa”, e “no forno”, todas a 26,50€. Há ainda tornedó de vitela (12,50€), “rosbife à inglesa” (12,50€), os bifes (10,75€) — pimenta, grelhado ou “à Morfeu” —, escalope de vitela (9,80€) e cinco variedades de omeleta (4,50/9,50€).
Das “entradas”, provou-se a alheira com grelos (1,50€), rissóis e bolinhos de bacalhau em miniatura (0,50€ a unidade). Enchido típico transmontano envolto com grelos salteados e judiciosa utilização da pimenta; secos, fofos e de boa estirpe os bolinhos; recheio cremoso de camarão nos rissóis. Tudo muito bem e bem apresentado.
O bacalhau à Brás, que parece ser um dos pratos de referência da casa, é muito bem executado. Aveludado e consistente, com boa envolvência e batata frita saborosa de corte caseiro, mesmo que o bacalhau não abundasse.
Exemplar a língua estufada. Acerto nas pimentas, mais uma vez, molho espesso a envolver as ervilhas e um arroz seco a combinar. Igualmente saboroso, envolvente e de confecção primorosa o rosbife, com finos palitos de batatas fritas e grelos salteados a merecerem calorosa aprovação.
Do forno veio o bacalhau que foi também credor de satisfação e aplauso generalizado. Posta alta e de proporções generosas que parece ser frita em azeite e só depois ir ao forno com cebola, louro, salsa e batata ao gomos. Tudo sabiamente polvilhado (noz moscada, pimentão?) e a espevitar os sabores. Vem à mesa na assadeira de barro vidrado, e ao acerto e apuro de sabores junta-se o acerto na demolha e cozeduras. Lourinho e crocante por fora, lascas firmes, gelatinosas e deslizantes, como mandam os melhores princípios culinários. Muito bom e muito saboroso.
As melhores memórias também das sobremesas, com destaque para o pudim abade de Priscos e a tarte de amêndoa com ovos moles (3,50€), em doses mais que generosas. Ambas de primorosa confecção, sendo que, pelo sabor, textura e corte marmorizado , estava ao nível dos melhores o pudim que foi servido.
Maria Jorge bem pode orgulhar-se do trabalho de quem a acompanha nos fogões, que proporciona sabor e felicidade àqueles que escolhem morfar neste espaço da marginal do Douro. À boa cozinha de paladar caseiro, junta-se um ambiente moderno e elegante e o serviço afável e atento, que igualmente convidam aos prazeres da vida.
Sem exageros, prescindindo de exuberâncias e com assinalável equilíbrio qualidade/preço, a lista de vinhos, centrada nos Douro, permite opções gastronomicamente adequadas. Bebemos o Capitão-Mor 2013 (12,75€), um Alvarinho de excepção da região Monção/Melgaço, e o Parceria Tinto 2013 (12,50€), um belo representante do Douro Superior, que bem expressam esse espírito de equilíbrio.
O mundo não é perfeito, mas morfar na marginal pode mesmo contribuir para dias mais felizes e aprazíveis.
- Nome
- Morfeu Marginal
- Local
- Porto, Lordelo do Ouro, Rua do Ouro, 400
- Telefone
- 226 095 295
- Cozinha
- Trad. Portuguesa
- Observações
- Ambiente moderno e confortável. Estacionamento nem sempre fácil. Fecha aos jantares de domingo ?e segunda-feira.