Fugas - restaurantes e bares

  • Enric Vives-Rubio
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Um oásis algarvio onde se fala em português e se come à moda local

Por José Augusto Moreira ,

É um luxo encontrar um restaurante que oferece “pratos do dia” como raia de caldo, lulinhas da toneira, massinha de corvina, xerém com berbigão ou açorda de lingueirão. Em Lagoa há um restaurante simples, de comidas simples e preços a condizer.

Mesmo por entre os aldeamentos, clubes, resorts e outros artifícios urbanísticos que fazem do Algarve um bulício de Verão, há sítios que teimosamente resistem, que insistem em preservar alguma da identidade e tradição locais. Sítios que são de Verão e de Inverno, que fogem ao turbilhão das modas, à ditadura das tendências e ao gosto indiferenciado do visitante efémero. E é preciso passar por esses locais para se conhecer a gastronomia local, saborear as comidas que fizeram as dietas que foram de pobres e pescadores e que assumem agora foros de privilégio.

É, por isso, um luxo encontrar um restaurante onde a lista de “pratos do dia” oferece raia de caldo, sopas de cação de coentrada, ovas grelhadas em azeite, cebola e coentro, uma massinha de corvina, o xerém com berbigão ou açorda de lingueirão. 

Pois bem, esse luxo está em Lagoa, bem no coração da cidade que, apesar da fama e folia que se instalou nos territórios à beira-mar, preserva no seu interior um ambiente calmo e arrumado. O turbilhão como que passa ao lado, separado pela movimentada EN 125, que parece ter funcionado também como barreira às múltiplas influências.

Um luxo que dá pelo nome de O Ciclo, um restaurante simples, de comidas simples e preços a condizer. Uma casa que parece alheada do olho do furacão do turismo, onde se comunica em português e se saboreia à moda do Algarve.

O nome, pelos vistos, veio da vizinhança com as instalações do antigo ciclo preparatório, mas a escola aqui é outra. A da tradição gastronómica ligada às comunidades de pescadores que ao longo dos séculos marcaram a estrutura social do Algarve. 

Uma vivência que vem dos tempos da ocupação romana e árabe e que se manteve depois das conquistas dos portugueses nos alvores do século XIII. Apesar de agora convertidas em territórios turísticos, as comunidades de pescadores de Ferragudo, Carvoeiro ou Benagil tiveram um papel determinante na formação do concelho de Lagoa e desde sempre na actividade económica local. 

E é para a memória gastronómica dos tempos anteriores à economia do turismo, da vivência e ruralidade piscatória, que em boa parte remetem as propostas deste O Ciclo. 

O restaurante fica logo numa das primeiras artérias, depois de deixarmos a rotunda que dá acesso ao interior da cidade. A porta da rua dá directamente para a sala de jantar. À direita, uma vitrine com peixes e mariscos frescos, ao fundo, a ocupar a parede, a garrafeira, que inclui um armário de temperatura. Bom sinal! 

Ambiente simples, cadeiras tipo snack-bar, mas mesas compostas com toalhas de tecido branco e copos adequados, num contexto de serviço familiar e frequência de locais. A extensa lista com “entradas”, “mariscos”, “sopas”, “peixe”, “carne” e “pratos do dia” dá logo claro sinal da consistência da cozinha. 

A clientela aprecia as sopas de peixe e de cação, mas também o arroz de lingueirão e o peixe-galo com açorda parecem ter conquistado generalizada simpatia. No que respeita às sopas (1,75/2,95€) a lista propõe ainda a de legumes e um gaspacho.

Saltaram-se as “entradas” — que propunham abacate com camarão, espargos (frios com molho vinagreta, e quentes com molho manteiga), cocktail de camarão, cogumelos alhinho e melão com presunto (5,50/6,50€) — , para saborear as amêijoas (12,90€), tenras e gordas, que suaram no tacho com fartos dentes de alho, coentro e azeite. Sabores naturais e produto imaculado. Um petisco!

Nos “mariscos” as propostas incluíam anda camarão tigre grelhado (22,50€), gambão selvagem fritinho com alho (10,80€), santola (30€) e, ao quilo, lagosta cozida ou grelhada, sapateira recheada e camarão cozido ou frito.

É alargada a lista de “peixes”, em meias doses (5,50/6,90€), que vai do polvo à vicentina ao xerém com berbigão, passando pelas cavalinhas escaladas à lagareiro e o lingueirão, que tanto pode vir em arroz como com papinhas de milho, açorda ou massinha. À vontade do freguês! 

É claro que também há “carnes”, também em meias doses (4,90/6,90€), incluindo pato no forno, iscas, medalhõezinhos ao alhinho e entrecosto, com migas ou grelhado com molho barbecue. 

Interessante é que sendo a extensa lista de “pratos do dia” preenchida com produtos do mar tem ainda adicionada uma secção de “peixes” com bacalhau, cozido com grão; corvina, cozida ou grelhada; abrótea arrepiada cozida com legumes; e as inevitáveis sardinhas assadas. Doses entre 8,50 e 9,80€, com excepção da abrótea, que custava 37,50€/kg. 

Deliciosas as “lulinhas frescas da toneira [pesca à linha] fritas com tinta” (13,50€). Cortadas em elos, como que se desfaziam em espuma e sucos de tão macias e tanto sabor a mar. Pareciam ainda vivas e borbulhantes a rebentar na boca em sabor e harmonia. Com batatinha cozida e a acidez limonada do vinho verde Quinta do Ameal (cada vez mais afinado), soube a manjar divino. Parecia mesmo que as lulas saltaram do mar para o prato.

De entre os 18 “pratos do dia” (9,80/10,50€) que eram propostos naquela quarta-feira de início deste mês chamava a atenção o “bife de atum corado em bom azeite temperado com flor de sal do Algarve”, a “raia fritinha com arroz de berbigão”, a “raia de caldo” ou “alhada” e a “massinha de corvina”, mas avisa a prudência que não se pode ter mais olhos que barriga. 

Haverá seguramente outras oportunidades para, com tempo e companhia, se percorrer este cardápio de sabores e tradição do mar algarvio e suas gentes. Pelo tempo de vida, simplicidade, acolhimento e evidente vontade de bem servir, este Ciclo não há-de parar. 

Nome
O Ciclo
Local
Lagoa (Algarve), Lagoa, Rua Dr. Fonseca de Almeida, 13
Telefone
282352518
Horarios
Segunda a Sábado das 12:00 às 15:00 e das 19:00 às 22:30
Cozinha
Trad. Portuguesa
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